sexta-feira, 7 de julho de 2023

Já presenciou uma briga no avião? Barracos entre passageiros crescem 92% no Brasil; psicólogos explicam os motivos

Apenas nos três primeiros meses deste ano, 114 discussões dentro de aeronaves aconteceram no Brasil, mais de uma por dia.

Brigas dentro de aviões cresceram no Brasil e no mundo (Imagem: Andre Mello/Editoria de Arte)
Vídeos mostrando confusões dentro de aviões estão se tornando cada vez mais comuns nas redes sociais. E isso não ocorre só porque hoje todos podem puxar um celular e filmar a briga. Os desentendimentos dentro de aeronaves realmente estão crescendo. Um levantamento da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) aponta que nos três primeiros meses de 2023 foram registrados 114 casos de passageiros indisciplinados nos aviões. Ou seja, mais de um episódio por dia.

No ano passado os barracos dentro de aviões bateram um recorde: foram 585 casos, um aumento de 92,4% em comparação com os episódios ocorridos em 2019, quando a Abear registrou 304 conflitos entre passageiros. De 2019 a 2022, a média anual foi de 386,2 registros.

Cerca de um quarto das confusões dentro das aeronaves, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), incluem comportamento agressivo do passageiro, envolvendo agressão física e/ou ameaças. Foi o que aconteceu em uma briga que viralizou nas redes sociais no começo deste ano.

Um dos casos recentes mais notórios ocorreu quando duas famílias se desentenderam dentro de um voo da Gol que saía do Aeroporto Internacional de Salvador (SSA), na Bahia, com destino ao Aeroporto de Congonhas (CGH), em São Paulo. A confusão começou porque uma mulher pediu para que uma mãe e sua filha saíssem de seu assento reservado junto à janela. A troca de lugares aconteceu, mas os ânimos se exaltaram. Na briga, várias pessoas das duas famílias trocaram tapas, arranhões, puxões de cabelo e xingamentos.

Mas por que casos assim têm crescido recentemente?


Na avaliação de especialistas ouvidas pelo GLOBO, o aumento das confusões dentro das aeronaves é o resultado de vários fatores que culminam numa explosão de violência. Para a psicóloga Ana Streit, mestre em Psicologia e Saúde pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), as pessoas estão mais sobrecarregadas, o que eleva o nível de estresse e gera uma inabilidade de lidar com situações desconfortáveis:

— Por conta de uma inabilidade no momento de buscarem seus direitos ou expressarem suas necessidades, as pessoas acabam passando do ponto. Somando a falta de habilidade social e a sobrecarga de estresse, vemos essa reatividade exacerbada — aponta Streit.

O ambiente fechado e apertado de um avião pode influenciar, inconscientemente, de acordo com a psicóloga Luana Menezes, especialista em psiquiatria e psicanálise da infância e adolescência pela UFRJ:

— Simbolicamente o avião representa confinamento e falta de controle da situação, e isso gera nível alto de ansiedade e estresse para alguns. Aspectos esses vivenciados exatamente durante o período de isolamento na pandemia. Pode ser que inconscientemente estar num lugar assim reduza o nível de tolerância à frustração.

A pandemia de Covid-19 elevou os casos de ansiedade e depressão. Menezes acredita que o grande período de isolamento social, associado ao prejuízo da saúde mental, afetou as habilidades sociais.

— Na retomada da convivência, alguns ainda com feridas não tratadas podem não saber lidar com situações simples do cotidiano que lhes frustram, reagindo de maneira desproporcional, agredindo os outros — pontua a psicóloga.

Efeito pós-isolamento


Muitas brigas protagonizadas dentro dos aviões são entre pessoas que estão saindo ou voltando das férias, momento que deveria ser de relaxamento e descontração. Mas o isolamento social do período pandêmico fez com que muitas pessoas adiassem as férias marcadas para 2020 e 2021. Somando o contexto de sobrecarga de trabalho e a ansiedade pelo descanso merecido, temos uma expectativa irreal de que tudo saia exatamente perfeito, como o planejado. E aí, diante de qualquer “ameaça”, a reação pode ser descontrolada.

— Viagens custam dinheiro, ocorrem depois de muito tempo de trabalho. Então, as pessoas que estão sobrecarregadas colocam sobre si mesmas uma pressão muito grande de que precisam aproveitar ao máximo aquele momento. Um esbarrão que o passageiro de trás dá na sua poltrona ou o choro de uma criança podem acabar virando um motivo para briga. Mas é preciso lembrar que a vida não é perfeita e que imprevistos podem acontecer — destaca Streit.

Segundo as especialistas, a melhor maneira de resolver esses problemas é investindo em autoconhecimento e inteligência emocional para conseguir manejar nossa reação diante de situações desconfortáveis e frustrantes.

Episódios de brigas dentro de aviões não são exclusivos do Brasil. Há vários vídeos circulando na internet de episódios em outros países. Um exemplo é o que mostra um grupo de homens alcoolizados agredindo funcionários da aviação civil do Chile em um voo da Latam, em fevereiro. A confusão começou quando um comissário pediu para que os homens embriagados deixassem o voo.

A expectativa da Abear era de que passada a pandemia de Covid-19 e as eleições presidenciais — fator que também gerou conflitos nos ares — os ânimos dos passageiros se acalmassem. Porém, segundo Ruy Amparo, diretor de segurança e operações de voo da associação, ainda se vê muitas confusões nas aeronaves.

“As máscaras não são mais obrigatórias. Teoricamente, os agentes externos indutores de tensões estão diminuídos. No entanto, o que estamos vendo ainda são muitos problemas a bordo”, comentou Amparo em uma live que participou sobre o assunto.

O uso obrigatório de máscaras durante os voos era um grande gerador de conflitos, já que alguns passageiros se recusavam a usar o item de proteção enquanto estavam nos aviões.

Discussões dentro de aeronaves não prejudicam apenas quem está envolvido na briga, mas também os demais passageiros do voo e a malha aérea. Desentendimentos costumam atrasar a decolagem e, quando ocorrem com a viagem em andamento, podem demandar um pouso de emergência no aeroporto mais próximo, interferindo no tráfego aéreo.

O que fazer para evitar brigas


Pode parecer clichê, mas a primeira dica das especialistas para evitar um barraco a bordo é respirar fundo. Técnicas de respiração são capazes de reduzir a ansiedade e restabelecer o equilíbrio.

— O primeiro passo é começar a respirar fundo de maneira pausada, puxando o ar pelo nariz e soltando devagar. Quando a pessoa fica nervosa uma das características é o coração acelerar e essa respiração consciente pode ajudar também a desacelerar os batimentos cardíacos — aconselha Menezes.

Quando a pessoa se acalma, consegue refletir melhor sobre as consequências de seus atos. Diante de um estresse no avião, é preciso se perguntar: vale a pena seguir com a discussão e causar um transtorno para mim e para os demais passageiros, que pode atrasar a decolagem?

Avalie o que, exatamente, está deixando você irritado. Se for algo relacionado à companhia aérea, converse com um comissário de bordo. Se for o comportamento de outro passageiro, tente relevar.

— Uma dica é distrair a mente para parar de pensar no motivo do estresse. Vale colocar uma música no fone de ouvido, ler o livro que está na bolsa, ou até mesmo levantar para ir ao banheiro — orienta Streit.

Via Evelin Azevedo (O Globo)

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