Viajar de avião, definitivamente, já não é o que era. O luxo no ar é apelativo, mas tinha os seus riscos.
Chegar ao aeroporto três horas antes da partida. Tirar sapatos, recolocar o cinto, voltar a arrumar o tablet, esperar. Mais três horas de aperto entre o espaçoso vizinho do lado e o falador que nos tapa a vista da janela, até finalmente chegar ao destino. Este é o retrato que a maioria dos passageiros fará da maioria das suas viagens de avião. Um retrato radicalmente diferente do que seria feito por um passageiro que embarcasse há 50 ou 60 anos.
Naquela que ficou conhecida como a Era Dourada da aviação, tudo era luxo. Mesmo a classe económica era um paraíso quando comparada com a que as companhias aéreas oferecem hoje aos passageiros.
Não era apenas nos espaçosos lugares que estas companhias apostavam. Voar era, então, coisa para celebridades e, por isso, tudo era preparado a preceito. Louças, menus preparados por chefs, comida e bebida à discrição, um sem número de pequenos detalhes que faziam a diferença — não apenas na comodidade, mas também no preço.
Hoje, o cenário é bem distinto. Antes da crise que assolou a aviação, causada inevitavelmente pela pandemia, os aviões viajavam perto das suas capacidades máximas. A ditadura dos lucros ditava a regra: menos espaço, mais passageiros, mais dinheiro a entrar ao final do mês. A viagem passou a ser, para a maioria dos viajantes, um sacrifício necessário antes de chegar ao tão desejado destino. Mas será que viajar nos anos 50 e 60 era assim tão melhor?
A Era Dourada
Costuma dizer-se que esta nova era foi lançada pelo primeiro voo comercial entre Paris e Nova Iorque, inaugurado em 1958, ao som de “Come Fly With Me” de Frank Sinatra. Fazer a ligação entre as duas grandes capitais e cruzar o Atlântico era o sonho de todos, celebridades e desconhecidos.
Esqueça a recomendação para chegar três horas antes da partida. Nesta altura, 30 minutos bastavam. Era chegar, fazer o check-in, entregar o bilhete e caminhar livremente pela pista de aterragem.
No interior do avião, cada passageiro era recebido pelas hospedeiras, então em muito maior número, escolhidas a dedo pela sua beleza e vestidas com roupa desenhada por estilistas — são famosas as histórias de romances entre passageiros célebres e hospedeiras. Já nos lugares respetivos, começava a parada de luxos.
As companhias aéreas foram as primeiras a servir sumos naturais engarrafados, muito antes de eles surgirem nos supermercados. A bordo dos voos da Pan Am, por exemplo, servia-se o mesmo menu de um famoso restaurante parisiense.
A rival Air France respondeu com pratos de lagosta, rosbife e costeletas. A fama pegou e começou a valer tudo para atrair mais passageiros: a comida era servida em buffet à discrição. Tudo servido em pratos de porcelana.
Já nos anos 70, as companhias decidiram transformar o interior dos aviões, tirando partido do espaço livre que as menores lotações permitiam. A Pan Am transformou o piso superior do seu Boeing 747 numa espécie de bar, com mesas para grupos e um ambiente relaxado.
A moda pegou e os salões temáticos e piano bars começaram a surgir um pouco por todas as grandes companhias. Em todos eles, o fumo abundava: fumava-se em todo o lado e os cigarros e charutos eram, também eles, um dos muitos luxos oferecidos pelas hospedeiras.
Com uma concorrência feroz, ninguém poupava nos esforços para ganhar vantagem. A próxima grande fronteira foi a própria decoração dos aparelhos, que ficou a cargo dos mais diversos artistas da época. A espanhola Iberia chegou mesmo a encomendar a Salvador Dalí algumas pinturas para exibir nos seus voos.
E hoje?
É um facto indesmentível: o espaço livre para cada passageiro foi se perdendo com o passar das décadas. Embora cada companhia estipule livremente o espaço, a tendência tem sido a da redução drástica.
As análises mais recentes indicam que a distância para o assento da frente — o chamado seat pitch — reduziu de 90 centímetros para uns meros 78 e em casos mais drásticos, chegam mesmo aos 71. Uma mudança registada dos anos 70 até aos dias de hoje.
A tendência faz-se também notar na largura dos assentos. Com os lugares de classe executiva a rondarem os 53 centímetros, na classe económica verificou-se uma redução dos 47 verificados no início do século, para os 43 atuais, que chegam aos 40 centímetros nos casos mais drásticos. Estima-se que durante a Era Dourada, a largura dos assentos era entre sete a 15 centímetros maior do que a atual.
Com aviões cada vez mais cheios, com taxas de ocupação acima de 90 por cento, particularmente nas low cost — algo que raramente acontecia no início do século —, a tendência é para uma maior diminuição. O conforto é que paga.
Também a comida a bordo sofreu com o passar dos anos. A desregulação da aviação deu oportunidade às companhias de cobrarem mais por um bom serviço — e baixar os preços para a classe económica.
A forma de cortar custos? Acabar com a comida à discrição e menus elaborados. As lagostas deram lugar às sandes rápidas e fáceis de preparar. Mas mesmo usando os melhores ingredientes, a comida provada no ar nunca sabe ao mesmo que em terra. Porquê?
A explicação é dada pela ciência. Uma experiência revelou que a despressurização da cabine, aliada ao ar seco, altera a perceção de sabor, “adormecendo as papilas gustativas, quase como se fosse uma constipação”, revela Grant Mickels, chef executivo de secção de desenvolvimento de comida da Lufthansa.
Nem tudo é o que parece
É fácil sonhar com as viagens da Era Dourada e que bom que seria aproveitar os luxos nas viagens que fazemos hoje em dia. Infelizmente, se tal fosse possível, essa seria uma oportunidade vedada à maioria da população, dado o preço exorbitante que era cobrado mesmo nas décadas de 50 e 60.
Estima-se que os preços dos bilhetes seriam em média 40 por cento mais caros do que os atuais, que beneficiam de uma enorme redução graças ao surgimento das companhias low cost.
Há 60 anos, uma viagem normal poderia custar cerca de 2.700€, com valor ajustado à inflação. “Viajar de Londres a Sydney e voltar podia custar 30 vezes o salário médio semanal em 1960. Hoje, podemos fazê-lo pelo salário médio de uma semana”, revela Geoffrey Thomas, editor do site AirlineRatings.
Não só era mais caro viajar como também era bastante mais perigoso. Estima-se que o risco de morrer durante um voo era cinco vezes mais alto do que o atual. Por cada 100 mil horas de voo, verifica-se hoje uma média de 1.3 mortes. Muito abaixo dos 5,2 registados por cada 100 mil horas em 1952.
“Não era seguro aterrar com nevoeiro e por isso havia muitos acidentes. Colisões em pleno ar eram comuns. E os motores caíam dos aviões com tanta frequência que nem sequer eram registados como acidentes, desde que o outro motor fosse capaz de levar o avião até à pista em segurança”, revela Guillaume de Syon, perito em história da aviação.
As quedas não eram a única preocupação. O design, apesar de bonito, não era pensado para ter em conta pequenos percalços. Uma ligeira turbulência ou qualquer poço de ar eram suficientes para causar lesões graves nos passageiros. Um verdadeiro pesadelo que nenhuma lagosta suada poderia compensar.
Fonte: Daniel Vidal (nit.pt) - Imagens: Reprodução
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