domingo, 5 de dezembro de 2010

Os negócios em voo

O governo Lula quer fazer a compra de caças com base em propostas caducadas para comparações caducas

Já vendedor de armamentos bem antes de chegar a presidente da França, o marido de Carla Bruni, Nicolas Sarkozy, cria um insulto original para os jornalistas com assuntos desagradáveis: "Pedófilos!", berrou irado, em resposta aos repórteres que voltaram à corrupção de um negócio de armas entre Sarkozy e o governo do Paquistão, anos 90. Por aparente acaso, o escândalo foi remexido na França quando Lula e Nelson Jobim estão na iminência de assinar, com Sarkosy, a compra dos caças franceses Rafale, já agendada conforme publicação na Folha.

Embora a ressalva "se for escolhido o Rafale", em seguida, na sua coluna de terça passada, Eliane Cantanhêde informa que amanhã Jobim "bate o martelo numa reunião com com Dilma e Paulo Bernardo (Planejamento)", e "depois é convocar o conselho de defesa para o dia 10 e reservar o dia 15 para Lula tirar fotos e assinar os atos correspondentes com o presidente Sarkozy".

Há, nessa agenda de uma escolha feita e acabada, uma originalidade brasileira para acompanhar a do presidente francês: o governo Lula quer fazer a compra da ordem de U$ 6 bilhões com base em propostas caducadas, como lhe denunciou um competidor, para comparações também caducas.

Complemento perfeito, portanto, para uma concorrência em que o terceiro colocado entre os três selecionados, nos estudos da FAB, tem a inexplicada preferência de Lula e do seu ministro -apesar de cada Rafale custar o equivalente a duas unidades de um dos concorrentes e sua hora de voo custar o triplo.

É nas sinuosidades dessa transação que os pedófilos sem altar podem incluir mais um negócio: a compra de novo avião presidencial, coisa de meio bilhão, claro que compra de um Airbus francês dos interesses de Sarkozy. A menos que a Boeing americana satisfaça-se com o presente de consolação, para ser derrotada pelos Rafale e não criar caso, que seria a compra de um grande jato seu.

Para tal fim, afinal de contas, foi inventada a necessidade de outro avião presidencial, proposta por Lula com o argumento -de lucidez e decência que não se deve pôr à prova- de que, assim, Dilma não passará pela "humilhação de fazer um reabastecimento" quando, e se, for à Ásia.

O outro lado

Além dos roubos, há violências físicas de improvável apuração nas investigações de abusos policiais na ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão. As investigações são da própria polícia e há o justo temor das vítimas, que conhecem tudo em se tratando de represália e autoridade. Esse é um problema.

Outro é o ressarcimento. Não é justo que as vítimas de policiais precisem percorrer as tramitações de praxe, o empurra-empurra sem fim, para tentar obter a reposição financeira de parte do que perderam. São muitos os casos até de roubo e depredação evidentes, como os da sistemática maneira de inutilizar telas de TV, com uma perfuração central.

A simplificação das verificações e das reposições é complemento necessário e adequado para as tantas providências positivas com que o governo do estado e a Prefeitura do Rio mudam as faces das duas favelas. O lado urbanístico só tem sentido onde há o lado humano.

Onde a polícia vai, é conveniente que seja seguida por assistentes sociais e por promotores e defensores públicos, em socorro às vítimas dos abusos. Isso não impedirá os meios de comunicação de apresentarem, à sua maneira, a polícia como salvadora da liberdade e da democracia.

Por Janio de Freitas (jornal Folha de S.Paulo)

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