segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

EUA informaram Espanha, em 2002, da passagem de aviões da CIA pelo seu território

Portugal também teria sido notificado, adianta o "El País"

Na época, refere o jornal espanhol, já se sabia que os prisioneiros de Guantânamo não seriam abrangidos pela Convenção de Genebra

Um documento secreto a que o jornal “El País” teve acesso demonstra que o Governo espanhol sabia, pelo menos desde Janeiro de 2002, que os Estados Unidos iriam transportar, pelo espaço aéreo do país, suspeitos de terrorismo capturados no Afeganistão, com destino ao presídio de militar de Guantánamo. O jornal afirma que outros países da região, como Portugal, terão sido informados na mesma altura.

Na sua edição online, o jornal divulga o "fac-simile" de um relatório escrito no dia 10 desse mês pelo então director de Política Externa para a América do Norte do Ministério dos Negócios Estrangeiros espanhol, Miguel Aguirre de Cárcer, em que relata o encontro que manteve nesse mesmo dia com um conselheiro militar da embaixada americana em Madrid.

No documento, com o carimbo de “Muito Secreto”, o responsável revela ter sido informado que “os EUA vão iniciar muito em breve voos para transferir prisioneiros taliban e da Al-Qaeda, do Afeganistão para a base de Guantánamo, em Cuba”.

“Estes voos vão realizar-se em aviões de longo curso e, em consequência, sem escalas”, mas, “se por razões imprevistas for necessário realizar uma aterragem de emergência, o Governo dos EUA querem dispor de autorização do Governo espanhol para utilizar algum aeroporto do nosso país”, acrescenta Aguirre de Cárcer, num documento que foi enviado ao então chefe da diplomacia espanhola, Josep Pique.

O “El País” sublinha que o relatório comprova que o Governo de José Maria Aznar tinha conhecimento que o espaço aéreo espanhol estava a ser usado para a transferência extrajudicial de suspeitos de terrorismo e que o executivo foi mesmo instado a autorizar o uso de aeroportos do país para eventuais escalas desses voos, que se soube mais tarde terem sido realizados pela CIA.

O jornal sublinha mesmo que esta autorização era desnecessária – tanto mais que as aterragens de emergência não necessitam de autorização previa –, mas a Administração Bush “queria que Espanha soubesse que esses aviões transportavam prisioneiros da taliban e da Al-Qaeda” para Guantánamo, onde, já então se sabia, não iram ser abrangidos pela Convenção de Genebra e deveriam ser julgados por “tribunais militares especiais”. Tanto o anterior executivo como o governo de José Antonio Zapatero garantiram sempre desconhecer esta situação, actualmente a ser investigada pela Audiência Nacional.

Reagindo à notícia do "El País", o actual ministro dos Negócios Estrangeiros, Miguel Moratinos, disse desconhecer o relatório divulgado pelo jornal e anunciou uma investigação urgente para apurar o conhecimento que as autoridades espanholas tinham deste caso. "A anterior equipa também não nos notificou dos supostos voos da CIA", sublinhou.

EUA avisaram "vários países"

No relatório que enviou ao chefe da diplomacia, Aguirre de Cárcer adianta que Espanha não foi a única a ser informada destas transferências. “Esta mesma iniciativa estão a realizá-la com vários países que se encontram ao longo da rota que devem seguir os aviões em questão”.

O “El País” noticia que os países em causa “serão pelo menos, a Turquia, Itália e Portugal”, tanto mais que no dia seguinte à reunião de Aguirre de Cárcer na embaixada americana, um avião procedente de Kandahar com os primeiros 23 suspeitos transferidos para Guantánamo, entrou no espaço aéreo controlado pelos Açores. Segundo registos aéreos portugueses, o avião era procedente de LEMO (código da base militar espanhola de Móron), mas os registos enviados pelo Ministério da Defesa espanhol à Audiência Nacional referem que o avião teria feito escala em Incirlik, na Turquia, e não em solo espanhol.

À semelhança das autoridades espanholas, tanto o governo de Durão Barroso, como o executivo de José Sócrates garantiram nunca ter sido informados das transferências de prisioneiros, nem ter registo da passagem dos aviões da CIA por aeroportos nacionais. Um fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que a Lusa não identifica, reafirmou esta tarde não haver indícios de cumplicidade do Governo português no transporte de prisioneiros para Guantánamo e lembrou que está a decorrer uma investigação do Ministério Público a este caso.

Fonte: Público.pt (Portugal) - Foto: Reuters/US Navy

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