Aeronave que já transportou presidentes teve aval do Patrimônio Cultural, mas está presa em Contagem, sem viabilidade técnica e econômica para ser transferida.
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Carcaça da aeronave que pertenceu à Vasp está em centro de compras cercado por prédios e galpões, o que impede sua transferência para o Belvedere (Foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press) |
O último voo do Boeing 737-200 estava programado desde março deste ano. A relíquia de 59 anos, com capacidade para 100 passageiros, pertencia à falida empresa aérea Vasp e tinha até um plano de voo, desmontado dentro de carretas.
'Aterrissaria', com a ajuda de guindastes, no alto do Shopping BHOutlet, no Belvedere, dando boas-vindas a quem chegasse à capital mineira pela entrada sul, por meio da BR-356.
O mais difícil era a autorização para o pouso sobre a cobertura do shopping, em frente à formação paisagística natural e tombada da Serra do Curral. Essa permissão acabara de ser dada na quarta-feira pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural (CDPCM-BH) do município. Contudo, a decolagem do 737-200 está cancelada, pois o avião acabou preso em Contagem, sem viabilidade técnica e econômica para ser removido.
A aeronave histórica foi a primeira dos quatro Boeings da América do Sul a voar e a transportar passageiros. Estava estacionada no terreno da Avenida Babita Camargos, na Cidade Industrial, em Contagem, e à sua volta cresceu o Só Marcas Auto Shopping.
E foi exatamente a instalação das 15 lojas e demais estruturas sob galpões em volta das asas de 28 metros de envergadura e do corpo de 30 metros de comprimento que trancafiou o avião e o impediu de fazer seu último voo, com destino à cobertura do Shopping BHOutlet.
“Infelizmente, o avião ficou em uma posição que nos impede de removê-lo do Só Marcas. Consultamos um engenheiro especializado do Aeroporto de Guarulhos (SP) e as opções são inviáveis. Teríamos de sair abrindo o shopping. Ou então cortar a aeronave, toda, partir a fuselagem, remover as asas e o leme. Uma operação tecnicamente muito difícil e um custo altíssimo que não se justificaria mais”, afirma o empresário Mário Valadares, proprietário dos dois centros de compras e que arrematou em leilão, por R$ 72 mil, a carcaça da Vasp que estava abandonada, sem os motores, no Aeroporto de Guarulhos.
A ideia apresentada à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e apreciada pelo CDPCM-BH seria de usar o avião para uma exposição temporária, com duração prevista de 12 meses. Envolveria, também, a criação de um Museu do Avião, instalando em seus corredores, assentos e espaços próximos, estátuas representando os presidentes e personalidades de relevância popular que viajaram no avião, para o público tirar fotografias e interagir com a história do Boeing 737-200.
Seriam também disponibilizados óculos de realidade virtual imitando um voo, no qual se teria interações com figuras importantes da história do primeiro Boeing a cortar os céus sul-americanos.
“O projeto, agora, passa a ser a instalação das interações e da exposição no shopping onde o avião está mesmo. Hoje, são 20 mil metros quadrados (m²) de área, mas queremos chegar a 50 mil m² e nos tornar o maior shopping automotivo da América Latina”, diz Mário Valadares.
Aval
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Imagem aérea mostra a fuselagem e as asas entre edificações na Grande BH (Foto: Divulgação) |
O sonho inicial de trazer a exposição ao Belvedere chegou a superar as etapas mais difíceis de um projeto dessa envergadura, que foi a autorização para levar a aeronave para o alto do edifício, a exemplo de outro empreendimento em Contagem, o Só Marcas Outlet, que tem um helicóptero na sua cobertura em frente à BR-381, na Cidade Industrial.
Como se tratava de instalação em perímetro de área protegida, a Serra do Curral, o projeto foi levado para a análise do CDPCM-BH. Erguido a 18 metros de altura, o avião poderia começar a ser visto desde o trevo para o Bairro Olhos D'Água, na Região do Barreiro, uma distância de cerca de um quilômetro de distância.
“As fotos inserções apresentadas revelam que, apesar de proporcionalmente bem menor que a edificação em que se insere, o avião se destaca na paisagem, criando um novo elemento na paisagem da Serra do Curral. Há que se considerar, entretanto, que se trata de exposição itinerante, com prazo de 12 meses”, ponderou em sua avaliação o conselheiro do CDPCM-BH José Júlio Rodrigues Vieira.
O mesmo observou a também conselheira, da diretoria de Patrimônio Cultural e Arquivo Público, Ana Carolina Chaves Lemos, que é arquiteta e urbanista. “Principalmente por ser um elemento inusitado no topo de uma edificação. Por ser uma instalação com tempo determinado de 12 meses e, justamente por ter um prazo para remoção, a Diretoria de Patrimônio Cultural e Arquivo Público entende que o posicionamento de tal aeronave no topo da edificação é passível de aprovação”, avaliou.
Um avião com história no país
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Modelo tinha capacidade para 100 passageiros e foi arrematado por empresário mineiro em leilão após a falência da Vasp (Foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press) |
Os aviões 737-200 foram dos mais produzidos no mundo e chegaram ao Brasil em 1969, junto com outros três adquiridos pela extinta Vasp. Conforme relatado no memorial descritivo, uma multidão assistiu ao primeiro voo desses quatro Boeings 737-200, os primeiros da América do Sul.
O Boeing adquirido pelos empreendimentos foi o primeiro dos quatro a vir para o Brasil, o primeiro da América do Sul e voou de setembro de 1969 até 2004. Em 2014 ele foi arrematado pelo Sr. Mario Valadares, que o colocou para exposição em um dos shoppings do grupo, em Contagem.
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Reprodução mostra as dimensões do Boeing 737-200 que cruzou os céus do Brasil por várias décadas (Imagem: Divulgação) |
O modelo Boeing 737-200 também serviu como avião presidencial brasileiro. Foram adquiridos pela Força Aérea Brasileira (FAB) dois modelos 737-200, sendo que um serviu como avião oficial do Presidente da República do Brasil, de 1976 a 2010.
O avião recebeu o apelido de “Sucatinha” e transportou os presidentes Ernesto Geisel, João Figueiredo, José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. O Papa João Paulo II também foi transportado neste avião em sua visita ao Brasil, em 1980.
A Viação Aérea São Paulo (Vasp) foi fundada em novembro de 1933 por um grupo de cerca de 70 empresários com duas rotas definidas, sendo uma delas ligando as cidades do interior de São Paulo e outra com ligação até Uberaba, no Triângulo Mineiro.
A empresa enfrentou diversas crises, sendo que a primeira ocorreu pouco tempo após a sua fundação sendo necessário o socorro do governo paulista com a aquisição de 91,6% das ações da companhia pelo estado.
Até a década de 1980, a estatal esteve entre as maiores empresas de transporte aéreo do país. Mas a fase estatal findaria a partir dessa época, sobretudo pelo peso do alto custo de operação, com o governo paulista decidindo pela privatização. O novo proprietário foi o empresário Wágner Canhedo, sob a tutela de quem a Vasp voltou a crescer, expandindo suas operações inclusive com rotas para o exterior.
Mas o surgimento de mais concorrentes na década de 1990 abocanhou significativas áreas de atuação no mercado da Vasp, que definhou até que, em 2005, a empresa fez seu último voo, já sob intervenção federal, em razão de dívidas trabalhistas e fiscais. A falência foi decretada em julho de 2008. O leilão das aeronaves serviu para quitar parte desses débitos.