segunda-feira, 10 de abril de 2023

Aconteceu em 10 de abril de 1957: A queda do DC-3 da REAL Transportes Aéreos na Ilha Anchieta


Em 10 de abril de 1957, o avião 
Douglas C-47A-20-DK (DC-3), prefixo PP-ANX, da REAL Transportes Aéreos (foto acima), operava o voo entre o Rio de Janeiro e São Paulo, levando a bordo 26 passageiros e quatro tripulantes.

O Douglas DC-3 prefixo PP-AXN do consórcio REAL-Aerovias–Nacional decolou do aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro, às 17h30min. O voo tinha como destino o aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e estava lotado por conta do cancelamento do voo anterior das 15h00min, que faria escala em Santos antes de pousar em Congonhas. 

Inconformados, cinco passageiros do voo cancelado insistiram em ser acomodados no voo seguinte, que seria direto a São Paulo. Pretendiam alcançar Santos por via terrestre a partir da capital paulista.

Quando decolou do Rio, o PP-ANX conduzia a bordo 26 passageiros sob a responsabilidade do comandante Pedro Luís Dias Ferreira (de 34 anos), cuja tripulação era constituída pelo copiloto Igor Konozalowsky (de 26 anos), radiotelegrafista José Vandranel (de 22 anos) e comissário Leonard Stell Steagall (de 27 anos).

O mau tempo na região da baixada Santista, que impediu o voo das 15h00min de ser realizado, complicou ainda mais as condições do voo das 17h30 min. Previsto para pousar as 19h 00 min em Congonhas, o DC-3 PP-AXN encontraria mau tempo na divisa estadual Rio São Paulo. 

Por volta das 18h00, quando sobrevoava em velocidade de cruzeiro a região de Ubatuba, o motor esquerdo entrou em pane, incendiando-se em seguida. Após infrutíferas tentativas de combater o incêndio, que crescia e ameaçava a segurança do voo, a tripulação fez um pedido de socorro e informou que tentaria pousar em alguma praia no litoral de Ubatuba.

No entanto, o mau tempo encobria a visão da tripulação de forma que a aeronave sobrevoava perigosamente a Ilha de Anchieta. Quando a tripulação descobriu estar na iminência de um choque contra a encosta do Pico dos Papagaios, tentaram desviar a aeronave da trajetória do Pico.

A aeronave, porém, estava com apenas um de seus motores operando e não teve força suficiente para responder aos comandos, perdeu sustentação e se chocou contra a encosta do pico dos Papagaios por volta das 18h20min.

O choque da aeronave com as árvores da encosta separou as asas da fuselagem, salvando a vida de 3 passageiros e um tripulante, enquanto que 23 passageiros e 3 tripulantes morreram por conta dos ferimentos múltiplos pelo choque e/ou queimados pelo combustível.


Luís Andrade Cunha, um dos quatro sobreviventes do desastre, declarou que a viagem era normal quando os passageiros foram avisados que deveriam atar seus cintos de segurança e não fumar. Pouco depois, o avião precipitou-se no Pico do Papagaio. 

Luís tivera sorte em escapar com vida, pois nem tivera tempo de atar seu cinto de segurança, lembra-se que, após o primeiro impacto, o avião deu duas ou três cambalhotas antes de parar, e que a fuselagem se separou das asas e dos motores, sendo poupadas das chamas que consumiram o restante do avião.

Além de Luís Cunha e o comissário de bordo Leonard Stell Steagall, resgatado ainda com vida, mas bastante queimado, sobreviveram Dalva Zema e sua filha menor, Marlene Zema.


Somente quando a noite ia alta, a autoridade policial da ilha conseguiu transmitir ao Secretário de Segurança do Estado de São Paulo a notícia do desastre. Da ilha Anchieta partiu uma comitiva para Ubatuba, para providenciar socorros médicos, enquanto militares da FAB, funcionários do consórcio, médicos e medicamentos eram reunidos às pressas na capital paulista para seguirem até o local do desastre.

A aeronave caiu no sopé do Pico do Papagaio, localizado na Ilha Anchieta. Por ser uma área de mata fechada de difícil acesso, as equipes de socorro levariam várias horas para alcançarem os destroços.

Entre os passageiros que morreram estava o comerciante Napoleão Moreira da Silva, que havia sido vereador no Paraná em Mandaguari (1947-1951) e Maringá (1952-156), primeira legislatura local. Um mês depois da tragédia o então prefeito Américo Dias Ferraz deu o nome de Napoleão à antiga praça da Rodoviária em Maringá.

O marido de Dalva Zema, Raul Zema, também faleceu no acidente. Outra das vítimas fatais foi Osvaldo Eduardo, diretor do jornal A Hora de Santos, e um dos cinco passageiros que tinham insistido em viajar no PP-ANX depois do cancelamento do voo das 15 horas. Léo Simões Marques, piloto da REAL que viajava como tripulante extra, também morreu no acidente.


O acidente com o DC-3 PP-ANX ocorreu 3 dias depois do Desastre Aéreo de Bagé e marcou o início do declínio da REAL. Entre 1957 e 1961, a REAL perdeu sete aeronaves em acidentes que causaram a morte de 99 pessoas entre passageiros e tripulantes, sendo quatro deles ocorridos em um curto intervalo de um ano. Esses acidentes enfraqueceram a empresa que acabou sendo adquirida pela VARIG em processo ocorrido em agosto de 1961.

Embora a comissão de investigação tenha atribuído o acidente à falha de um dos motores por razões indeterminadas, as circunstâncias que o cerca ainda permanecem obscuras. A rapidez com que a situação do voo deteriorou não pode ser explicada somente pela perda de um dos motores, já que os Douglas DC- 3 voavam bem no modo monomotor, principalmente quando a falha se manifestava na fase cruzeiro. 

Um súbito disparo de hélice poderia levar o piloto a perder rapidamente o controle do avião, esta hipótese, porém, não encontra respaldo no depoimento do passageiro sobrevivente, que dificilmente deixaria de mencionar o ruído alto e estridente produzido por uma hélice descontrolada em alta rotação.

Um motor Pratt & Whitney R-1830 Twin Wasp que equipava os DC-3 e C-47. Uma pane no motor da asa esquerda seguida de incêndio a bordo causaria a queda do PP-AXN, embora nunca fosse determinada a causa da pane
Talvez um incêndio em um dos motores tenha levado o comandante Fonseca a tentar pousar em Ubatuba às pressas, antes que o fogo comprometesse a resistência estrutural do avião. O certo é que algum problema súbito e de natureza grave fez Fonseca abandonar o nível de cruzeiro e descer rapidamente em direção ao litoral norte de São Paulo, repleto de elevações ocultas pela escuridão daquela noite chuvosa. 

Pousar visual à noite em Ubatuba sob intensa pressão psicológica, e condições meteorológicas adversas, era missão quase impossível de ser bem-sucedida. Tentando visualizar o contorno do litoral paulista e identificar a luzes de Ubatuba, Fonseca pode ter efetuado manobra evasiva ao avistar o vulto do Pico do Papagaio em meio à chuva.

Nas condições precárias em que o voo desenvolvia (monomotor), tal manobra pode ter causado perda de sustentação, que levou o avião a precipitar-se sobre a mata que recobria o morro.


A aviação comercial do Brasil estava em seu auge nos anos 1950, apesar da concorrência acirrada entre as companhias, principalmente na linha Rio - São Paulo, que originou a criação da ponte aérea em 1959. No entanto, foram realizados apenas investimentos pontuais na infraestrutura aeroportuária. Com isso, as aeronaves voaram com o auxílio de poucos equipamentos e recursos em terra para auxiliá-las durante voos em condições climáticas adversas. 

Somente em meados da década de 1960 que os aeroportos nacionais receberam grandes investimentos em equipamentos e tecnologia, melhorando as condições de monitoramento e navegação de aeronaves.

As companhias aéreas, porém, pouco investiam no reaparelhamento de suas frotas, operando aviões obsoletos como o DC-3 e C-46, por conta do baixo custo de aquisição, operação e manutenção dessas aeronaves. Essa situação só mudaria no final dos anos 1950, com o início da crise aérea nacional, onde o custo de operação dessas aeronaves obsoletas cresceu ao ponto de torná-las pouco atraentes.

O Douglas DC-3 é uma aeronave que foi desenvolvida para o transporte de passageiros, no final da década de 1930. Por conta de suas qualidades, como versatilidade (poderia ser rapidamente adaptado para o transporte de passageiros/cargas), robustez, fácil manutenção e baixo custo de operação, foram empregados em larga escala pelas Forças Armadas Americanas, durante a Segunda Guerra Mundial.

Foram fabricados mais de 10 mil aeronaves para o transporte militar, sendo batizadas de C-47 Dakota. Após o final do conflito, o governo americano decidiu vender a maioria das aeronaves para operadores civis e demais forças aéreas do mundo. Com isso, milhares de aeronaves de transporte de carga do tipo C-47 Dakota foram convertidas para a versão civil DC-3.

No Brasil, a REAL Transportes Aéreos foi fundada em 1946 e operava inicialmente voos entre Rio de Janeiro e São Paulo. Na década de 1950, a REAL tornou-se uma das maiores companhias aéreas do país (em 1959 já era a maior empresa área do Brasil, superando as tradicionais Panair do Brasil, VASP, VARIG e Cruzeiro do Sul) controlando cerca de 30% do mercado aéreo doméstico.

Após receber seus primeiros DC-3 em 1946, a REAL chegou a operar 32 aparelhos desse tipo pouco mais de 10 anos depois. Em 1957, com a incorporação da maior parte das ações das empresas Aerovias Brasil e Nacional ao seu patrimônio (formando o Consórcio REAL-Aerovias–Nacional), a REAL se tornou um dos maiores operadores de DC-3 do mundo com 89 aeronaves.

A aeronave acidentada tinha o número de construção 13048 e havia sido construída em 1944. Após voar em missões de transporte na Segunda Guerra pela Força Aérea do Exército dos Estados Unidos, foi vendida à empresa Ranier Air Freights, onde voou por algum tempo até ser vendida em 1956 para a REAL Transportes Aéreos. Ao chegar ao Brasil, a aeronave foi convertida para o transporte de passageiros e receberia o prefixo PP-ANX.

Por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos) com Wikipédia, ASN, Livro “O Rastro da Bruxa”, Curiosidades de Ubatuba e baaa-acro

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