terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Ágio indica que governo subestimou preços dos aeroportos

Para especialistas, licitação mostrou que Brasil inspira confiança dos investidores, mas divergência entre ofertas chama a atenção


Os elevados ágios oferecidos para os três aeroportos abertos à iniciativa privada na segunda-feira e a grande divergência entre os preços ofertados pelo primeiro e segundo colocados no leilão do terminal de Cumbica, em Guarulhos (SP), chamaram a atenção de especialistas em processos de licitação.

Além de engordar os cofres públicos em R$ 24,5 bilhões, as ofertas agressivas mostraram que o Brasil inspira confiança nos investidores. No entanto, no aeroporto de Cumbica, em especial, o elevado ágio pago pelo consórcio vencedor indica que o governo errou na avaliação do terminal.

Segundo o professor de economia da faculdade Ibmec do Rio de Janeiro, Mauro Rochlin, o ágio muito alto mostra que o preço mínimo fixado pelo governo pode ter sido muito baixo. “Também suscita, no mínimo, curiosidade o fato de o maior lance [para o aeroporto de Guarulhos] ter sido apresentado por um consórcio formado por fundos de pensão”, afirma Rochlin. Segundo ele, outro ponto que chama a atenção foi a ausência de grandes operadoras estrangeiras no leilão dos aeroportos, que acabaram nas mãos de operadoras menores.

A Invepar, a vencedora do leilão de Guarulhos, é quase toda de propriedade dos fundos de pensão de estatais brasileiras. Seu maior acionista é a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, a Previ, o maior fundo de pensão brasileiro, com 36,85%. Também participam do consórcio a Petros, da Petrobras, e a Funcef.

“Fizemos um estudo de meses sobre o potencial de Viracopos e acreditamos que o lance dado não foi alto, e sim condizente com o valor de mercado [do aeroporto]”, afirma Mário Luiz Ferreira de Mello Santos, presidente da consultoria Aeroservice, que trabalhou para o consórcio Aeroportos Brasil, que venceu a concessão. Viracopos foi arrematado com ágio de 157% em relação ao mínimo determinado para o leilão.

Segundo Marcos Mellão, da empresa de consultoria DealMaker, o ágio oferecido por Guarulhos foi “surpreendente”. O consórcio pagou R$ 16,2 bilhões pela concessão, R$ 4 bilhões a mais que o segundo colocado, tanto que seu lance foi seguido por um coro de “ós” da plateia presente ao leilão, na segunda-feira, tamanha a surpresa com o preço oferecido.

“Pelo visto, os consórcios fizeram contas diferentes [para avaliar o aeroporto]. Tudo indica que a Invepar quis entrar no leilão para ganhar e assustar a concorrência”, afirmou Mellão, que também levanta a hipótese de o preço mínimo ter sido subavaliado pelo governo.

No setor de licitações, os especialistas costumam utilizar o termo “winner curse”, ou a “maldição do vencedor”, diz o consultor. Muitas vezes, os vencedores dos leilões descobrem que seus rivais tinham em mente preços muito mais baixos e que acabaram pagando bem mais do que poderiam.

Segundo ele, não é usual que os interessados apresentem o seu melhor preço logo de primeira. Normalmente, eles fazem lances menores e vão melhorando suas propostas, até um teto pré-definido pelos sócios do consórcio. Mas como a diferença de preços foi muito grande com o segundo colocado, é provável que a Invepar tenha saído com um valor já próximo de sua melhor oferta.

“É difícil saber qual era a estratégia de cada consórcio. Mas parece que a Invepar quis garantir que venceria o leilão, já que cada consórcio só poderia levar um aeroporto”, afirmou Lirismar Campelo, especialista em direito administrativo do Vieira e Pessanha Advogados.

Fundos não devem ser problema

Mellão e Campelo avaliam, contudo, que os fundos de pensão não serão um problema para a gestão dos aeroportos, apesar de serem de empresas estatais. “As empresas podem ser estatais, mas os fundos de pensão não. A gestão dos fundos é igual à de uma empresa privada”, diz Mellão. É natural, segundo ele, que os fundos participassem do processo de licitação dos aeroportos porque só eles têm os elevados recursos necessários para aportar em infraestrutura.

Veja os consórcios vencedores dos aeroportos:

Aeroporto Internacional Governador André Franco Montoro (Guarulhos/SP)
Vencedor: Consórcio Invepar ACSA
Preço final: R$ 16,213 bilhões
Preço mínimo: R$ 3,4 bilhões
Ágio: 373,51%
Prazo de concessão: 20 anos
Investimentos até a Copa do Mundo: R$ 1,38 bilhão
Investimentos totais: R$ 4,6 bilhões
Contribuição anual ao Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC): 10% da receita bruta

Aeroporto Internacional Juscelino Kubistchek (Brasília/DF)
Vencedor: Consórcio InfrAmérica
Preço final: R$ 4,51 bilhões
Preço mínimo: R$ 582 milhões
Ágio: 673,39%
Prazo de concessão: 25 anos
Investimentos até a Copa do Mundo: R$ 626,53 milhões
Investimentos totais: R$ 2,8 bilhões
Contribuição anual ao Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC): 2% da receita bruta

Aeroporto Internacional de Viracopos (Campinas/SP)
Vencedor: Consórcio Aeroportos Brasil
Preço final: R$ 3,821 bilhões
Preço mínimo: R$ 1,5 bilhão
Ágio: 159,75%
Prazo de concessão: 30 anos
Investimentos até a Copa do Mundo: R$ 873,05 milhões
Investimentos totais: R$ 8,7 bilhões
Contribuição anual ao Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC): 5% da receita bruta

Fonte: Claudia Facchini e Yan Boechat (iG) - Foto: AE

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