Tratava-se de uma mentira. Julian Assange (foto), o homem de cabelos brancos, não é um jornalista, tampouco foi à Islândia escrever sobre o vulcão cujas cinzas fecharam o tráfego aéreo na Europa por semanas. Naquela casa, em vez disso, a equipe conduziu o chamava de Projeto B. Decifrou o código que protegia um vídeo de 38 minutos, feito de um helicóptero militar americano, com o ataque a 18 pessoas no Iraque, inclusive dois jornalistas. As imagens vazaram para a internet em abril no site Wikileaks, espalhando grande controvérsia e desmoralizando um pouco mais a presença americana no país do Oriente Médio.
"Assange é um tipo de traficante internacional", escreveu sobre ele, logo depois, a revista New Yorker. "Ele e seus colegas coletam documentos e imagens que governos e outras instituições consideram confidenciais e publicam na web.
Acima da política
Em 1984, o escritor Steve Levy lançou o livro Hackers: Heroes od the Computer Revolution" (Hackers: Heróis da revolução dos Computadores), pregando: toda informação deve ser livre. Todavia, o marco zero do ativismo hacker, também chamado de hacktivismo, ocorreria apenas cinco anos depois, quando um vírus penetrou os computadores da Nasa e do Departamento de Energia dos Estados Unidos, alterando seus logins para "Worms contra assassinos nucleares". Mais do que uma brincadeira ou curiosidade de jovens, foi a primeira vez em que um hacker tornou a invasão de um sistema um manifesto político.
No que é chamado de mundo hacker, os ativistas são dos que menos se parecem com o esterótipo tradicional. Poucos são adolescentes curiosos. Nos anos 90, por exemplo, havia os Hong Kong Blondes, formado por militantes de Hong Kong, então uma possessão inglesa, pró-democracia na China. Era formado, dizia-se, por astrofísicos e cientistas de computação que reivindicavam ter derrubado um satélite de comunicações chinês. Com o país começando a ser aceito na comunidade internacional, previam, como aconteceu, que o Ocidente deixaria de lado a busca por democracia na China em nome dos negócios. Os hackers, então, deviam agir acima da política.
A declaração de princípios dá a tônica de um grupo alemão de destaque na atualidade. Chaos Computer Club, o maior grupo de hackers da Europa, desafia os limites legais em nome da desobediência civil. Seu maior feito: em 2008, obteve em um clube um copo usado pelo ministro do interior da Alemanha, Wolfgang Schauble, fotografou e publicou suas impressões digitais na internet. O objetivo era mostrar a vulnerabilidade da proposta, de Schauble, do país passar a usar um sistema de identificação biométrica.
Outra faceta do ativismo hacker atual é o puro e simples ciberataque. Países como Israel, Estados Unidos, Irã e China estão sob constante ataque, quase sempre de hackers anônimos ou grupos que não concordam com suas políticas ou regimes. No ataque a Gaza, em 2009, a quantidade de ataques ao governo israelense chegou a paralisar parte dos sites. A cada crise com os palestinos os hackers voltam a atacar. Governos em geral não costumam ser tolerantes com o ativismo hacker. Para eles, trata-se de simples ciberterrorismo.
Mas não são apenas governos os alvos dos ativistas. A seita da cientologia, da qual fazem parte os atores Tom Cruise e John Travolta, além de outros astros de Hollywood, já teve segredos vazados pela Wikileaks. Esta semana foi a vez do Facebook. O consultor Ron Bowes coletou dados pessoais de 100 milhões de usuários da rede social, organizou-os numa lista e criou um arquivo para download. Disse que pretendia testar o sistema de senhas do Facebook.
Sem segredos
No caso de Julian Assange, há uma razão pessoal por trás do ativismo. Quando tinha pouco menos de 30 anos, ainda morando na Austrália, se viu numa batalha judicial com a ex-mulher pela guarda do filho. O próprio processo foi seu primeiro caso. Diante da recusa da agência australiana de proteção aos menores de dar detalhes sobre o caso - os documentos eram considerados secretos até para os pais -, passou a distribuir folhetos aos assistentes sociais, incentivando-os a vazar informações. O processo terminou com um acordo para que a guarda da criança fosse compartilhada.
A Wikileaks levou o ativismo hacker a um papel de destaque. Já não apenas vaza informações como tem parcerias com a imprensa. Os jornais The New York Times e The Guardian, além da revista alemã Der Spiegel receberam com um mês de antecedência os documentos sobre o Afeganistão para decifrá-los e editá-los. Houve um acordo - cumprido - para que os publicassem juntos.
O escândalo sobre o Afeganistão certamente fará aumentar a lenda sobre a figura de Assange. Seus colaboradores dizem que ele não tem residência fixa e não passa muito tempo em um mesmo local. Às vezes sua presença provoca nas pessoas mais próximas um clima de paranóia, temerosas de que estejam sendo espionadas. O duro ataque à segurança dos Estados Unidos, esta semana, agora impede-o de viajar ao país. Se insistir, poderá ser preso.
"Há um papel legítimo para segredos e há um papel legítimo para a abertura", Assange disse Assange à revista alemã Der Spiegel após o vazamento dos documentos, explicando seu ativismo. "Infelizmente aqueles que cometem abusos contra a humanidade e a lei abusam dos segredos".
Fonte: Alexandre Rodrigues (Terra) - Fotos: AFP