Em 21 de dezembro de 1992, a aeronave McDonnell Douglas DC-10-30CF, prefixo PH-MBN, operado pela companhia aérea holandesa Martinair (foto abaixo), operava o voo 495, um voo internacional de passageiros entre o Aeroporto Internacional Amsterdam-Schiphol, na Holanda, e o Aeroporto de Faro, em Portugal, levando a bordo 327 passageiros (estre eles 12 crianças e oito bebês) e 13 tripulantes.
A aeronave batizada "Anthony Ruys" em homenagem a um ex-comissário da Martinair, foi construído em 1975 com o número de série 46924, foi entregue a Martinair em 26 de novembro de 1975. No entanto, a Martinair alugou-o a três companhias aéreas asiáticas de outubro de 1979 a setembro de 1981. Desde então, até ao acidente, foi operado exclusivamente pela Martinair, apenas interrompido no início de 1992 por um contrato de arrendamento de curta duração com a World Airways. No início de 1992, ele foi vendido à Força Aérea Real Holandesa para uma conversão planejada para um KDC-10.
A aeronave envolvida é vista no Aeroporto de Faro, o aeroporto do acidente, em 1985 |
O primeiro oficial foi Ronald J. H. Clemenkowff, de 31 anos. Ele estava na Martinair há três anos, com 2.288 horas de voo, 1.787 delas no DC-10.
O engenheiro de voo era Gary W. Glans, de 29 anos, que estava na Martinair há apenas oito meses. No entanto, ele trabalhou para a Canadian Airlines e para a Swissair de 1988 a 1992. Glans teve um total de 7.540 horas de voo, incluindo 1.700 horas no DC-10.
Embora o voo 495 esteja programado para decolar às 05h12, horário local, devido a problemas técnicos que são finalmente resolvidos, acumula um atraso significativo. Faltavam apenas dez para as seis da manhã quando ele se posiciona no início da pista para prosseguir com a decolagem que acontece às 05h52.
São 07h07 e, depois de um voo sem intercorrências de cerca de duas horas e quinze minutos (em Portugal é uma hora a menos que na Holanda), o Beacon Approach autoriza o DC-10 a descer ao nível de voo 70 (7.000 pés).
Além disso, informa aos pilotos as condições meteorológicas: vento de 18 nós acompanhado de forte trovoada, vento vento e nuvens baixas, além de informar que havia água na pista. Estas não são as condições mais desejáveis, mas neste momento não constituem qualquer ameaça à segurança da aeronave. Se a situação piorar, deverão dirigir-se ao aeroporto alternativo: o de Lisboa.
Às 07h20, o ATC instrui o voo 495 a continuar com a manobra de descida. Eles descem primeiro para 4.000 pés, depois para 3.000 e seis minutos depois para 2.000, onde se alinharão com a pista 11 para fazer uma aproximação VOR/DME.
Eles estão no meio de uma tremenda tromba d'água e, para piorar a situação, o Controle de Tráfego Aéreo (ATC) informa que a pista está inundada.
Às 08h29, o DC-10 já está fazendo sua aproximação final, a apenas 4 milhas (sete quilômetros e meio) do aeroporto. A aeronave continua abalada por forte turbulência. O jovem copiloto está no comando, enquanto o capitão fica encarregado de monitorar o voo.
Copiloto: "Alteração do piloto automático de CMD para CWS. Flaps cheios, treino para baixo".
Capitão: "Flaps cheios, trem descendo".
Mas o tempo piora repentinamente. A abordagem começa a desestabilizar. Os pilotos desativam o piloto automático e mudam de CWS para manual.
Copiloto: "Spoilers armados".
Eles já estão nos metros finais: 300 pés... 200... 150... Ninguém a bordo pode imaginar que algo terrível está para acontecer.
A velocidade começa a cair abaixo de 'Vref' (aproximar-se da velocidade de referência). Há um rugido alto seguido de um estrondo. O avião não pousou, caiu na pista.
A engrenagem principal direita entra em contato com o solo com uma velocidade de descida de mais de 900 pés/min a 126 nós (cerca de 234 km/h). A asa direita quebra e se separa da fuselagem enquanto a aeronave desliza pela pista e o faz com tanta força que agora é a asa esquerda que se rompa.
O avião se inverte e pega fogo transformando-se em uma bola de fogo. Como saldo da tragédia, 56 pessoas morrem e outras 284 ficam feridas, 106 delas seriamente.
Tendo 284 sobreviventes: uma taxa de 84% de sobreviventes, considerada elevada, levou alguns a dizerem que – aparte da terrível tragédia para as vítimas – se tratou de um “milagre de Natal”. A maioria dos 56 que perderam a vida, 45 morreram carbonizados, 10 devido a traumatismo crânio encefálico e 1 por asfixia.
O repórter Ramiro Santos, hoje com 73 anos, foi um dos dois primeiros jornalistas a entrar no aeroporto naquele fatídico dia 21 de dezembro. O outro foi Manuel Luís, que trabalhava para a Imprensa regional.
Ao Jornal do Algarve, Ramiro Santos – que naquela época trabalhava para a TSF e a Agência Lusa em Faro – contou passo a passo o que aconteceu naquele dia chuvoso, em tudo diferente dos demais, quando foi acordado, por volta das 09h00, pelo editor das manhãs da TSF, Carlos Andrade, que lhe dava conta de uma tragédia gigantesca no aeroporto de Faro.
“E eu disse-lhe ‘oh Carlos, vai gozar com outro, isto são simulacros, fazem isso com frequência’. E ele respondeu ,Não, já entrevistámos um tipo da ilha de Faro, que viu o avião cair’. Levantei-me e perguntei “para onde é que eu vou?”. Estava escuro e chovia. Decidi que ia para a Lusa, para ter uma base de trabalho. Fiz dois telefonemas, tive o essencial da notícia, fiz para a Lusa e para a TSF”.
Mas não bastava ficar na delegação da Lusa. Ramiro telefonou ao também jornalista da Lusa Adalberto Rosa e juntos decidiram apanhar o caminho do aeroporto, fugindo das barreiras policiais já então montadas, “escondidos” atrás das ambulâncias, em alta velocidade. Chovia torrencialmente.
“Chego ao aeroporto, pela entrada lateral que dá acesso à pista, onde estava a polícia, e entretanto encontrei o Hélder Martins, que na altura era assessor do Cabrita Neto. Abro a porta do carro dele e disse-lhe “Hélder, mete-me lá dentro”. E entrei com ele lá para dentro. Fiquei sozinho, porque os nossos colegas ficaram à porta. Vim a saber depois que entretanto também entrou o Manuel Luís, mas eu na altura nem o conhecia”.
Já no perímetro do aeroporto, o cenário que o aguardava era dantesco: “Comecei a ver os corpos, já dentro dos sacos, alinhados, algumas crianças. Uma tragédia horrível. Mas não tinha forma de fazer reportagem, não tinha celular. Fiz apontamentos para a TSF com o celular do Cabrita Neto, daqueles telefones celulares enormes, que eram uma mala. Entretanto começo a pensar que a Lusa precisa de fotografia e o Forra [fotógrafo da Lusa] estava à porta sem o deixarem entrar. Mas eu tinha uma máquina fotográfica, nem sei porque a levei, e tirei fotos com ela”.
O trabalho desenrolou-se até que aparece um responsável da segurança aeroportuária: “Pediu-me o rolo da máquina. ‘Isso é que era bom!’, disse-lhe eu. ‘O senhor não pode estar aqui, não tem autorização’, disse ele. E eu disse: ‘Mas eu entrei às claras, não entrei escondido’. Lá veio um daqueles carros do aeroporto para me levar. Entretanto, quando ele chega, chega também uma carrinha com os jornalistas, que foram autorizados a entrar. E já não saí. E fiz a reportagem à vontade”.
E lá esteve a manhã toda fazendo reportagens, para a TSF e a Lusa, descrevendo o que via, e que dá aqui também o seu testemunho: “O avião aterrissou, bateu, saiu da pista e ficou virado ao contrário. Partiu-se em duas partes, mesmo na altura das asas. Virou em sentido contrário e ficou atascado na lama. As pessoas que morreram foram as que iam nos lugares da asa, onde ele partiu. O que valeu é que, quando os meios de socorro chegaram, a maior parte das pessoas já tinham saído pelo próprio pé”.
Apesar de naquele dia ter olhado para o acidente com um olhar frio e profissional, pouco depois aquelas imagens começaram a vir-lhe à memória, sobretudo uma, que não esquece até hoje: os corpos carbonizados de uma mãe e um filho abraçados.
De acordo com a associação dos passageiros, que sempre acusou os pilotos (na prática, o copiloto, uma vez que foi ele que, sozinho, fez a aterragem do avião) de nacionalidade holandesa das opções cruciais de voo, sustentando que em vez de ter travado, eles deveriam ter “borregado” o avião ainda antes do contato com a pista, termo técnico que significa aumentar a velocidade, abortando a aterragem e “saindo dali”.
Um alegado erro de avaliação das condições intrínsecas de voo fê-los insistir na aterrissagem, contra todas as probabilidades, levando a aeronave à ignição, a saída da pista e ao despedaçamento. Mas essas responsabilidades da pilotagem não aparecem no “rosário” do relatório oficial.
As opiniões divergem quanto à(s) causa(s) deste desastre.
Investigação oficial das autoridades aeronáuticas portuguesas
De acordo com a autoridade aeronáutica portuguesa (DGAC), a(s) causa(s) provavelmente foram:
- alta taxa de afundamento na última fase da aproximação de pouso;
- pouso forçado no trem de pouso direito, ultrapassando suas limitações estruturais;
- vento transversal durante a aproximação final e pouso que ultrapassou os limites de projeto do trem de pouso, dada a condição de alagamento da pista.
A DGAC descreve os seguintes fatores adicionais:
- instabilidade da abordagem de pouso;
- pilotos' reduzir a aceleração muito cedo e permitir que a aeronave perca altitude de forma insegura;
- aeroporto fornecendo informações incorretas sobre o vento para a aproximação;
- ausência de sistema de iluminação de aproximação;
- avaliação incorreta das condições da pista pela tripulação;
- cancelamento do piloto automático pouco antes do pouso, sendo a aeronave pilotada manualmente em fase crítica do pouso;
- atraso da tripulação para aumentar a altitude;
- diminuição do coeficiente de sustentação da aeronave devido às fortes chuvas.
Autoridades aeronáuticas holandesas
O Escritório Holandês para a Investigação de Acidentes e Incidentes da Autoridade Nacional de Aviação (RLD) indicou que as causas prováveis poderiam ser as seguintes:
- uma variação repentina e inesperada na direção e velocidade do vento (cisalhamento do vento) na última fase da aproximação;
- uma elevada velocidade de descida e um deslocamento lateral extremo que provocou uma carga excessiva do trem de pouso direito que, em combinação com um deslocamento angular considerável, excedeu as limitações estruturais da aeronave.
De acordo com o RLD, fatores adicionais foram:
- que a tripulação do voo MP495 não esperava a ocorrência de windshear com base na previsão e nas condições meteorológicas;
- a redução prematura da potência do motor, muito provavelmente por ação da tripulação;
- a desativação do piloto automático pouco antes do pouso, sendo a aeronave pilotada manualmente em uma fase crítica do pouso.
Pesquisas e ações judiciais de 2011
Em 14 de fevereiro de 2011, o Algemeen Dagblad relatou, entre outras coisas, uma nova investigação que foi realizada a pedido de parentes por pesquisador, Harry Horlings. De acordo com Horlings, não houve cisalhamento do vento no desastre de Faro e os pilotos cometeram erros graves.
Na carta de apresentação do relatório da American Aviation Serviço, no qual foram apresentados os dados da caixa preta, foi indicado que o piloto automático havia sido utilizado incorretamente. O relatório também recomendou melhorar o treinamento dos pilotos. Além disso, os dados da caixa preta estavam incompletos no relatório holandês de 1993; faltaram os últimos segundos.
O Conselho de Segurança Holandês declarou que não foi capaz de responder porque o Conselho não conseguiu visualizar e avaliar o relatório de Horlings. O advogado Jan Willem Koeleman, que ajudou alguns dos parentes sobreviventes, anunciou que solicitaria à Martinair que reconhecesse a responsabilidade e pagasse uma compensação adicional.
Em 8 Dezembro de 2012, Koeleman informou que a Martinair e o estado holandês reclamariam antes do dia 21 daquele mês. Após essa data o caso seria arquivado.
O caso contra a Martinair, que entretanto se tornou parte da KLM, foi finalmente julgado em 13 de janeiro de 2014 em Amsterdã. Em 26 de fevereiro de 2014, o tribunal proferiu sentença, decidindo que danos adicionais não eram necessários.
O caso contra o Estado dos Países Baixos foi julgado em 20 de janeiro de 2014 em Haia. No mesmo dia em que o Tribunal Distrital decidiu em Amsterdã, em 26 de fevereiro de 2014, uma decisão também foi tomada aqui através de uma decisão interlocutória.
Ao contrário do tribunal de Amsterdã, o tribunal de Haia considerou necessária uma investigação mais aprofundada e desejava ouvir especialistas. Em janeiro de 2020, o Tribunal Distrital de Haia decidiu que o Estado holandês era parcialmente responsável pelo acidente.
Atenção na mídia
Os sobreviventes sentiram que estava sendo dada muito pouca atenção à sua experiência após o acidente. Eles se uniram como a “Fundação Anthony Ruys”, após o nome da aeronave, para interagir com a mídia. Esta fundação foi dissolvida em maio de 2011.
Em 16 de janeiro de 2016, o programa holandês assuntos atuais 'EenVandaag' exibiu um episódio sobre o desastre. Na transmissão, um ex-controlador técnico da Martinair afirmou que, algum tempo antes da data do voo e sob grande pressão de seus supervisores, havia assinado um formulário no qual a substituição de um trem de pouso da aeronave foi adiada pela terceira vez.
Esse adiamento só poderia ser concedido duas vezes. O episódio incluiu uma entrevista com o advogado Jan Willem Koeleman, que atendeu vítimas e sobreviventes, detalhando que havia descoberto que um arquivo do Conselho de Aviação deveria permanecer secreto. O membro do parlamento do CDA, Pieter Omtzigt, chamou isso de "muito inapropriado" e exigiu que o governo pedisse esclarecimentos.
Por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos) com Wikipédia, ASN, El Confidencial, Jornal do Algarve, Diário de Notícias e baaa-acro
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