Aeroporto de Anchorage, no Alasca, teve um papel estratégico durante a Guerra Fria e no início da pandemia, em 2020. Saiba porquê.
Com o fundo nevado das Montanhas Chugach, no Alasca, e servindo uma cidade de apenas 300.000 habitantes, situa-se aquele que pode ser hoje o aeroporto com a melhor localização do mundo.
Embora um olhar para um mapa da Terra em 2D nos possa levar a crer que o Alasca é um posto avançado distante, basta girar o globo na nossa cabeça para percebermos que o estado dos EUA está, literalmente, no topo do mundo.
O Aeroporto Internacional Ted Stevens Anchorage é um polo de carga despretensioso, equidistante entre Nova Iorque e Tóquio e, como declara no seu site, fica a apenas 9,5 horas de voo de 90% do mundo industrializado.
Agora que mais de 30 países baniram a Rússia dos seus espaços aéreos, - com a Rússia a responder na mesma moeda, - e com os espaços aéreos da Ucrânia e da Bielorrússia também limitados, Anchorage pode revelar-se estrategicamente importante.
Quase poderíamos dizer que foi para isto que este aeroporto foi construído.
Uma cidade de escalas
O Aeroporto Internacional de Anchorage por volta de 1965 |
Concluído em 1951, o Aeroporto de Anchorage foi durante 40 anos uma escala popular para voos de passageiros que viajavam da Europa para a Ásia Oriental, quando a Guerra Fria limitava e muito os voos sobre a União Soviética.
Quando as relações internacionais melhoraram, na década de 1990, as companhias aéreas puderam finalmente optar pelas rotas mais diretas e económicas sobre a vasta extensão russa, o que lhes permitiu cortar custos, reduzir o tempo dos voos e baixar os preços.
Assim, Anchorage estabeleceu-se no seu papel atual como um importante centro de tráfego de carga e um modesto aeroporto de voos sazonais de passageiros. Atualmente, lida com cerca de cinco milhões de passageiros por ano. (Para termos uma comparação, o Aeroporto Internacional Hartsfield-Jackson Atlanta lidou com mais de 110 milhões de passageiros em 2019).
Depois, quando a pandemia do coronavírus se instalou no início de 2020, Anchorage voltou a destacar-se globalmente ao desempenhar um papel fundamental no transporte internacional de produtos médicos essenciais. Chegou até a ser, por um breve período, o aeroporto mais movimentado do mundo.
Embora o tráfego global de passageiros tenha caído mais de 90%, “assistimos a um aumento na procura de capacidade de carga”, disse o diretor do aeroporto, Jim Szczesniak, à CNN Travel em abril de 2020. “Isso deve-se, principalmente, ao facto de muitos dos produtos usados no combate à covid-19 na América do Norte serem produzidos na Ásia.”
Os aviões “voam para cima e sobre o topo [do globo] para encurtar a distância”, explicou ele. “A vantagem de Anchorage é que os aviões podem voar cheios de carga, mas com apenas metade do combustível. Voam para Anchorage e depois reabastecem e seguem para o seu destino.”
Volumes recordes de carga aérea
No auge da pandemia, o Aeroporto de Anchorage movimentava cerca de 130 grandes aviões de carga por dia e teve de usar novas áreas do aeroporto como estacionamento.
Em 2020, também recebeu o avião mais pesado jamais construído, o avião de carga Antonov An-225 Mriya, recentemente destruído na Ucrânia.
Trudy Wassel, diretora de operações do aeroporto, disse à CNN no início de março que, em 2022, os 115 aviões grandes de carga por dia tornaram-se o “novo normal”. Isso equivale a cerca de 300 quartos de hotel para a tripulação, por noite, diz Wassel.
Anchorage alberga centros de distribuição da UPS e da FedEx, e uma cadeia de abastecimento reforçada significa que o aeroporto está a registar volumes recordes de carga aérea pelo segundo ano consecutivo.
Movimentou cerca de 3,6 milhões de toneladas métricas somente em 2021, e cerca de um em cada dez empregos em Anchorage está ligado ao aeroporto.
Com o espaço aéreo russo agora novamente interditado, Wassel disse à CNN que o aeroporto está pronto para se adaptar, caso as transportadoras precisem de usá-lo por causa da situação atual: “Estamos bem cientes do que está a acontecer no mundo e estamos preparados.”
“Estamos a trabalhar para garantir que, a nível de operações, temos a infraestrutura necessária para lidar com a situação quando e se recebermos solicitações das transportadoras para Anchorage.”
Isso envolve estar preparado para quaisquer necessidades operacionais das companhias aéreas.
“Por exemplo, uma companhia aérea que precise apenas de fazer uma paragem técnica. Significa que vão só reabastecer, talvez trocar de tripulação e depois partir?” diz Wassel. “Os nossos assistentes de terra conseguem preparar um avião em cerca de uma hora e 40 minutos, dependendo das necessidades da companhia aérea. Ou as companhias aéreas passarão por Anchorage e precisarão de serviços adicionais? Ainda não sabemos.”
Alcance melhorado
As companhias aéreas foram obrigadas a fazer desvios difíceis e dispendiosos para evitar o espaço aéreo russo, e esses tempos de voo mais alargados aumentam os custos em termos de pessoal, combustível e manutenção.
No entanto, é improvável que Anchorage regresse aos níveis de tráfego de passageiros da Guerra Fria porque, explica Ian Petchenik, diretor de comunicações do serviço global de rastreamento de voos FlightRadar24, a autonomia dos aviões comerciais melhorou drasticamente desde o fim da União Soviética, no início dos anos 90.
“A autonomia agora é impressionante, e um avião consegue ir da origem ao destino sem parar”, disse ele à CNN. Estão a fazer isso “de uma forma menos económica, mas conseguem cobrir a distância física.”
O maior desvio que o FlightRadar24 observou até agora foi o do voo 43 da Japan Airlines, que vai de Tóquio a Londres.
Passou “de um voo de 12 horas e 12 minutos para um voo de 15 horas e 15 minutos”, diz Petchenik. “Basicamente, em vez de ir para oeste e sobrevoar a Rússia, segue para leste, depois passa pelo Alasca, o norte do Canadá, a Groenlândia, a Islândia e depois desce para o Reino Unido.”
Ele acrescenta que também há grandes desvios entre a Alemanha e o Japão, mas “esses passaram para sul, em vez de encontrarem uma nova direção.” Acrescentam algumas horas, “mas não é tão extremo no mapa.”
Slots e horários
Ninguém sabe quanto tempo vai durar a situação atual, mas nas próximas semanas e meses, as companhias aéreas estarão a trabalhar arduamente para resolver as suas novas rotas e horários.
Já não é apenas uma questão de fatores económicos, mas também envolverá a luta pelos slots nos aeroportos, já que o cuidadosamente planeado mundo das rotas e horários na aviação sofreu um forte abalo.
Apesar de as escalas já não serem uma necessidade técnica, a localização estratégica de Anchorage continua a ser um atrativo.
Antes de o cenário geopolítico ter mudado de forma tão drástica, uma nova companhia aérea de longo curso, a Northern Pacific Airways, já planeava lançar um serviço internacional entre os EUA e a Ásia usando Anchorage como base, embora isso ainda esteja sujeito à aprovação do governo.
Por enquanto, Petchenik sugere que continuemos atentos aos céus.
“Não são necessariamente os aeroportos que estão mais movimentados, mas sim o espaço aéreo”, diz ele. “Muito do tráfego que normalmente passaria pela Rússia está a desviar-se para sul, portanto, vemos um aumento de tráfego na Turquia, na Roménia e em certos locais da Europa de Leste.”
Ele prevê que, num futuro próximo, “haja uma maior compressão das rotas de voo. Por exemplo, a Finnair. O modelo de negócios da companhia teve como base usar um atalho pela Rússia para chegar ao leste da Ásia. Sem a capacidade de fazer isso, por onde vão viajar?”
Nos próximos tempos, diz ele, as rotas polares - subir pela Noruega, depois descer pelo Canadá e pelo Alasca – “podem ser as mais interessantes.”
Via Maureen O'Hare (CNN)
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