terça-feira, 19 de março de 2024

C-130 Hércules: Conheça cinco versões especiais do clássico avião

De avião-radar à guerra psicológica, conheça cinco variantes incríveis do cargueiro C-130 Hércules
Dentre todas as aeronaves militares modernas, o Lockheed C-130 Hércules é certamente uma das mais famosas, estando presente em 74 países em diferentes variantes, inclusive no Brasil. Cerca de 3000 unidades já foram fabricadas e o modelo segue em produção.

Apesar da idade (o primeiro C-130 fez seu primeiro voo em 1954), o Hércules se mantém competitivo no mercado mundial mesmo com a presença de modelos projetados muito mais recentemente, como KC-390 Millennium da Embraer, desenvolvido justamente pra substituí-lo.

O C-130 foi desenvolvido como um turboélice cargueiro, mas foi adaptado para inúmeras missões ao longo de seus 66 anos de serviço. Neste artigo, vamos conhecer cinco destas adaptações curiosas do venerável Hércules.

C-130K W.2 XV208 Snoopy


Começamos nossa lista com esse que certamente é um dos Hércules mais esquisitos de todos os tempos. Este é um C-130K fabricado para a Força Aérea Real Britânica (RAF), sendo entregue em setembro de 1967 com a matrícula XV208 como Hercules C.1.

Poucos anos após a entrega, o XV208 foi modificado para realizar missões de reconhecimento meteorológico com a Ala de Pesquisa Meteorológica (MRF) da RAF. Para isto, a aeronave recebeu uma instrumentação nova, sendo a mais notável uma enorme sonda listrada no nariz, usada para capturar amostras atmosféricas.

O XV208 Snoopy foi usado em pesquisas meteorológicas (Foto: Mike Freer – Touchdown-aviation)
O radar original foi movido para o topo da cabine, deixando o avião ainda mais estranho. Nas pontas das asas, mais antenas foram instaladas e a aeronave foi redesignada como Hercules W.2, mas manteve a sua matrícula.

O nariz enorme rendeu ao XV208 o apelido de Snoopy, e assim ele voou pelo MRF de 1973 até sua primeira aposentadoria em 2001, registrando cerca 11,800 horas de voo durante 28 anos. A aeronave foi armazenada na base de testes de Boscombe Down, no sudeste da Inglaterra, ainda com sua bela pintura cinza, azul e branca.

O XV208 durante sua missão: testar o motor do A400. Foto: Marshall Aerospace
Em 2005 ele foi retirado de Boscombe Down e reconfigurado pela Marshall Aerospace para ser usado como plataforma de testes do motor Europrop TP400-D6 usado Airbus A400M. Em 2015 o Snoopy chegou ao fim de sua vida, sendo sucateado em Cambridge.

EC-130 Commando Solo


Dentre as inúmeras variantes do Hércules em serviço nos EUA, um deles tem uma missão bastante delicada e sensível: as operações psicológicas. Para isso, a Guarda Aérea Nacional (ANG), um braço reserva da Força Aérea dos EUA (USAF), opera o EC-130J Commando Solo II.

EC-130E da Guarda Aérea da Pensilvânia (Foto: Rob Schleiffert (CC BY-SA 2.0))
Segundo a definição do Ministério da Defesa, “Operações Psicológicas são procedimentos técnico-especializados, operacionalizados de forma sistemática para apoiar a conquista de objetivos políticos e/ou militares e desenvolvidos antes, durante e após o emprego da Força, visando a motivar públicos-alvo amigos, neutros e hostis a atingir comportamentos desejáveis.”

Dito isso, voltamos à década de 1970, com a introdução do EC-130E Coronet Solo, um C-130E altamente modificado para transmitir sinais de rádio e televisão durante operações de influência e controle de massas.

As aeronaves participaram de missões na Líbia, Haiti, Iraque e na Invasão de Granada, transmitindo sinais para estações de rádio e TV, orientando e as populações, e até mesmo para os rádios do inimigo, urgindo-os à rendição.

(Foto: Military Analysis Network)
Ao longo dos anos a missão do EC-130E permaneceu a mesma, mas o avião foi recebendo modificações até atingir sua configuração mais famosa e característica, com duas antenas enormes nas pontas de cada asa (uma vertical e outra em forma de pod), bem como um conjunto de antenas em formato de X, instaladas no estabilizador vertical. A aeronave executa a grande maioria de suas missões especiais durante à noite para diminuir os riscos de detecção.

O EC-130E foi aposentado, mas os EUA seguem operando o EC-130J Commando Solo II, baseado no C-130J Super Hercules mais moderno. Sua suíte de equipamentos secretos foi modernizada e agora o EC-130J é capaz de modificar formatos de transmissão em faixas AM e FM, frequências VHF e UHF e de televisão e telefonia móvel.

EC-130J Commando Solo II (Foto: Sgt. Tia Schroeder/USAF)
Os EUA operam três EC-130J através da 193ª Ala de Operações Especiais, que possui o “infame” lema “Nunca visto, sempre ouvido.”

JC-130 – Capturando as estrelas


No final da década de 1950, o então presidente Eisenhower anunciou que os EUA iriam usar seus satélites para missões de reconhecimento fotográfico (espionagem). Com isso, surgiu o desafio: como recuperar os filmes fotográficos do espaço?

O problema foi parcialmente resolvido com os satélites sendo preparados para lançar o filme fotográfico em “baldes” especiais, que desciam até a atmosfera terrestre e depois eram desacelerados com um paraquedas.

JC-130B prestes a capturar o paraquedas de um treinamento em 1963 (Foto: USAF)
A solução completa estava na força aérea. Uma aeronave de carga C-119 foi modificada com um sistema de guincho para pescar o paraquedas no ar e levar o balde com as fotos até uma base.

Não demorou muito para o C-119 dar lugar ao C-130 Hércules. Os primeiros C-130B modificados para a missão foram designados JC-130B e eram operados pelos 6593º e 6594º Esquadrão de Testes, da base aérea de Hickam, no Havaí. Seus membros tinham orgulho das perigosas e delicadas missões, tanto que se apelidaram de “Apanhadores de Estrelas”.

JC-130B durante testes na Base Aérea de Edwards em 1969 (Foto: USAF)
O equipamento de recuperação consistia em duas lanças de alumínio de 10 metros que se estendiam e esticavam uma série de laços de nylon ou aço com 1,10 cm de espessura, e ganchos de quatro pontas. O piloto manobrava a aeronave para voar a cerca de 2 metros acima do paraquedas do balde, altura ideal para que ele fosse pescado no ar.

No momento em que fosse capturado, um cabo se estenderia e depois era recolhido para o interior do avião. A operação toda envolvia não só o “avião-pescador”, mas sim outros quatro JC-130, quatro helicópteros de resgate e dois aviões de reabastecimento.


Entre 1963 e 1986, o esquadrão capturou e recuperou quase 170 baldes com filmes fotográficos com imagens da União Soviética, China, Coreia do Norte, Sudeste Asiático e Oriente Médio.

YMC-130H Credible Sport


Em 1979 ocorria a Revolução Islâmica no Irã, que deu origem à crise dos 52 reféns americanos que ficaram presos na embaixada dos EUA em Teerã. Em abril de 1980 os EUA conduziram a malfadada Operação Eagle Claw, que terminou com oito mortos, duas aeronaves destruídas e cinco helicópteros capturados no Irã.

Um dos protótipos do YMC-130H recebendo as modificações para a Operação Credible Sport
(Foto via C-130 Credible Sport)
Em seguida à humilhante missão falha, os EUA deram início à Operação Credible Sport. A ideia era modificar um C-130 para que a aeronave fosse capaz de pousar e decolar de dentro do estádio Amjadiyeh, decolasse com 150 passageiros (reféns + equipe de resgate) e pousasse em um porta-aviões (!!!)

De fato, o C-130 já havia operado a partir de um porta-aviões antes, mas pousar e decolar de um estádio era uma ideia completamente inédita. E assim o Governo seguiu com a operação.

Foguetes instalados na frente do YMC-130H (Imagem: Reprodução)
Três C-130H (74–1683, 74-2065 e 74–1686) foram usados nos ensaios. Os aviões foram extremamente modificados, recebendo um conjunto de trinta foguetes instalados e desenvolvidos pela Marinha.

Oito foguetes RUR-5 ASROC virados para a frente foram instalados logo atrás do cockpit, nas porções inferior e superior da fuselagem, para frear a aeronave em solo; Oito foguetes Shrike foram instalados nas laterais acima do trem de pouso, a fim de desacelerar a velocidade de descida no pouso; oito foguetes Mk.56 do míssil antiaéreo RIM-66 virados para trás foram instalados na fuselagem traseira para auxílio na decolagem; mais dois pares de Shrikes foram instalados nas asas para corrigir o efeito de guinada durante a decolagem e outros dois ASROC foram instalados na cauda virados para baixo para evitar um tailstrike.


Além dos conjuntos de foguetes, o Hércules recebeu barbatanas ventrais e dorsais, antena FLIR, novo radome com radar de acompanhamento de solo, contramedidas para mísseis guiados por calor e radar, ailerons maiores, novos flaps, sistema de navegação por doppler/GPS/INS e um gancho de parada para pousar no porta-aviões.

Os testes seguiram bem até um acidente em 29 de outubro de 1980. Após uma série de ensaios de decolagem bem-sucedidos, uma falha na sequência de acionamento dos foguetes fez o avião perder sustentação e colidir violentamente contra o solo, fazendo a asa direita quebrar e se incendiar. Apesar da gravidade do evento, todos saíram bem.

Restos do YMC-130H 74–1683 após o acidente (Foto: Reprodução)
Por ser uma aeronave de um projeto secreto o YMC-130H 74–1683 foi descartado e enterrado na própria base de testes. O projeto de resgate foi cancelado após uma resolução na crise, mas um dos protótipos ainda foi usado no projeto Credible Sport II, que deu origem ao MC-130H Combat Talon II. O C-130H 74-2065 segue em operação, enquanto o 74–1686 foi preservado.

EC-130V “avião-radar”


Em 1986 a Guarda Costeira dos EUA (USCG) adquiriu oito aeronaves de alerta antecipado e controle (AEW&C, também chamados de ‘aviões-radar’) Grumman E-2C Hawkeye para detectar aeronaves transportando entre o Caribe e os EUA.

No entanto, o E-2C não atendia os requisitos de autonomia e alcance que a USCG precisava. Dessa forma, os E-2 foram devolvidos em 1992 e no mesmo ano a USCG recebeu uma proposta da General Dynamics para modificar um dos seus HC-130 de busca e resgate com os mesmos sistemas do E-2C.

O HC-130H modificado como EC-130V com o radar APS-145 instalado
(Foto: OS2 John Bouvia/Marinha dos EUA)
Designado EC-130V, o Hércules recebeu o radar de vigilância AN/APS-145 montando sobre uma plataforma rotativa. As estações de missão e descanso para os tripulantes foram montadas em um pallet que era facilmente instalado no compartimento de cargas do C-130.

Os testes com EC-130V USCG 1721 foram satisfatórios. Além da vigilância do espaço aéreo, o Hércules seria usado para missões de busca e salvamento, patrulha marítima, controle de pesca, missões de controle de zona econômica exclusiva e até mesmo apoio às missões com os ônibus espaciais.

O NC-130H/EC-130V a serviço da Marinha dos EUA (Foto: Marinha dos EUA)
Porém, cortes orçamentários obrigaram a Guarda Costeira a abandonar o projeto. A aeronave foi transferida à Força Aérea, onde recebeu a matrícula 87-0157 e designada como NC-130H, sendo empregado para voos de testes.

Posteriormente o NC-130H foi enviado à Marinha, que reinstalou o radar APS-145 para testes de atualização nos E-2C. Finalizadas as avaliações, o Hércules radar-voador voltou à Guarda Costeira com sua designação HC-130H, que o operou até 2014.


Desta vez, o Hércules foi doado ao Serviço Florestal dos EUA, recebendo a matrícula civil N118Z e tornando-se um avião de combate a incêndios florestais, equipado com o sistema MAFFS II. O C-130 foi transferido uma última vez para o Departamento Florestal e Proteção contra Incêndios da Califórnia – Cal Fire, onde segue atuando como avião-bombeiro.

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