Lançamentos dobraram desde 2020 perto do aeroporto de SP; perto da pista, clube Bahamas pode ser demolido.
Cenas parecidas podem ser observadas em outros cantos de Indianópolis, bairro do distrito de Moema, na zona sul da capital paulista, que fica logo abaixo do trecho final da rota para pousos nas pistas do aeroporto de Congonhas.
Área nobre de São Paulo, com metro quadrado custando mais de R$ 10 mil, a região passa por intensa verticalização.
Em dez anos, ocorreram 74 lançamentos de imóveis, sendo 71 com mais de oito andares, no perímetro de aproximadamente quatro quilômetros quadrados compreendido, em sua maioria, pelo quadrilátero formado pelas avenidas Moreira Guimarães, Bandeirantes, Ibirapuera e Indianópolis, segundo levantamento realizado a pedido da Folha pela Amaral D’Ávila Engenharia de Avaliações.
Foi nos últimos três anos, de 2020 a 2022, que a explosão imobiliária se tornou notória na região ao norte do aeródromo, com 35 novos empreendimentos, dos quais 34 têm mais de oito pavimentos. O número representa quase a metade (48%) do total de imóveis que surgiram nas cercanias em uma década.
Essa verticalização cumpre o que foi pensado para a cidade no Plano Diretor de 2014, que criou estímulos financeiros para a construção de prédios residenciais nos eixos com maior oferta de transporte público. A ideia era levar mais gente para morar em áreas estruturadas, embora muitos dos novos imóveis oferecidos pelo mercado sejam microapertamentos dedicados à locação de curta permanência para turistas.
Moradores ou não, o fato de haver mais pessoas em uma área sensível para tráfego aéreo aumenta a tensão para quem chega pelo ar. É exagero, porém, dizer que os prédios comprometem a segurança, diz o piloto Henrique Hacklaender Wagner, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas.
Acostumado a pousar com aviões comerciais na pista principal de Congonhas, destinada às aeronaves de grande porte, ele afirma que a altura dos prédios "não causa grande preocupação".
"O que preocupa não são os prédios, mas o fato de estar cada vez mais povoado. O entorno de Congonhas já foi um descampado e a cidade cresceu ao redor do aeroporto", diz Wagner.
Sobrevoar o paliteiro paulistano de perto é significativamente seguro graças ao sistema de aterragem por instrumentos, conhecido pela sigla em inglês ILS (Instrument Landing System), que garante a orientação precisa ao avião na fase de aproximação da pista, segundo o piloto.
Em Congonhas, aliás, o pouso é quase automático. O piloto assume o controle quando está a cerca de um quilômetro da cabeceira, ao enxergar o primeiro terço da pista onde o trem de pouso irá tocar. Os prédios já ficaram para trás quando ele está nessa situação.
"Não afeta as linhas de aproximação, mas, claro, torna a operação mais sensível a qualquer tipo de falha. Aumenta a atenção para qualquer tipo de desvio, mesmo que pequeno", afirma o piloto.
A presença do aeroporto de Congonhas não impõe limites para o adensamento construtivo, mas, sim, cria restrições para o gabarito de altura, explica a Prefeitura de São Paulo, em nota da Smul (Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento).
A legislação municipal para a região da cabeceira norte do aeroporto de Congonhas envolve dois tipos de regras de zoneamento. Uma delas é a zona chamada de Eixo de Estruturação da Transformação Urbana, onde não há altura máxima e cujo adensamento é estimulado pelo Plano Diretor. A outra é a Zona Mista, onde o limite de altura é de 28 metros.
Na área informada pela reportagem, a prefeitura comunicou que há um edifício em situação irregular. É o prédio onde funcionou o hotel do clube Bahamas, hoje fechado, um conhecido ponto de prostituição em São Paulo. O edifício, segundo a administração do prefeito Ricardo Nunes (MDB), deverá ser parcialmente demolido.
"O município de São Paulo ajuizou uma ação demolitória para o local, obtendo êxito. Assim, a Prefeitura tem um título judicial condenatório em face do Bahamas, para obrigá-los a demolir parcialmente a edificação. O processo está em fase de cumprimento. A edificação também está irregular pela Smul", declarou a prefeitura.
O empresário Oscar Maroni, proprietário do Bahamas, não respondeu à mensagem enviada a ele pela reportagem.
Especificamente no cone de aproximação da cabeceira da pista, destacam a prefeitura e a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), valem regras mais restritivas para a altura dos objetos projetados no espaço aéreo, que são definidas pelo Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), do Comando da Aeronáutica.
Questionada, a FAB (Força Aérea Brasileira) não informou se algum dos prédios no trecho informado pela reportagem está em desacordo com os limites de segurança para voo.
Dificilmente novos edifícios que subiram recentemente naquela área, porém, descrumpririam normas do Decea e do município, afirma Ricardo Yazbek, vice-presidente de Assuntos Legislativos e Urbanismo Metropolitano do Secovi-SP (sindicato dos empresários da construção em São Paulo).
"As restrições se tornaram mais rigorosas nos últimos anos e desobedecê-las traria enorme risco de prejuízo para quem empreende nesse ramo", argumenta.
Para quem vive no bairro, a tendência de crescimento das operações em Congonhas com a concessão à iniciativa privada, somada à verticalização e adensamento demográfico, exigirão maior capacidade de articulação dos moradores para buscar compensações que possam amenizar transtornos como poluição, barulho e trânsito de veículos, diz Simone Boacnin, presidente da Associação Viva Moema.
Boacnin participa desde 2016 de conselhos e organizações comunitárias voltadas a Moema e adjacências e, durante o período, afirma que os moradores sempre foram ignorados em decisões sobre a gestão do aeroporto que afetam a qualidade de vida da vizinhança.
A reclamação dos moradores foi levada pela Folha à Infraero, órgão do governo federal que ainda faz a gestão de Congonhas, que não respondeu até a publicação deste texto.
"O que tentaremos fazer daqui para frente é exigir mudanças que compensem a população, como melhorar a infraestrutura", diz Boacnin.
Entre as possibilidades avaliadas pela associação é tentar convencer a Câmara Municipal, que neste momento revisa o Plano Diretor, a destinar aos locais onde há maior verticalização mais recursos provenientes da outorga onerosa, a taxa que se paga à prefeitura para construir além do tamanho da superfície do terreno.
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