O helicóptero Ingenuity foi um sucesso. Ele realizou vários voos em Marte desde sua implantação com o rover Perseverance em fevereiro de 2021, e cumpriu sua missão principal: mostrar que voar na atmosfera fina e empoeirada do planeta Vermelho é realmente possível.
O próximo passo lógico seria enviar uma aeronave mais pesada e eficiente, que pudesse transportar mais sensores e pesquisar a superfície do planeta com mais rapidez. Mas isso é possível? Podemos pilotar um avião em Marte?
Propostas iniciais
A resposta é simples: sim, e esse projeto foi proposto inúmeras vezes desde os anos 1950. Embora a atmosfera marciana seja apenas 1% mais densa que a da Terra, a gravidade do planeta é quase três vezes mais fraca, o que compensa parcialmente as desvantagens.
A atmosfera marciana também consiste quase inteiramente de dióxido de carbono, que não entra em combustão. Portanto, os motores a jato não são uma opção. Mas hélices e foguetes funcionam muito bem. A área da asa no avião marciano teria que ser significativamente maior do que é comum na Terra, mas, em princípio, não há nada que proibisse um vôo mais pesado que o ar, seja com ou sem motor.
Notoriamente, a primeira ideia para a missão Marte, elaborada pelo engenheiro germano-americano Wernher von Braun (o pai do foguete V-2 nazista e do programa Apollo), propunha o uso de planadores enormes como pousadores. Naquela época a densidade da atmosfera do planeta era desconhecida, então a proposta não era muito realista.
No entanto, ao longo dos anos 60 e 70, a NASA tem considerado seriamente a possibilidade de planar landers para suas primeiras missões a Marte, mas isso nunca aconteceu: havia simplesmente incógnitas demais, e landers convencionais eram considerados mais práticos.
Um projeto foi mais longe do que isso. No final dos anos 70, quando a densidade da atmosfera do planeta era bem conhecida, um projeto para estudá-la mais profundamente com um avião a hélice estava sendo desenvolvido. A NASA usaria uma versão modificada de um drone Mini-Sniffer comprovado para isso. A aeronave podia funcionar sem oxigênio e foi projetada para voar em grandes altitudes, em condições semelhantes às de Marte. Vários testes foram feitos, mas eventualmente a ideia foi abandonada.
O renascimento da ideia
Ele reapareceu várias décadas depois. Desde os anos 90, dezenas de várias propostas de missões a Marte foram planejadas pela NASA e outras agências espaciais, muitas delas envolvendo planadores ou aviões motorizados.
Suas vantagens sobre os pousadores ou rovers regulares são inúmeras: uma plataforma aérea seria capaz de estudar a atmosfera do planeta em várias altitudes, bem como cobrir grandes áreas, levantando e fotografando a superfície com muito mais detalhes do que qualquer satélite.
Prandtl-M (Imagem: NASA) |
Esse foi o propósito de uma dezena de propostas, e algumas delas - por exemplo, o Prandtl-M e o Sky-Sailor - chegaram até a fase de protótipo.
Nenhum deles foi além disso. Houve muitas razões para isso, a principal delas sendo as limitações ao orçamento marciano. Aviões, e especialmente planadores, teriam uma vida útil extremamente curta em comparação com, digamos, rovers - mas custam quase tanto ou até mais para desenvolver e implantar.
A menos que houvesse uma maneira de reabastecer ou recarregar tal aeronave, a ideia simplesmente não é eficiente o suficiente. A Sky-Sailor tentou resolver isso usando baterias solares em suas asas, mas sua eficácia teria sido pequena, já que Marte está muito mais longe do Sol do que a Terra.
Sky-Sailor (Imagem: Divulgação) |
Carregar tal aeronave acoplando-o a um módulo de pouso ou rover seria um pouco mais simples. Essa foi uma das ideias iniciais para o projeto Mars 2020 - aquela que resultou na Perseverança e na Ingenuidade.
Uma de suas primeiras variantes envolvia um pequeno drone vertical de decolagem e pouso (VTOL). Desenvolvida pelo Langley Research Center e chamada de Mars Flyer, a aeronave de dois quilos foi projetada para decolar verticalmente, mas fazer a transição para o voo horizontal para cobrir grandes distâncias, o que significa que seria um helicóptero e um avião em um. Porém, ele não teria seus próprios painéis solares e carregaria acoplando-se ao veículo espacial.
Isso limitaria sua distância de vôo e tornaria a aeronave menos confiável em geral. No final, o helicóptero Ingenuity - um projeto mais simples e robusto - foi escolhido em seu lugar, mas o Mars Flyer ainda permanece como uma possibilidade para futuras missões.
O avião marciano
Mas o conceito que mais se desenvolveu e mais se destacou é, sem dúvida, a Pesquisa Ambiental Aérea Regional (ARES). Concebido no início dos anos 2000, pretendia ser lançado no início dos anos 2010, mas foi vítima de alguns dos maiores cortes orçamentários da história da NASA.
Um avião-foguete com envergadura de 6,25 metros (20,5 pés) teria asas extensíveis e seria lançado direto para fora da órbita, com um paraquedas. Além de estudar a atmosfera, ele teria realizado medições precisas do campo magnético marciano e voado por cerca de uma hora antes de ficar sem propelente e cair na superfície.
Como a fase de projeto ainda não havia sido concluída, a possibilidade de usar propulsão a hélice em vez de um motor de foguete também foi considerada, mas teria sido mais difícil de implementar. A velocidade de estol de qualquer avião marciano seria extremamente alta, e mesmo um veículo com grande superfície de asa e baixo arrasto teria que voar muito, muito rápido.
ARES (Imagem: NASA) |
A equipe por trás do ARES parecia ter resolvido a aerodinâmica marciana, mas isso não os ajudou a levar o projeto ao processo de seleção.
Portanto, permanece arquivado até hoje. Ainda existe a possibilidade de o ARES voar? Isso é duvidoso. No entanto, a próxima grande missão da NASA a Marte ainda não foi planejada.
É altamente provável que contará com alguma forma de drone de reconhecimento para acompanhar um rover, talvez um helicóptero puro como o Ingenuity, ou talvez um mais eficiente semelhante ao já quase desenvolvido Flier. Se a NASA selecionar o último, pode haver um pequeno semi-avião voando em Marte em dois a quatro anos.
Um avião maior, como o ARES, teria que viajar para Marte separadamente e fazer parte de uma missão separada. A possibilidade de conduzir tal missão depende tanto do orçamento da NASA quanto da necessidade percebida de estudar o planeta do ar.
Mas com o aumento do interesse no planeta Vermelho, essa possibilidade parece cada vez maior. Nenhuma data definida ainda, mas já temos a tecnologia e uma história de sucesso na forma de Ingenuidade. O próximo passo parece ser apenas uma questão de tempo.