Após desmantelar duas recentes conspirações terroristas, oficiais da inteligência americana estão cada vez mais preocupados que grupos extremistas no Paquistão ligados à Al-Qaeda estejam planejando operações menores nos Estados Unidos, mais difíceis de detectar e com maior probabilidade de êxito do que os ataques espetaculares que costumavam privilegiar, dizem oficiais seniores contraterrorismo.
Os dois casos - um envolvendo dois homens de Chicago acusados na semana passada de planejar um ataque a um jornal dinamarquês que publicou quadrinhos do profeta Maomé, e o outro de um motorista de ônibus de 24 anos em Denver, acusado de uma conspiração para o uso de explosivos improvisados - estão entre os mais sérios em anos, segundo oficiais.
Em ambos, dizem os oficiais, os principais réus são residentes de longa data dos Estados Unidos, com laços substanciais na comunidade, que viajaram para áreas tribais do Paquistão, onde eles aparentemente treinaram com grupos extremistas afiliados à Al-Qaeda. Os oficiais do Exército americano e das agências de polícia e inteligência falaram com a condição de que não fossem identificados porque não tinham autorização para discutir os casos.
Segundo documentos do FBI, David Coleman Headley, 49 anos, principal réu no caso de Chicago, se encontrou com Ilyas Kashmiri, que é considerado por autoridades ocidentais um dos militantes islâmicos em operação mais perigosos das áreas tribais instáveis do Paquistão. Kashmiri se voltou ao terrorismo após servir no comando de operações especiais paquistanês e atraiu atenção de oficiais dos EUA após sobreviver a um ataque aéreo americano em setembro.
"Ele é um total oportunista e um hábil estrategista que possui profundo conhecimento local e um plano global cruel", disse Jarret Brachman, autor de Global Jihadism e consultor de terrorismo para o governo dos EUA.
Nas conspirações de Denver e Chicago, as autoridades ficaram impressionadas pelos papéis centrais desempenhados por homens que parecem ter mais conhecimento de segurança e melhor organização e treinamento do que muitos dos envolvidos em casos de terrorismo desde 2001, incluindo a última leva de prisões das semanas recentes. Boa parte destes presos eram homens jovens encolerizados pelo ardor militante, mas com poucas habilidades para conduzir um ataque.
Alguns oficiais dizem que, embora os casos de Chicago e Denver se destaquem em relação a processos de terrorismo de nível inferior nos Estados Unidos, não é novidade aspirantes a terrorista viajarem ao Paquistão e outros centros de treinamento e retornarem aos EUA para se engajar em atividade militante. Eles disseram que as atividades de Najibullah Zazi, o homem de Denver, lembram muito a metodologia dos atentados a bomba nos trens de Madri em 2004 e no metrô de Londres em 2005.
Um caso no ano passado sugere que homens jovens dos Estados Unidos também estão indo ao Paquistão para combater as forças americanas. Bryant Neal Vinas, 26 anos, cresceu em Long Island, Nova York, e trabalhou como caminhoneiro para a ferrovia de Long Island antes de ir para o Paquistão. Ele contatou um grupo da Al-Qaeda e participou de um ataque a míssil a uma base americana no Afeganistão antes de ser capturado no Paquistão e trazido de volta aos Estados Unidos em novembro de 2008. Desde então, Vinas tem cooperado com as autoridades americanas, ajudando a identificar outros extremistas que foram treinados para operações no Ocidente.
Esse padrão de comportamento - homens jovens que vivem nos Estados Unidos por anos, viajam ao exterior e se ligam a grupos de militantes extremistas - não se limita ao Paquistão.
Em outubro de 2008, por exemplo, um adolescente somali-americano de Minneapolis conduziu um ataque suicida no norte da Somália. O adolescente, Shirwa Ahmed, chegou aos Estados Unidos nos anos 1990 e se tornou cidadão americano. Nos meses antes do ataque, ele havia viajado ao Chifre da África e aparentemente se juntou ao Al Shabab, um grupo muçulmano militante que combate os etíopes.
Analistas contraterrorismo do governo disseram ser significante o fato dos casos de Chicago e Denver envolverem conspirações que parecem menos ambiciosas que os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono ou supostas conspirações no passado, como as que objetivavam atacar o aeroporto internacional de Los Angeles ou a torre da loja Sears em Chicago.
Oficiais de inteligência ocidentais acreditavam que a liderança da Al-Qaeda se concentrasse em ataques espetaculares com mortes em massa, de modo a construir sua credibilidade no mundo islâmico. Analistas americanos disseram que a dificuldade de conduzir conspirações tão grandiosas ofereceria certa proteção aos Estados Unidos.
J. Patrick Rowan, que já foi o advogado principal da divisão de segurança nacional do Departamento de Justiça dos EUA, disse que os casos recentes poderiam significar uma mudança em relação a essas conspirações de grande escala. "Sempre houve a visão de que a Al-Qaeda deseja repetir ou fazer algo ainda mais substancial do que o 11 de setembro", disse Rowan.
"A hipótese tem sido de que eles focam seus recursos na condução de um ataque espetacular e decidiram não realizar conspirações menores", ele disse. "Esses casos parecem minar essa hipótese e sugerem que eles talvez estejam repensando sua estratégia, o que é obviamente preocupante, porque operações menores podem ser mais difíceis de detectar e impedir."
Uma das figuras mais importantes nessa nova tendência é Kashmiri, o comandante operacional do Harakat-ul Jihad Islami, um grupo terrorista paquistanês afiliado à Al-Qaeda, alguém descrito por um oficial americano como um "pesadelo de sujeito", porque ele era "um operador que poderia fazer as coisas acontecerem".
Kashmiri, 45 anos, tem uma longa história na condução de operações de guerrilha. Como um treinador do Exército paquistanês de mujahidin afegãos, ele perdeu um olho combatendo forças russas no Afeganistão nos anos 1980. Posteriormente, enquanto trabalhava com militantes da Caxemira em um ataque à Índia, arqui-inimiga do Paquistão, ele ganhou fama no Paquistão após escapar de uma prisão indiana onde ficou preso por dois anos.
Mas Kashmiri se virou contra o Estado paquistanês quando o presidente Pervez Musharraf baniu seu grupo após os ataques de 11 de setembro. Ele foi preso quatro anos mais tarde por ter ligações com uma tentativa de assassinato de Musharraf em dezembro de 2003, mas acabou sendo solto por falta de provas.
Após o governo paquistanês levantar cerco contra militantes islâmicos na Mesquita Vermelha em Islamabad em 2007, Kashmiri transferiu suas operações para o Waziristão do Norte e uniu armas com a Al-Qaeda e o Talibã paquistanês na região. Ele está listado como o quarto homem mais procurado pelo Ministério do Interior paquistanês, segundo relatos da mídia do Paquistão.
Oficiais de inteligência e contraterrorismo americanos dizem que Kashmiri está entre os líderes militantes mais perigosos no Paquistão hoje, por causa de suas habilidades de treinamento, experiência de comando e visão estratégica para conduzir ataques contra alvos ocidentais, como o jornal dinamarquês.
Brachman disse que embora militantes como Kashmiri não estejam sob o controle direto da Al-Qaeda, eles respondem ao clamor da organização terrorista em prol do ataque ao Ocidente.
"Por anos a Al-Qaeda tem chamado seu movimento às armas - lançando sementes pelo movimento global", Brachman disse. "O que está claro, no entanto, é que as sementes estão começando a brotar agora."
Fonte: David Johnston e Eric Schmitt (The New York Times) via Terra - Tradução: Amy Traduções - Charlie Savage e Kitty Bennett contribuiram com a reportagem