Companhias aéreas lançam mão de receitas exclusivas de chefs famosos para atrair, pelo estômago, mais gente para a primeira classe
O chef Michael Chiarello, preparando refeições para a Delta
Um dos mais congestionados aeroportos, o de Hartsfield-Jackson, em Atlanta, está somente 300 metros acima do nível do mar. Em terrenos baixos, as cerca de 10 mil papilas gustativas da boca humana trabalham como manda a natureza. E o sentido do olfato tem um grande papel no que se refere ao paladar - o quarteto familiar do doce, amargo, azedo e salgado. O suco de tomate tem gosto de suco de tomate, o peru à Fiorentina tem o sabor de peru à Fiorentina.
Mas, a bordo de uma aeronave moderna, o paladar se perde. E isso não apenas porque a comida servida em aviões não é apetitosa. O grande problema é a biologia - um obstáculo que as empresas aéreas agora querem superar, de olho nas lucrativas operações de primeira classe.
Mesmo antes da decolagem a atmosfera na cabine deixa o nariz ressecado. Quando a aeronave sobe, a mudança na pressão do ar entorpece um terço das papilas do gosto. Em altitude de cruzeiro, a 12 mil metros de altura, o nível de umidade na cabine é mantido baixo devido ao design do aparelho, para reduzir o risco de corrosão da fuselagem.
A ciência da refeição num avião, que Delta, Lufthansa e outras empresas aéreas vêm estudando há anos, abriu uma nova frente na batalha por passageiros da primeira classe. Especialistas do setor dizem que o problema remonta a 1987, quando a American Airlines retirou o óleo de oliva das suas saladas para economizar dinheiro.
Qualquer pessoa que tenha viajado na classe econômica nos últimos anos sabe o que ocorreu em seguida. Os orçamentos destinados à alimentação a bordo foram reduzidos drasticamente. Pode ser difícil acreditar, mas os comissários de bordo antigamente serviam costeletas de carneiro em bandejas de prata. Hoje, oferecem batatas fritas, amendoim e refrigerantes. Após anos apertando o cinto, os responsáveis pelas companhias aéreas estão investindo novamente para atrair passageiros dispostos a pagar mais pelo bilhete - e a comida representa uma grande parte do esforço.
Isso significa imaginar novos cardápios e até mesmo contratar como consultores chefs célebres como Gordon Ramsay, famoso pelo Hell’ s Kitchen. O motivo é óbvio: a classe executiva e a primeira classe representam um terço dos assentos do avião, mas geram o grosso da receita. Conservar esses usuários é crucial.
Milhões de refeições
Depois de tanta turbulência, as empresas aéreas estão tentando traçar uma nova rota mais lucrativa por meio de fusões e um novo foco na classe executiva. Muitas instalaram assentos que se convertem em camas em alguns voos domésticos e também sistemas de entretenimento mais atraentes e redes wi-fi.
Mas, na cozinha, tudo trabalha contra. O setor de catering aéreo, que gira US$ 13 bilhões ao ano, serve milhões de refeições diariamente em todo o mundo. E precisa manter cadeias de suprimento, padrões e qualidade sob as mais diversas condições.
"Cozinhar é a parte fácil", diz Corey Roberts, chef de Nova York pertencente à LSG Sky Chefs, maior empresa de catering aéreo. "O que nos preocupa é a logística, ter a refeição correta no voo, nas bandejas, na cozinha e nas horas certas. É um quebra-cabeças logístico organizar todas essas refeições, diariamente, para centenas de aviões."
Quando a comida está a bordo, as empresas enfrentam outro obstáculo: os aviões não têm cozinhas completas. Por questões de segurança, grelhas e fornos não são permitidos. Os comissários de bordo não podem tocar a comida como um chef de restaurante ao preparar um prato. O espaço é minúsculo e o tempo, curto. A comida só pode ser reaquecida, nunca preparada.
Algumas das empresas aéreas da Europa e da Ásia estão elevando o investimento nesse serviço. O cardápio da Air France, por exemplo, inclui lagosta à la Basca e uma massa com toque de açafrão e capim limão. Os pratos foram criados pelo chef Joël Robuchon, que já colecionou 27 estrelas do guia Michelin em sua carreira.
O serviço de catering no Aeroporto de Hudson
A Lufthansa fez uma associação com os chefs da luxuosa cadeia de hotéis Mandarin para criar as refeições de seus voos entre os Estados Unidos e a Alemanha. A Korean Air tem uma fazenda onde cria gado de corte, planta legumes e grãos orgânicos usados nas refeições servidas em seus voos, incluindo "bibimpap", um tipo de risoto coreano, com legumes e uma pasta de chili que a empresa serve na classe econômica.
As empresas aéreas americanas tentam recuperar o tempo perdido. No ano passado, a Delta contratou Michael Chiarello, famoso chef de Napa Valley para elaborar novos cardápios para os passageiros da classe executiva que voam entre as costas leste e oeste dos Estados Unidos. Não é a primeira vez que a Delta trabalha com um chef renomado. Desde 2006, a empresa serve refeições criadas por Michelle Bernstein, de Miami, para seus passageiros da classe executiva em voos internacionais. Chiarello levou seis meses para elaborar o novo cardápio. Testou receitas, selecionou ingredientes, considerou as texturas e cores dos alimentos e buscou maneiras de apresentar seus pratos na pequena bandeja de avião.
De que lado grelhar
Executivos e passageiros frequentes foram selecionados para testar o sabor das criações e muitas questões foram apresentadas. Como os tomates cherry deviam ser fatiados? (A resposta: deixe-os inteiros). De que lado o filé de frango deve ser grelhado? (Primeiro o lado da pele). Quantas fatias de presunto podem ser usadas como aperitivo (duas grandes, melhor do que três, o que também ajuda a reduzir despesas).
Para empresas aéreas como a Delta, estas não são questões triviais. Uma decisão, tomada há alguns anos, de cortar 30 gramas dos seus filés, por exemplo, produziu uma economia anual de US$ 250 mil. E os custos trabalhistas aumentam quando muitas refeições são preparadas diariamente. Os pratos principais representam 60% dos custos de uma refeição, segundo a Delta. Os aperitivos são 17%, as saladas somam outros 10% e as sobremesas, 7%.
A Delta também calculou que se tirasse um simples morango das saladas servidas na primeira classe nos voos domésticos iria economizar US$ 210 mil por ano. A companhia serve 61 milhões de embalagens de amendoins por ano e quase o mesmo número de pacotinhos de pretzels. Um reajuste de US$ 0,01 no amendoim significaria uma elevação nos custos da empresa em US$ 610 mil em um ano.
Fonte: Jad Mouawad (The New York Times) via Estadão - Tradução: Terezinha Martino - Fotos: NYT