Prática de levar parentes ao exterior com bilhete aéreo pago pela Casa envolve Ricardo Berzoini (PT) e Rodrigo Maia (DEM)
Para deputados, regimento não proíbe o uso; medidas anunciadas nessa semana não fazem referências a viagens para o exterior
LEONARDO SOUZA
ADRIANO CEOLIN
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIARegistros de companhias de aviação obtidos pela Folha revelam que caciques da Câmara dos Deputados, como dirigentes e líderes partidários, financiaram dezenas de viagens ao exterior de familiares e amigos.
Entre os quais, os presidentes nacionais do PT, Ricardo Berzoini (SP), e do DEM, Rodrigo Maia (RJ).
Constam da lista também nomes como Ciro Gomes (PSB-CE), ex-candidato ao Planalto; José Genoino (PT-SP), ex-presidente do PT; Armando Monteiro Neto (PTB-PE), presidente da Confederação Nacional da Indústria; Eunício Oliveira (PMDB-CE), ex-ministro das Comunicações; e Vic Pires (DEM-PA), ex-candidato a corregedor da Câmara.
A maioria dos deputados ouvidos pela reportagem justificou os bilhetes aéreos para os parentes alegando que o regimento interno da Casa não proíbe a prática. Os destinos mais recorrentes são cidades badaladas do turismo internacional, como Nova York, Paris, Madri, Miami, Frankfurt, Buenos Aires e Santiago.
O presidente do PT, por exemplo, emitiu em dezembro de 2007 um bilhete para a capital argentina para sua filha Natasja Berzoini. Procurado pela reportagem, não ligou de volta.
Já Rodrigo Maia, além de ter levado a mulher e a filha para Nova York (EUA), bancou também uma passagem aérea para sua prima Anita para o mesmo destino. "Ela foi resolver um problema particular de saúde", disse o presidente do DEM.
Maia reconheceu que a viagem a Nova York foi a turismo. Ele levou a mulher também a Paris, mas disse que foi em missão oficial a Londres, com escala na capital francesa.
Genoino, que deixou a presidência do PT na esteira do escândalo do mensalão, em 2005, usou passagens para ele, a mulher e o filho para Madri.
Ciro Gomes emitiu duas passagens para Nova York, uma em dezembro de 2007 e a outra em abril do ano passado, para sua mãe, Maria José Gomes. Procurado pela reportagem, Ciro não ligou de volta.
Vic Pires, por sua vez, não se limitou a usar a cota aérea apenas para familiares, tendo agraciado até o namorado de sua filha com uma viagem a Miami.
Monteiro Neto emitiu bilhetes para a mulher, a filha e o filho para lugares distintos: Santiago, Madri e Buenos Aires.
O ex-ministro Eunício Oliveira bancou com recursos da Câmara, em setembro do ano passado, passagens para Miami para a mulher e a filha.
O líder do PP na Câmara dos Deputados, deputado Mário Negromonte (BA), levou para Nova York cinco familiares.
"Eu fiz economia nesses trechos [para sua base eleitoral]. Deixei de viajar, usei milhas, viajei de madrugada com passagens mais baratas. As viagens [a Nova York] foram com essa diferença", diz. "Se fosse proibido, a Casa não permitiria."
O deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), vice-líder do partido na Câmara, viajou com a mulher e o filho para Paris e Londres. Disse que foi em missão oficial para a capital inglesa, passando por Paris. "Não há nada de errado nisso. Se a Câmara mantiver a possibilidade de levar parente, vou continuar levando minha mulher. E se eu achar importante, também levarei meu filho", disse Aleluia.
Na última quinta-feira, após uma sucessão de escândalos relacionados às cotas aéreas, Câmara e Senado divulgaram normas para delimitar o uso do benefício. Cada deputado tem direito, mensalmente, a uma verba para a compra de passagens de acordo com seu Estado de origem. O ato da Câmara que trata do assunto, de 2000, é omisso em relação às viagens ao exterior. Nas medidas anunciadas na semana passada, os deputados não fazem referência a essas viagens.
A Procuradoria da República no Distrito Federal, que investigou o uso das cotas em 2007 e 2008, enviou ofício à Câmara na semana passada citando "inúmeras irregularidades" no uso do benefício, como "uso de passagens para o exterior não relacionado a missão oficial". O Ministério Público sugere que não sejam emitidos bilhetes "em nome de terceiros", medida não acatada pela Câmara.
Outro ladoDeputados se amparam em regra interna
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), confirmou que cedeu passagens aéreas de sua cota pessoal para parentes. Já o presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini (SP), não foi encontrado para explicar por que cedeu uma de suas passagens à filha, apesar dos recados deixados com sua assessoria.
Maia disse que levou sua mulher e a filha para Nova York em julho de 2008. Também foi com sua mulher para Paris em agosto de 2007. "Foram viagens em que coincidiram passeio e trabalho." O deputado disse que a viagem à capital francesa tinha como destino Londres, onde participaria de uma missão oficial com o príncipe Charles e encontraria integrantes do partido conservador britânico.
O deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) também contou ter ido a Londres via Paris para participar dos eventos citados por Maia. Confirmou ter levado mulher e filho com verba da Casa. Irritado, defendeu que é preciso haver tratamento igualitário entre Legislativo e Executivo, já que a primeira-dama Marisa Letícia viaja com o presidente Lula.
O deputado Vic Pires Franco (DEM-PA) confirmou as viagens com familiares e amigos. "Na regra antiga, podia. Agora, se tiver de devolver, vou devolver. É preciso discutir o que ocorre com os créditos não usados."
O deputado José Genoino não foi localizado. Em sua casa, em São Paulo, disseram que ele estava em viagem.
Informado sobre o teor da reportagem por meio de sua assessoria, o deputado Ciro Gomes não havia se manifestado até o fechamento desta edição.
O líder do PP, deputado Mário Negromonte (BA), disse que somente conseguiu emitir passagens a Nova York para ele e cinco familiares por ter economizado com viagens à Bahia. Já Armando Monteiro Neto disse que a emissão das passagens se sustenta em normas da Câmara.
Fonte: Jornal Folha de S.Paulo via Folha Online