O nome dos mísseis - Nike - não tem relação com a marca de roupas esportivas (criada em 1964), mas sim com a deusa grega da vitória, Niké (Crédito: HM69 NIike Missile Base) |
Quando o presidente americano John F. Kennedy denunciou a instalação de mísseis nucleares soviéticos em Cuba, em 22 de outubro de 1962, o mundo ficou à beira de uma guerra atômica.
Naquele momento, nenhum lugar do território americano estava a salvo de um possível ataque com armas nucleares soviéticas.
A primeira linha de fogo era a península da Flórida. Seu ponto mais próximo de Cuba fica a apenas 145 km de distância de algumas das plataformas de mísseis secretamente instaladas pela União Soviética na ilha.
"As pessoas em Miami tinham consciência de que os mísseis em Cuba eram ofensivos e estavam apontados para os Estados Unidos. E esta era a grande metrópole americana mais próxima da ilha", afirma à BBC o principal historiador do Museu Histórico de Miami, Paul S. George.
Na época, Miami tinha 1,5 milhão de habitantes - hoje, sua área metropolitana abriga 6,2 milhões de pessoas - e eles sabiam que eram o provável alvo de um primeiro ataque atômico soviético.
"As gôndolas dos supermercados ficaram vazias e algumas pessoas começaram a construir bunkers nas suas casas", segundo George.
A defesa da Flórida
Edifícios da Flórida foram transformados em quartéis improvisados por alguns dias (Crédito: HM69 NIike Missile Base) |
As autoridades deslocaram rapidamente milhares de soldados, armas, veículos e equipamentos militares de todo o país para o sul da Flórida.
O historiador recorda que "naqueles dias, chegavam constantemente trens cheios de soldados e as ruas foram tomadas por tanques e jipes. A cidade de Miami e a Flórida, como um todo, estavam em pé de guerra."
O campus da faculdade de Miami-Dade, localizado em antigas instalações do Exército, tornou-se novamente uma base militar, de forma provisória.
Na época, George tinha apenas 19 anos e estudava naquela faculdade quando começou a crise. Ele relata um episódio pessoal que ilustra o ambiente de tensão vivido em Miami naqueles dias.
"Eu tinha uma namorada que morava longe e estávamos tristes, porque realmente achávamos que poderia ser o fim do mundo e não iríamos nos ver mais", ele conta.
Enquanto isso, autoridades locais avaliaram com a máxima urgência a solidez dos edifícios da cidade e selecionaram mais de 100 deles como refúgios em caso de ataque nuclear.
Mas, diferentemente de outras cidades americanas, como Nova York e Washington DC, a defesa de Miami enfrentava uma grande dificuldade: o solo.
Construída sobre terreno pantanoso, a cidade não tem metrô, nem instalações subterrâneas profundas que pudessem abrigar seus habitantes em situações de alerta, como ataques aéreos ou disparo de mísseis.
De toda forma, a prioridade dos Estados Unidos era evitar que um único projétil, especialmente com carga nuclear, chegasse a atingir a Flórida. E, para isso, nos dias de tensão que se seguiram ao anúncio de Kennedy, foram rapidamente instaladas quatro bases defensivas provisórias, para complementar e proteger as bases já existentes no Estado.
Uma unidade de elite — o regimento 52 de artilharia — foi destacada para essas quatro bases. E, em poucos dias, ela instalou o que seria o principal recurso defensivo dos Estados Unidos contra soviéticos e cubanos: os mísseis Nike Hércules.
Dentro da base Nike
A base HM69 tinha três pavilhões prontos para lançar os mísseis Nike Hércules (Crédito: HM69 NIike Missile Base) |
Para reviver os acontecimentos ocorridos há 60 anos, a BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, visitou a única dessas quatro bases antigas que não foi totalmente desmantelada.
Situada no parque natural de Everglades, no extremo sul da península da Flórida, a base de mísseis Nike HM69 era considerada fundamental para a defesa dos Estados Unidos se o conflito realmente avançasse.
"A Flórida foi o marco zero da crise dos mísseis [nos Estados Unidos] e este parque foi o marco zero na Flórida", segundo afirmou o guarda-florestal Daniel Agudelo, durante a visita da BBC às instalações da antiga base.
Os soldados do regimento 52 chegaram à base no final de outubro de 1962. "Sem tempo para despedir-se, eles tomaram um trem à meia-noite com todo o necessário, incluindo equipamento, máquinas, veículos e as peças dos mísseis, para instalar uma base de mísseis provisória."
A apenas 100 metros do edifício de montagem, foi construída o primeiro dos três enormes pavilhões que alojavam até 18 mísseis Nike Hércules. E, na esplanada em frente ao portão, observa-se um emaranhado de trilhos e plataformas conectadas ao interior do hangar.
"Caso surgisse um alerta, os soldados abririam as portas e empurrariam o míssil pelos trilhos para colocá-lo na plataforma de lançamento, movê-lo em ângulo de 87 graus e disparar", explica Agudelo.
Com alcance limitado de cerca de 150 km e viajando a três vezes a velocidade do som, os mísseis Nike Hércules eram puramente defensivos. Seu propósito era interceptar projéteis de grande porte que entrassem em espaço aéreo americano, como os mísseis atômicos soviéticos.
"Alguns deles tinham ogivas nucleares e, por exemplo, se 15 ou 20 aviões inimigos carregados de bombas atômicas viessem ao mesmo tempo, eles poderiam destruir a todos no céu", afirma o guarda.
A natureza defensiva da base Nike não significava que o sul da Flórida não tivesse recursos para atacar solo cubano ou mesmo soviético. A apenas 15 km dali, a base aérea de Homestead abrigava todo um conjunto de aviões bombardeiros B-52 carregados com projéteis atômicos e prontos para entrar em ação.
"Durante a crise, havia aviões B-52 no ar a todo momento, com armas nucleares para responder a um ataque soviético de surpresa. A URSS sabia disso, de forma que não iria atacar porque não tínhamos apenas mísseis, mas também aviões que poderiam realizar ataques atômicos", explica Paul S. George.
Depois da crise
Após a crise dos mísseis, a base HM69 continuou operando como instalação militar provisória por mais três anos.
Em 1965, as tendas onde os soldados se alojavam foram substituídas por edifícios de concreto e o local foi consolidado como base permanente das forças armadas. Mas ela só foi mantida em operação por mais 13 anos, até 1979, quando suas instalações foram retiradas de serviço e ficaram abandonadas em meio ao parque natural.
Somente na década de 2000, um veterano que havia servido na base como soldado durante a crise dos mísseis, chamado Charles Carter, apresentou às autoridades locais um projeto para preservá-la e abri-la ao público por alguns meses por ano.
Desde então, entre dezembro e março, os visitantes do parque natural de Everglades podem ver não apenas crocodilos, jacarés, aves e peixes-bois-marinhos, mas também essa relíquia insólita da Guerra Fria.
Via BBC
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