Avião de pequeno porte que os escaladores Karina Oliani e Maximo Kausch usaram para ir de Katmandu a Lukla (Imagem: Arquivo pessoal) |
No último domingo (29), a aeronave DHC-6 Twin Otter da Tara Air, companhia aérea especializada em voos para destinos remotos do Nepal, caiu minutos depois de decolar de Pokhara para um voo de apenas 20 minutos até Jomsom, aldeia no oeste nepalês conhecida como ponto de partida para o Circuito de Annapurna, uma das trilhas mais cobiçados do mundo.
O avião da Tara Air viajava com três tripulantes nepaleses e 19 passageiros (13 do Nepal, 4 da Índia e 2 da Alemanha). Até o fechamento deste texto, 21 corpos já tinham sido resgatados por uma equipe que conseguiu chegar de helicóptero aos destroços do avião.
Equipe de resgate realiza uma operação no local do acidente da aeronave operada nepalesa Tara Air, na segunda-feira (30) (Imagem: Man Bahadur Basyal / Nepal Police / AFP) |
As rotas aéreas que servem Pokhara e Jomsom, além de capital Katmandu e Lukla, outro importante destino, são muito utilizadas por turistas que praticam trekking nos Himalaias e por escaladores rumo ao Everest. Antes de conquistar o topo do mundo, ele precisam encarar os voos em pequenas aeronaves (nem sempre de manutenção confiável), condições climáticas instáveis e pista curta em meio a abismos.
Brasileiros que já estiveram na região dos Himalaias conversaram com Nossa para contar como é a experiência de voar no Nepal que, assim como brinca o montanhista Maximo Kausch, 'é o momento mais difícil para quem sobe o Everest'.
Passageiros em voo entre a capital do Nepal, Katmandu, e Lukla, considerado o aeroporto mais perigoso do mundo (Imagem: Gabriel Tarso/Divulgação) |
Tensão no ar
Gustavo Ziller, de 47 anos, viaja para o Nepal desde 2013 e já teve experiências em bimotores e helicópteros mais de dez vezes, tanto em Pokhara como em Lukla.
Para ele, pousar na pista de Lukla, o principal acesso para quem visita o Everest, é ter a sensação de dever cumprido. "Como uma vitória mesmo", conta o montanhista para a reportagem.
"O pouso é surreal porque o avião praticamente não desce, ele vem numa certa altitude e de repente a pista aparece e o piloto já começa a frear e reverter o motor. Ele corre atrás do que pode para parar na pista inclinada".
Segundo Ziller, o retorno também é tenso porque o avião desce a pista para pegar impulso, ajudado pela inclinação. "O avião não voa para cima, voa em linha reto. Ele já sai voando na altura em que está. É surreal", completa.
O aeroporto de Lukla é considerado um dos mais perigosos do mundo, devido à sua localização a quase 3 mil metros, um dos mais altos já construídos, e às constantes turbulências e mudanças repentinas de tempo nesse terminal sobre um platô encravado em um vale.
Pista do aeroporto de Lukla em dia mais aberto, foografada pelo montanhista Gustavo Ziller (Imagem: Gustavo Ziller/Arquivo pessoal) |
E aqui a mesma pista, em dia encoberto pela neblina, fotografada pelo montanhista Carlos Santanela (Imagem: Carlos Santanela/Arquivo pessoal) |
"O micro clima na montanha é muito instável. Pode estar bom a 2.200 metros de altitude, e péssimo a 3.500", conta Ziller.
A aviação no Nepal data de 1949, quatro anos antes do neozelandês Edmund Hillary e o sherpa Tenzing Norgary conquistarem o cume do mundo pela primeira vez.
E, desde então, não é raro acontecer acidentes aéreos na região, praticamente, um por ano. De acordo com dados da Aviation Safety Network, o Nepal já registrou cerca de 67 acidentes do gênero, fatais ou não.
"Foi raro o ano em que estive no Nepal e não escutei falar sobre um acidente aéreo na região, de pane de motor a acidentes fatais", conta a médica e esportista Karina Oliani, que viaja para lá desde 2009 e é a primeira sul-americana a conquistar as duas faces do Everest.
Karina acredita que um dos erros dos turistas é querer "forçar a barra" e tentar embarcar em dias de tempo instável sem esperar melhores condições de voo.
"A gente aprende a respeitar a montanha e a saber a hora que tem uma janela que permita voar com segurança. É um voo que precisa de mais respeito e paciência".
A escaladora, por exemplo, já chegou a ficar cinco dias em Lukla esperando para voar.
Os montanhistas Karina Oliani e Maximo Kausch, durante voo de Katmandu a Lukla (Imagem: Arquivo pessoal) |
Dos mais de 30 voos já feitos por Karina na região dos Himalaias, ela não se lembra de nenhuma vez que não tenha visto alguém com medo antes do embarque ou chorando dentro do avião.
A última vez foi no ano passado quando uma adolescente sherpa em pânico abraçou seu marido e também montanhista Maximo Kausch, durante um voo de cerca de 30 minutos de Katmandu a Lukla.
Para quem não quer se arriscar, a outra opção são caminhadas de até sete dias, como lembra Karina.
"Tem pessoas que saem do Brasil e, em 20 dias, querem fazer tudo. Viajar, se aclimatar e chegar na base do Everest. Tem muita demanda e, consequentemente, mais aeroportos desses em lugares bizarros", disse Maximo Kausch, montanhista.
Imagem de avião acidentado no aeroporto de Tenzing-Hillary em abril de 2019 (Imagem: Andrey Rykov/Getty Images) |
O montanhista se surpreende também com a pressa que as próprias companhias aéreas locais têm de voar, sobretudo por conta do alto fluxo de turistas e de pessoas que viajam para vilarejos distantes.
Maximo lembra, por exemplo, que em algumas vezes era comum chegar no Nepal e logo surgir uma notícia de que tinha caído um avião com o mesmo código do voo em que ele esteve voando no dia anterior. "É parte do show de quem vai para o Everest, mas é um voo muito técnico. Não é fácil";
Voos mais tranquilos
"Avião no Nepal é como um ônibus no ar. Os aeroportos têm pouca tecnologia e infraestrutura. É algo que você assume quando vai para lá", avisa Carlos Santanela, da Grade 6, agência especializada em expedições pelo mundo.
Visão aérea do aeroporto de Lukla, ponto de chegada para os montanhistas que vão escalar o Everest (Imagem: saiko3p/Getty Images/iStockphoto) |
Uma de suas dicas é procurar voar sempre no primeiro ou no segundo voo da manhã, quando o clima costuma ser melhor. Com os frequentes atrasos na viagem entre a capital Katmnadu e Lukla, Santanela recomenda que a viagem seja sem pressa e com folga no roteiro.
"Existe risco em todos os lugares, mas estamos falando da precariedade de algumas empresas e de um ambiente de grandes montanhas. A dificuldade no Nepal é muito maior". Santanela também lembra que os voos de curta duração ali são muito comuns porque as estradas locais também são ruins.
"A região realmente oferece riscos e a é preciso redobrar a atenção", sugere esse empresário que há 11 anos encabeça pelo menos duas expedições anuais na Ásia.
O montanhista, que para evitar atrasos ou embarques em aviões de pouso curto procura alternativas como helicópteros, acredita que a primeira medida, porém, é escolher companhias com "mais critérios de segurança dos voos", algo nem sempre possível em um país como o Nepal.
Com um histórico considerável de acidentes aéreos, sobretudo pela falta de manutenção de aeronaves e treinamento insuficiente de pilotos, esse destino entre o Tibete e a Índia é um dos países com mais companhias aéreas proibidas de voar na União Europeia.
Os destroços da aeronave que caiu no último domingo (29) no Nepal e matou ao menos 21 pessoas (Imagem: Bishal Magar / AFP) |
A Tara Air, empresa do acidente do último final de semana, é uma das 20 empresas nepalesas que, nas palavras da Comissão Europeia, não está "conforme com os elementos técnicos e requisitos necessários exigidos pelas normas de segurança internacionais aplicáveis".
Assim como lembra Maximo, uma das brincadeiras entre os montanhistas era escolher a companhia aérea pelo número de acidentes. "Teve uma época que todo mundo queria ir de Tara, porque nenhum avião dela ainda tinha caído", diz ele, e conclui: O Nepal é conhecido por não regulamentar a aviação. Você pode ver, vai acontecer mais vezes".
Via Eduardo Vessoni (Nossa Viagem/UOL)