segunda-feira, 5 de julho de 2021

O risco de trombose em um avião não é maior para passageiros vacinados contra a covid-19


Publicações em múltiplos idiomas compartilhadas milhares de vezes em redes sociais desde o início de junho de 2021 asseguram que as principais companhias aéreas do mundo estão discutindo se é recomendável aceitar passageiros vacinados contra a covid-19 devido ao “alto risco de formação de coágulos sanguíneos”. No entanto, associações de companhias aéreas negaram à AFP a existência destas conversas e diversos especialistas explicaram que a trombose provocada por uma viagem longa de avião não tem relação com os casos pontuais associados aos imunizantes contra a covid-19.

A maior parte das publicações acompanha um link para um artigo, em alemão, intitulado: “Você tem uma vacinação? Não há mais voos!”.

“As companhias aéreas estão agora discutindo sua responsabilidade e o que fazer com os vacinados, já que eles não têm permissão para voar porque é um risco para a saúde. Essas discussões estão apenas começando, mas parece que ninguém que for vacinado poderá voar”, diz parte do texto, citando como principal risco a possibilidade de desenvolvimento de “coágulos sanguíneos”.

Captura de tela feita em 16 de junho de 2021 de uma publicação no Twitter
O artigo foi amplamente compartilhado em publicações no Facebook, Instagram e Twitter. Alegação semelhante também circula em espanhol, inglês e francês.

Proibição de voo para vacinados?


Procurada pela AFP, uma porta-voz da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), que representa 290 companhias aéreas em 120 países, disse no último mês de maio que “não tinha conhecimento de nenhuma empresa” que estivesse considerando negar o embarque de vacinados devido ao risco de coágulos no sangue.

A associação Airlines for Europe (A4E) também negou a alegação. A porta-voz Jennifer Janzen escreveu em 3 de junho à AFP: “Você pode ter certeza de que não haverá tais discussões entre as companhias aéreas sobre a proibição de voar, nem para os passageiros vacinados, nem para os não vacinados”.

No mesmo dia, uma porta-voz da Lufthansa assegurou que a companhia alemã “sempre transporta passageiros vacinados e não vacinados sob os mais rígidos padrões de segurança e higiene, e levando em consideração a situação geral da pandemia”.

Consultada em 16 de junho sobre a existência de uma proibição do tipo para pacientes vacinados contra a covid-19 no Brasil, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) afirmou desconhecer tal informação.

Coágulos, efeitos colaterais “muito raros”


Em abril de 2021, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) anunciou que coágulos no sangue deveriam ser listados como efeitos colaterais “muito raros” nas bulas das vacinas contra a covid-19 baseadas em vetores virais, como as da AstraZeneca e da Johnson & Johnson, destacando que os benefícios dos imunizantes superam os riscos. Esse tipo de vacina usa outro vírus como suporte para transportar informações genéticas capazes de combater a covid-19.


As vacinas baseadas em vetores virais são diferentes das de RNA mensageiro (mRNA), citadas no texto compartilhado nas redes, que dão instruções para que as células sintetizem a proteína “spike” que se encontra na superfície do Sars-CoV-2. A EMA indicou em maio que não detectou indícios de vínculo entre coágulos no sangue e as vacinas de mRNA, como as da Moderna e da Pfizer/ BioNTech.

Alguns países tomaram medidas para evitar casos excepcionais de trombose provocados pela vacinação. A Dinamarca, por exemplo, não usa os imunizantes da AstraZeneca e da Janssen, enquanto outros países como a França e a Holanda optaram por não aplicar AstraZeneca em grupos de determinadas idades.

Diferentes tipos de coágulos no sangue


O termo técnico para a redução de plaquetas no sangue causada por vacinas é trombocitopenia trombótica imune. Essa reação é um “efeito colateral pouco comum para um ou talvez dois tipos de vacinas de covid-19”, explicou à AFP o assessor médico da Iata, David Powell, no último mês de maio.

É uma “doença diferente dos coágulos de sangue na perna [trombose venosa profunda] e nos pulmões [embolia pulmonar], que pode estar associada à imobilidade, especialmente após uma cirurgia, lesão em uma das extremidades, repouso prolongado na cama ou, às vezes, períodos mais longos sentado em uma viagem”.

Powell continuou: “Os casos que envolvem uma viagem longa de avião, trem ou carro tendem a ter fatores de risco pré-existentes”.

Marie-Antoinette Sevestre-Pietri, professora de Medicina Vascular no Hospital Universitário de Amiens e presidente da Sociedade Francesa de Medicina Vascular, assegurou à AFP em maio que as duas tromboses “não têm nenhuma relação” entre si. “A trombose associada às viagens de avião é um fator de risco que conhecemos há mais de dez anos”, explicou a professora.

Quando se viaja de avião, vários fatores podem contribuir para um caso de trombose: “A altitude, a pressurização, o ar e a hidratação do passageiro. Se ficar um pouco preso entre dois assentos, não caminhará muito e, se consome um pouco de álcool ou sente medo no avião, ficará ainda mais desidratado”, acrescentou Sevestre-Pietri. Além disso, “existe um risco fundamental associado a viagens mais longas, especialmente as com mais de oito horas e com pacientes que já têm fatores de risco”.

“Existe uma incidência de entre 1% e 5% em pacientes com alto risco de trombose nas pernas (flebite). Por outro lado, uma embolia pulmonar potencialmente mortal é extremamente rara (um ou dois casos para cada milhão de viajantes)”, detalhou. Em viagens muito longas de pessoas com fatores de risco, “se observam desde dois até cinco casos para cada milhão de passageiros”, disse.

Em 2007, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um informe sobre o risco de trombose venosa durante viagens de avião. O Instituto de Medicina Tropical da Antuérpia também divulgou um documento sobre este tema em 2014. No entanto, esses casos não têm relação com as vacinas contra o coronavírus.

Vacinação e viagens de avião


A trombose que pode ser causada por uma vacina contra a covid-19 é chamada de “trombose imunológica”. É uma “alergia aos componentes da vacina que ativam a coagulação do sangue com a aparição de coágulos, em qualquer lugar ou em lugares incomuns, como nas veias cerebrais ou digestivas”, disse a especialista vascular Sevestre-Pietri.

“Não há absolutamente nenhuma razão” para que uma viagem de avião favoreça uma trombose imunológica vinculada a uma vacina, disse Sevestre-Pietri. “Não há motivo algum para não levar um paciente em um voo sob o pretexto de que está vacinado”, disse a especialista vascular.

Os artigos circulam no momento em que a Europa busca reativar o turismo para a temporada de verão e que vários países começaram a permitir a entrada de turistas estrangeiros vacinados.

Mais de um milhão de pessoas de nove países da União Europeia já receberam os certificados sanitários digitais, que comprovam que o portador foi completamente vacinado contra a covid-19, que testou negativo para o vírus ou que está imune após ter tido a infecção. Desta maneira, pretende-se agilizar os trâmites e reativar o turismo.

Via AFP

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