terça-feira, 31 de outubro de 2023

Aconteceu em 31 de outubro de 2000: Voo Singapore Airlines 006 - Perdido na Noite

Na noite de terça-feira, 31 de outubro de 2000, as condições meteorológicas no aeroporto Chiang Kai Shek em Taipei, Taiwan (Formosa) eram típicas do período de Monções, quando chove torrencialmente no sudeste asiático. Na verdade, o tufão Xangsane aproxima-se da ilha de Taiwan vindo ao mar da China, deixando as condições cada vez piores: ventos em fortíssimas rajadas e chuvas torrenciais eram enfrentadas pelas aeronaves que operavam em Taiwan naquela noite.

O Boeing 747 envolvido no acidente - Foto: Michel Gilliand
Terça-feira é um dos dias de menor movimento na aviação comercial. Isso seria um fator atenuante para uma tragédia que começava a se desenhar. O protagonista era o Boeing 747-412 de prefixo 9V-SPK, orgulho máximo da frota da Singapore Airlines (foto acima). 

Adornado com um maravilhoso esquema promocional de pintura, o 9V-SPK era um dos dois únicos Boeing 747-400 da frota escolhidos para promover um novo padrão de serviço de bordo, nas três classes, que a empresa lançara meses antes. Vale lembrar que esta que é, talvez, a melhor companhia aérea do mundo. Entre outras razões, porque até aquela data, a Singapore era também uma das mais seguras companhias aéreas do planeta: até 31 de outubro de 2000, a Singapore Airlines nunca havia sofrido um acidente fatal.

Nada levaria a crer, nem mesmo as miseráveis condições de tempo reinantes em Taipei, que esse invejável recorde seria desafiado naquela noite de tempestade. Afinal, embora as condições fossem bastante adversas, muitas outras aeronaves partiam e chegavam, em segurança, ao aeroporto Chiang Kai Shek.

O voo 006 havia partido de Cingapura com destino à Los Angeles via Taipei. O horário publicado de sua partida em Taipei era 22h55. O 747 deixou o portão B-5 e iniciou seu táxi pela pista de taxi NP, paralela às pistas 05R e 05L. 


Ao chegar ao final da taxiway NP, o 747 ingressou na taxiway N1 e deveria ter prosseguido nela até a pista 05L (esquerda). Ao invés disso, o Boeing virou à direita numa curva de180º, imediatamente adentrando na pista 05R (direita). Agora você vai entrar dentro da cabine do 747 e ver as consequências desse trágico engano.

Legendas da conversa extraída da Caixa-Preta de voz do avião:

Cap - Comandante (assento da esquerda)

F/O - Primeiro oficial (assento da direita)

RDO - Comunicação de rádio do primeiro oficial aos controles (solo e torre)

F/O-PA- Comunicação interna do Primeiro oficial aos passageiros e tripulantes

PNF - Piloto extra / Observador (Pilot Not Flying)

TWR - Frequência da Torre de Controle de Taipei

GND - Frequência de solo de Taipei

CAM - Sons gravados pelos microfones instalados na cabine de comando

A seguir, as conversas entre os pilotos e a torre de controle:

23h08:27 - Cap: Hong Kong está fechado. É por isso que não aceitam ninguém.

23h08:29 - F/O: Ah, entendo.

23h08:30 - Cap: Por isso muita gente poderia ter alternado lá.

23h08:40 - F/O: Sim.

23h08:47 - Cap: O RVR da pista 05 esquerda já estava em 200 (metros) já checamos há pouco.

23h08:50 - PNF: RVR é, duzentos.

23h08:50 - Cap: Correto, duzentos metros, ah, ok.

23h08:55 - Cap: Ok homem, before takeoff checklist.

23h08:56 - F/O: Sim senhor.

23h08:58 - F/O: Before takeoff check: flaps.

23h09:02 - Cap: Vinte, verdes.

23h09:03 - F/O: Vinte, verdes.

23h09:06 - F/O: Controles de voo.

23h09:07 - Cap: Cheque.

23h09:07 - F/O: Cheque.

23h09:08 - F/O: EPR e velocidades.

23h09:09 - Cap: Ok, EPR um ponto cinco dois. Ah, V-1, uno quatro dois, V-R uno cinco meia e V-2 uno meia nove, selecionadas.

23:09:15 - F/O: Ok, EPR um ponto cinco dois. Ah, V-1, uno quatro dois, V-R uno cinco meia e V-2 uno meia nove, selecionadas.

23:09:22 - F/O: velocidades selecionadas.

23:09:24 - F/O: Navegação.

23:09:25 - Cap: Ok, ah, Taipei pista zero seis esquerda.

23:09:27 - F/O: Zero cinco esquerda.

23:09:29 - Cap: Zero cinco esquerda.

23:09:29 - PNF: Zero cinco esquerda.

23:09:31 - Cap: E nós temos a saída por instrumentos ANPU Três, transição Kikit.

23:09:38 - Cap: Parece que chegou a nossa vez.

23:09:40 - F/O: Os próximos somos nós.

23:09:41 - Cap: É, vire a direita aqui, até cruzar a oeste e... Vire à direita aqui.

23:09:46 - F/O: Pista em uso zero cinco esquerda, transição Kikit, inicialmente duzentos ah, para nivelar.

Transponder 2657, estaremos no nível 290 no fixo Bulan.

23:09:58 - Cap: Vai precisar de muito leme aqui, homem. O vento de través...

23:10:01 - PNF: Vento cruzado forte, hem?

23:10:02 - Cap: Muito.

23:10:03 - F/O: Transponder set, checks ok.

23:10:06 - Cap: Ok, obrigado.

23:10:14 - Cap: Todo mundo esperando para decolar, hem.

23:10:18 - Cap: Todo mundo e mais aquele chato ali.

23:10:21 - PNF: Quanto mais nos seguram, mais o pessoal parece querer atrasar.

23:10:23 - Cap: Pior ainda para quem decola. Olha, vou bem devagar aqui, que está muito escorregadio aí fora.

23:10:24 - F/O: Ok, nove nós. (de velocidade de taxiamento)

23:10:33 - PNF: Ok, até alinhar no vento.

23:10:35 - F/O: É muita umidade no ar.

23:10:41 - F/O: Virando a esquerda eu derrapo. Virando a direita eu também derrapo.

23:10:42 - PNF: O radar meteorológico deve estar todo vermelhinho.

O 747 prossegue taxiando em meio às rajadas de vento, que desestabilizam a aeronave. O tráfego é intenso e as condições, longe de serem ideais, provocam comentários que mostram mais do que simples cautela por parte dos pilotos da Singapore: mostram mesmo preocupação.

23h11:12 - Cap: Para a decolagem, é melhor usar o piloto automático, ok?

23h11:22 - Cap: É o tufão. Amanhã, o pessoal chagando aqui vai todo mundo sentir o terror.

23:11:28 - PNF: É, todo mundo, inclusive o Singapore 005.

23:11:49 - Cap: O cinco já partiu... me... melho... melhorou a visibilidade para 500 metros.

23h11:55 - PNF: Na cinco esquerda. ah, melhorou.

23:11:56 - Cap: É, o (controle de) solo disse que ia melhorar.

23:11:59 - PNF: Está 450 agora. (450 metros de visibilidade)

23:12:07 - Cap: Ok, até o final e curva à esquerda.

23:12:10 - F/O: Esquerda, ah.

23:12:10 - Cap: Sim.

23:12:17 - F/O: Frequência uno dois cinco uno para a saída.

23:12:22 - Cap: Ok, primeira à esquerda.

23:12:23 - F/O: Afirmativo, primeira à esquerda.

23:12:24 - Cap: Esquerda.

23:12:25 - F/O: Esquerda.

23:12:26 - PNF: O último QNH é uno zero zero uno.

23:12:58 - GND: Singapore 6 contate torre uno dois nove ponto três, tenha um bom dia.

23:13:02 - RDO: Uno dois nove ponto três, Singapore 6, um bom dia para você.

23:13:13 - F/O: Uno zero zero uno, uno dois nove ponto três e ah... ok.

23:13:25 - RDO: Torre Taipei bom dia, Singapore 6.

23:13:28 - TWR: Singapore 6, boa noite, Torre Taipei, aguarde antes da pista zero cinco esquerda.

23:13:33 - RDO: Aguardará antes da pista zero cinco esquerda, Singapore 6.

23:13:38 - TWR: Singapore 6, para sua informação, vento de superfície 020 (direção) com 24 (intensidade), rajadas de 43 nós, confirme sua intenção.

23:13:44 - Cap: Rajadas de 43 nós, ah.

23:13:46 - RDO: Obrigado senhor, Singapore 6.

23:13:47 - Cap: Ok, ok, melhor menos, hem.

23:13:48 - PNF: Menos, menos fortes.

23:13:54 - Cap: Zero dois zero pela esquerda.

23:13:56 - PNF: Vinte e quatro com rajadas de 43.

Mapa da trilha do tufão Xangsane da temporada de tufões de 2000 no Pacífico
23:14:05 - F/O: Zero dois zero.

23:14:08 - Cap: Ok este vai ser por aqui.

23:14:18 - Cap: Zero dois zero.

23:14:20 - PNF: Sim, pela esquerda.

23:14:21 - Cap: Vá à direita para o final da pista, à direita no final da pista e então vire, ok?

23:14:31 - PNF: Vai usar bastante aileron na decolagem.

23:14:35 - F/O: OK.

23:14:40 - F/O: Na próxima.

23:14:41 - F/O: A próxima é a (taxiway) November One.

23:14:42 - Cap: Ok, na segunda direita.

23:14:44 - F/O: Segunda à direita, é essa.

23:14:53 - Cap: O melhor é dizer segunda direita ah, segunda direita e primeira direita.

23:14:55 - F/O: Livrando aquela antena de Satvoice.

23:14:58 - Cap: Pode avisar que estamos prontos.

23:15:02 - RDO: Singapore 6 pronto.

23:15:04 - TWR: Singapore 6, pista zero cinco esquerda, taxi para a posição e aguarde.

23:15:08 - RDO: Taxi para a posição e aguarde, Singapore 6.

Nesse momento, o Boeing deixa a taxiway NP e ingressa na taxiway N1. No entanto, ao invés de executar uma curva de 90º e ingressar na N1, que deveria levar o 747 à cabeceira da pista 05L, o comandante do 747 executa uma curva de 180º e começa a alinhar na pista 05R (direita). 

Diagrama, lado norte e pista 05 Aeroporto Internacional Chiang Kai-shek
Nenhum dos dois tripulantes na cabine, nem o piloto observador nem o primeiro oficial, questionam a curva de 180º. 

A aeronave também não pode ser vista pela torre de controle, pois a visibilidade, de menos de 500m naquele momento, impedia que o Boeing fosse visto pelos controladores - e fosse salvo do que enfrentaria a seguir.

23:15:12 - F/O: Eu aviso a tripulação para sentar.

23:15:12 - Cap: Ok, pode avisar.

23:15:15 - F/O-PA: Tripulação de cabine aos seus lugares, prontos para decolagem.

23:15:22 - TWR: Singapore 6, pista 05 esquerda, vento 020 (direção) com 28 (intensidade), rajadas de 50 nós, livre decolagem.

23:15:30 - RDO: Livre para decolagem, pista 05 esquerda, Singapore 6.

23:15:31 - Cap: OK, homem.

23:15:34 - F/O: OK, cheques de cabine anunciados.

23:15:37 - F/O: Packs. (desligamento do ar condicionado)

23:15:38 - Cap: Ok, normal, eh.

23:15:39 - F/O: Normal.

23:15:40 - F/O: Luzes estroboscópicas ligadas, luzes de pouso ligadas.

23:15:44 - F/O: Autorização de subida.

23:15:45 - Cap: Obtida.

23:15:46 - F/O: Obtida, senhor.

23:15:47 - Cap: OK, obrigado.

23:15:48 - F/O: Before takeoff checklist completado.

23:15:50 - F/O: OK, luzes verdes.

23:15:52 - Cap: Está muito escorregadio, vou devagar agora aqui, hem.

23:15:53 - F/O: Girando agora.

23:16:07 - F/O: E pelo PVD (Para-Visual Display - painel de visualização) ainda não alinhou.

23:16:10 - Cap: Temos que alinhar primeiro.

23:16:12 - PNF: Temos que girar 45 graus.

23:16:15 - F/O: Ah, sim, excelente, homem.

23:16:16 - Cap: Ok.

23:16:23 - Cap: Não tenho o PVD, eh. Ok, não está tão ruim assim, consigo ver a pista, não tão mal. Ok, vou ligar os limpadores (de para-brisa) ao máximo. Eh, prontos, Ok.

O microfone de cabine capta o som dos limpadores de para-brisa acionados na máxima velocidade. Preocupados com as difíceis condições de pilotagem, os três pilotos não verificam se estão alinhados na pista correta. Eles simplesmente acreditam que estão, mas não verificam sua posição.

23:16:27 - F/O: Ok.

23:16:31 - F/O: Pronto, senhor, zero dois zero é o vento, ok.

23:16:33 - Cap: Asa esquerda o aileron, aileron esquerdo no vento. Uh, OK, Cabine avisada?

23:16:37 - PNF: Cabine avisada, ok.

23:16:37 - Cap: Ok obrigado.

23:16:37 - F/O: Obrigado.

23:16:43 - PNF: Ok - potência TOGA (Take-Off / Go-Around, a máxima potência disponível).

23:16:43 - F/O: Potência TOGA, TOGA.

23:16:44 - Cap: Ok - Potência TOGA, TOGA.

23:16:44 - O microfone de cabine capta o som dos quatro motores acelerando ao máximo. O Boeing começa a correr na pista molhada de Taipei, sacudido por rajadas de ventos de quase 50 nós. A concentração necessária para manter o gigantesco Boeing alinhado com a pista é total. A visibilidade externa é de pouco mais de 450 metros e a chuva e os ventos estão cada vez mais fortes, com a iminente chegada do tufão.

23:16:54 - PNF: Segure (as manetes de potência na posição TOGA).

23:16:54 - F/O: Segurando.

23:16:54 - Cap: Ok.

23:16:55 - PNF: Oitenta nós.

23:16:55 - F/O: Oitenta nós.

23:16:56 - Cap: Ok, tenho o controle.

23:17:13 - F/O: V-1.

23:17:13 - PNF: V-1.

Nesse exato instante, o Boeing atinge a V-1 (Vee-One), ponto a partir do qual a decolagem deve prosseguir, mesmo em caso de perda de um ou mais motores. Até atingir a V-1, uma aeronave tem condições de parar com segurança na pista, caso surja alguma pane instantânea. Ao atingir e depois de ultrapassar a V-1, a aeronave tem de prosseguir na decolagem, mesmo que sofra uma pane, pois já não tem mais condições de abortar a decolagem com segurança na pista. Por isso mesmo a V-1 também é conhecida como "Point of No Return". A V-1 é calculada antes de cada decolagem, e sofre influência de fatores como peso, balanceamento, configuração de flaps e slats, temperatura externa, etc.

Menos de três segundos depois de ultrapassada a V-1, o comandante do Boeing da Singapore vê, em meio à forte chuva que desaba sobre Taipei, uma visão tão inesperada quanto assustadora. 

As fortes luzes de decolagem iluminam algo à frente do 747. Havia algo bem à frente do Boeing, ao invés de uma pista aberta e desimpedida: barreiras de concreto, máquinas retro-escavadeiras e outros equipamentos de construção. 

Sem saber, o 747 da Singapore havia alinhado na pista 05 Direita e não esquerda. Desde 31 de agosto de 2000, circulava o NOTAM A0606 (NOTice to Air Men), um comunicado amplamente divulgado e de circulação irrestrita para aeronautas, que informava que essa pista encontraria-se fechada para obras entre 13 de setembro e 22 de Novembro. Apesar de ter sido apresentado à tripulação da Singapore no briefing de operação feito ainda em solo, o NOTAM A0606 não é discutido em nenhum momento na cabine.

O fato é que esse descuido sairia muito caro. Voltamos agora ao cockpit do 747, que está à alguns segundos de atingir a V-R de 288 km/h, velocidade suficiente para que o manche seja puxado e a aeronave erga-se do solo. Mas tempo é algo que não resta mais para os infelizes ocupantes do Singapore 006. Numa fração de segundo, um Boeing 747-400 de quase 400 toneladas vai perder o confronto contra máquinas que estavam em seu caminho.

23h17:16 - Cap: (assustado) Merda, tem alguma coisa aí!

No segundo seguinte, o microfone de cabine capta o som do impacto inicial do 747 contra as máquinas. Com mais um segundo, um grito curto e alto é captado pelos microfones. Entre 23h17:18 e 23h17:22, uma série de sons captados mostram a sequência de impactos que o Boeing sofreu após colidir com as máquinas. 

Nesse exato instante, a fuselagem rompeu-se e a caixa-preta do 747 parou de gravar. Nos segundos seguintes, o portentoso jato despedaçou-se em várias partes, muitas das quais pegaram fogo imediatamente. A fuselagem partiu-se ao meio, e continuou desgovernada arrastando-se por mais de 700 metros até parar e ser envolta em chamas, originárias do rompimento dos tanques cheios do 747, que tem capacidade para 216.847 litros de JET A-1.

No meio da tempestade, agora rugia o fogo incontrolável, a princípio, do inferno provocado pelo impacto do 747 contra as máquinas. Os bombeiros não demoraram muito a chegar ao inferno, mas o desastre já estava consumado: dos 179 ocupantes, 20 tripulantes e 159 passageiros, 83 deles (sendo 4 tripulantes) perderam a vida nos segundos seguintes ao impacto ou, em alguns casos, em leitos de hospitais de Taipei, depois de lutar contra terríveis queimaduras e poli-traumatismos por semanas.

Gráfico de assentos e diagrama de ferimentos / morte para o voo 006 da Singapore Airlines: 
0: Fatalidade (local desconhecido), 1: Sem ferimentos, 2: Ferimentos leves, 3: Ferimentos graves, 4: Fatalidade, 5: Criança no colo (fatalidade), 6: Quebra de fuselagem

Os três pilotos sobreviveram ao desastre e ajudaram nas investigações, que foram iniciadas no dias seguinte à tragédia. A investigação oficial levou meses e chegou à conclusão que houve imperícia e negligência por parte dos pilotos da Singapore. O Ministério de Transportes de Cingapura (MOT, Singapore Ministry of Transport) questionou o resultado oficial da investigação, abrindo uma investigação própria em paralelo. 

Segundo o MOT, o acidente não teria ocorrido se a pista em obras tivesse sido visualmente interditada como, segundo afirma o MOT, é de praxe e segundo padrões oficiais. Seja como for, o fato é que o Singapore 006 entrou para a história da melhor empresa aérea do mundo justamente como o seu pior momento.

Por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos) com acidentesdesastresaereos.blogspot.com, Admiral Cloudberg, ASN, Wikipédia e baaa-acro.com (*parte deste relato foi extraído do extinto site Jetsite)

Vídeo: Mayday! Desastres Aéreos - Voo EgyptAir 990 - Mergulho intencional no Oceano Atlântico

Via Alessandro Nunes

Aconteceu em 31 de outubro de 1999: Voo EgyptAir 990 Mergulho intencional no Oceano Atlântico


Em 31 de outubro de 1999, um Boeing 767 da EgyptAir em uma viagem transatlântica de Nova York ao Cairo, de repente entrou em um mergulho na costa de Massachusetts. Como uma montanha-russa, o avião mergulhou abruptamente, subiu de volta e mergulhou novamente, finalmente batendo no oceano perto da Ilha de Nantucket e matando todas as 217 pessoas a bordo.

Mas assim que as caixas pretas foram recuperadas, ficou claro que não foi um mero acidente. As evidências mostraram, sem sombra de dúvida, que o primeiro oficial Gameel Al-Batouti havia derrubado o avião de propósito - mas admitir isso seria um torpedo nas relações EUA-Egito. 

Em meio a uma crise internacional crescente, um piloto da EgyptAir desertou para o Reino Unido, trazendo com ele conhecimento das motivações sinistras de Batouti em um momento em que o National Transportation Safety Board estava sendo forçado a caminhar no fio da navalha entre a verdade e o interesse nacional.

Na madrugada de 30 de outubro, o Boeing 767-366ER, prefixo SU-GAP, operando o voo 990 da EgyptAir (foto acima), chegou ao Aeroporto Internacional JFK de Nova York após a primeira etapa de sua viagem de Los Angeles ao Cairo, no Egito. 

Em Nova York, a tripulação anterior foi trocada por uma nova. No final das contas, 203 passageiros e 14 tripulantes embarcaram no jato wide body, incluindo dois conjuntos de pilotos: o capitão Ahmed El-Habashi, 57, e o primeiro oficial Adel Anwar, 36, voariam no primeiro semestre; e no meio do caminho eles trocariam de lugar com o capitão de apoio Raouf Noureldin, 52, e o primeiro oficial de apoio Gameel Al-Batouti, de 59. Também a bordo estavam o piloto chefe do 767 da EgyptAir, capitão Hatem Rushdy; e dois outros primeiros oficiais cavalgando como passageiros.

Das 217 pessoas a bordo, 100 eram dos Estados Unidos, 89 eram do Egito (incluindo a tripulação), 21 eram canadenses e os sete restantes vinham de quatro países adicionais. Entre os passageiros egípcios estavam 33 oficiais da Força Aérea que voltaram do treinamento nos Estados Unidos, incluindo dois generais de brigadeiro e um coronel. 

Todos os pilotos tinham muita experiência: o capitão Habashi voava para a EgyptAir desde 1963, e o primeiro oficial de alívio Batouti estava a apenas três meses da aposentadoria. O primeiro oficial Anwar estava prestes a se casar logo após seu retorno ao Egito.

Fotos sem data de alguns dos membros da tripulação (Imagem: Getty Images)
O voo 990 decolou do JFK à 1h20 e prosseguiu para o leste sobre o Oceano Atlântico com Habashi e Anwar nos controles. Tudo estava normal nos primeiros 20 minutos. Então, às 13h40, o primeiro oficial de alívio Batouti entrou na cabine.

“Espere, deixe-me dizer uma coisa”, disse ele a Anwar. “Eu não vou dormir nada. Eu posso vir e sentar por duas horas, e então ...”

Batouti não deveria assumir o controle até a metade do voo. Anwar ficou perplexo. “Mas eu, eu dormi, eu dormi”, ele protestou.

"Quer dizer que você não vai se levantar?" disse Batouti. "Você vai se levantar, vai descansar um pouco e voltar."

“Você deveria ter me contado, deveria ter me contado isso, capitão Gameel”, disse Anwar. “Você deveria ter dito, 'Adel…'” 

Embora Batouti fosse um primeiro oficial, muitos de seus colegas pilotos o chamavam de capitão porque, em sua posição anterior como capitão de treinamento da Força Aérea egípcia, ele os havia instruído pessoalmente.

"Eu ao menos vi você?" disse Batouti.

Anwar continuou a protestar, pedindo ao “Capitão Gameel” que voltasse e dormisse antes de assumir o comando. Mas eventualmente ele cedeu, permitindo que Batouti pegasse seu jantar e depois voltasse para assumir o voo. 

Enquanto Batouti estava fora da cabine, Anwar reclamou com o capitão Habashi: "Está vendo como ele faz o que quer?"

O capitão Habashi hesitou. Ele não via sentido em provocar conflito. Mas Anwar insistiu no assunto. "Ele não quer trabalhar com Raouf ou o quê?"

“É possível, é possível, Deus sabe”, disse Habashi. “Olha, você não tem um camelo macho ou fêmea amarrado nessa situação, como dizem. Direito? Pelo Profeta, ele está apenas falando bobagem. ”

Pouco depois, o primeiro oficial de alívio Batouti voltou à cabine e o primeiro oficial Anwar cedeu seu lugar. Era 01h42

Pelos próximos minutos, Habashi e Batouti conversaram normalmente. Então, às 13h48, Habashi anunciou que queria ir ao banheiro antes que ficasse lotado. Ele saiu da cabine, deixando Batouti sozinho nos controles. Ele disse algo ininteligível para si mesmo e, em seguida, acrescentou suavemente a frase "Tawakkelt ala Allah" - "Eu confio em Deus".

Cerca de 30 segundos depois, Batouti desligou o piloto automático, assumindo o controle manual do avião. Por mais alguns segundos, ele não fez nada. Então ele sussurrou de novo: “Eu confio em Deus”, colocou a potência do motor em marcha lenta e abruptamente inclinou o nariz para baixo a quarenta graus. Com uma rapidez assustadora, o 767 começou a mergulhar em direção ao mar.

O capitão Habashi abortou imediatamente sua ida ao banheiro e conseguiu voltar para a cabine, apesar das condições de gravidade zero. Lá dentro, Batouti segurava a coluna de controle para frente, repetindo “Eu confio em Deus” sem parar. Mas ele não havia trancado a porta, e Habashi conseguiu entrar novamente na cabine de comando apenas 11 segundos após o início do mergulho.

"O que está acontecendo? O que está acontecendo?" Habashi gritou enquanto subia de volta em seu assento.

“Eu confio em Deus”, sussurrou Batouti.

O voo 990 acelerou cada vez mais rápido, excedendo sua velocidade máxima de operação e disparando o alarme mestre de cuidado.

“Eu confio em Deus”, disse Batouti.

"O que está acontecendo?" Capitão Habashi perguntou novamente. “O que está acontecendo Gameel? O que está acontecendo?" Mas Batouti não respondeu.

Habashi então percebeu que os motores estavam em ponto morto. "O que é isso? O que é isso? Você desligou os motores? ” ele gritou. 

Ao mesmo tempo, ele começou a puxar para trás sua coluna de controle para tirar o avião do mergulho, que havia aumentado para uma taxa de descida vertiginosa de 39.000 pés por minuto. Lentamente, mas com segurança, Habashi começou a dominar Batouti, que ainda estava tentando empurrar o nariz para baixo.

Mas quando Habashi tentou aumentar a potência do motor, ele descobriu que Batouti havia mudado o interruptor de fluxo de combustível para a posição “corte”, fazendo com que ambos os motores pegassem fogo. “Vá embora nos motores”, disse ele, sua gramática falhando. “Desligue os motores !?”

“Está fechado”, disse Batouti.

Várias vezes, Habashi gritou: "Puxe comigo!" enquanto ele tentava fazer com que Batouti o ajudasse a sair do mergulho. 

Mesmo assim, eles continuaram a trabalhar um contra o outro, fazendo com que os elevadores esquerdo e direito se movessem em direções opostas. 

Alguns segundos depois, os motores desligaram completamente e o avião perdeu toda a energia elétrica. As caixas pretas pararam de gravar e o transponder do avião desapareceu das telas de radar dos controladores. O que aconteceu dentro da cabine do voo 990 deste ponto em diante nunca será conhecido.

No entanto, várias instalações no nordeste dos Estados Unidos continuaram a rastrear o 767 no radar primário por dois minutos após a perda de energia. 

O avião parecia ter afundado a uma altitude de cerca de 16.000 pés, subiu de volta para 25.000 pés, então entrou em um segundo mergulho, mergulhando novamente em direção ao mar a uma taxa de 20.000 pés por minuto. Desta vez, ele não se recuperou. Estressada além de seus limites, a fuselagem começou a se desintegrar; o motor esquerdo se separou da asa e as superfícies de controle arrancaram de seus suportes. 

Finalmente, às 1h52, o voo 990 da EgyptAir atingiu o Oceano Atlântico a 96 quilômetros ao sul da Ilha de Nantucket, matando instantaneamente todas as 217 pessoas a bordo.

Animação CGI do mergulho final do voo 990 da EgyptAir (Fonte de vídeo: Mayday)
A investigação do acidente começou como qualquer outra. O avião caiu em águas internacionais, dando legalmente ao Egito jurisdição sobre o caso, mas como o Conselho Nacional de Segurança de Transporte dos Estados Unidos era muito mais experiente, o presidente egípcio Hosni Mubarak pediu que assumisse a investigação. 

Então, nove dias após o acidente, tudo mudou. Uma busca subaquática havia revelado os dois gravadores de voo da caixa preta do avião, que foram cuidadosamente levantados do fundo do mar e enviados a Washington DC para análise. 

Navios que participaram das buscas pelos corpos e destroços da aeronave (Foto: Matt York/AP)
Em uma sala na sede do NTSB, investigadores americanos e egípcios ouviram a gravação de voz da cabine de comando pela primeira vez. O que ouviram foi impressionante. Não houve discussão sobre uma emergência, nenhum sinal de falha mecânica, apenas os sons do vento, os alarmes e o sussurro de Batouti.tawakkelt ala Allah repetidamente. 

Era quase certo que Batouti havia derrubado o avião de propósito. Um representante da EgyptAir que ouviu a gravação deixou a sala com o rosto pálido e não foi ouvido novamente.

Um mapa de sonar dos dois campos de destroços da queda do voo 990 da EgyptAir
Não demorou muito para que descrições de segunda mão do conteúdo do CVR vazassem para a imprensa. Os noticiários alegaram falsamente que Batouti havia dito “Eu tomei minha decisão. Coloco minha fé nas mãos de Deus”, e que ele havia recitado uma oração muçulmana enquanto o avião caía. 

Os investigadores do NTSB documentam as caixas pretas antes do transporte para Washington
Durante a noite, o voo 990 da EgyptAir passou de um acidente de avião a um grande incidente internacional. O Egito rapidamente acusou a mídia dos Estados Unidos de uma campanha de difamação, trazendo especialistas que observaram que a tradução correta do refrão de Batouti era “Eu confio em Deus”. 

Na verdade, as autoridades egípcias não apenas rejeitaram a má tradução, mas rejeitaram a possibilidade de Batouti ter derrubado o avião intencionalmente. O que os investigadores do NTSB esperavam que fosse um inquérito curto, de repente ficou muito mais longo.

Leitura do gravador de dados de voo (com partes da transcrição CVR) do voo 990 da EgyptAir pelo NTSB
Investigadores egípcios e a mídia egípcia apresentam uma hipótese alternativa após a outra. Alguns deles eram completamente absurdos. 

No início, por exemplo, as autoridades egípcias pediram ao NTSB que declarasse que o avião havia sido derrubado por uma bomba no lavatório dianteiro (obviamente, eles se recusaram). 

Destroços de um dos motores do voo 990 (Foto: Getty Images)
O chefe do NTSB queria publicar o relatório com a conclusão de que Batouti derrubou o avião e deixou o resto para o FBI, mas o presidente do Egito, Mubarak, deixou claro para o presidente Clinton que isso levaria a uma aposta na aliança estratégica entre os EUA e Egito. 

O NTSB, portanto, não teve escolha a não ser olhar para qualquer coisa que os egípcios inventassem.

Por exemplo, investigadores egípcios apresentaram um possível cenário envolvendo uma falha de elevador. Cada elevador é movido por três atuadores, e se dois desses atuadores falharem no mesmo lado, isso pode causar um movimento de inclinação maciça para baixo, não muito diferente daquele experimentado pelo voo 990. 

Além disso, foram encontrados dois rebites no conjunto de caixa do atuador a ser cortada, possivelmente antes da queda. Mas rapidamente ficou claro que a teoria não se sustentava. Primeiro, nenhuma conexão pôde ser encontrada entre os rebites cortados e um potencial atolamento do atuador. 

Em segundo lugar, esse congestionamento deve ser facilmente recuperável usando o elevador sem falha, simplesmente puxando para trás a coluna de controle. 

E terceiro, tal falha produziria um passo para baixo mais acentuado do que o que realmente ocorreu. No entanto, a FAA levou os rebites cortados a sério, e uma inspeção revelou falhas semelhantes em mais de 100 Boeing 767s e 757s. Todos foram posteriormente corrigidos.

O Conselho Nacional de Segurança nos Transportes mostrou este diagrama da cabine do voo 990 da EgyptAir durante uma entrevista coletiva em 13 de novembro. Investigadores dos EUA ouviram mais de 31 minutos de fita do gravador de voz da cabine, mas disseram que a revisão inicial não explicava a desconcertante situação do Boeing 767
Repetidamente, o NTSB derrubou cenários de falha mecânica egípcia usando testes de matemática e simulador. Nenhuma falha concebível dos elevadores poderia produzir uma excursão de inclinação que não fosse facilmente recuperável, mesmo se o piloto esperasse 20 segundos antes de reagir. Nem nenhuma evidência física foi encontrada nos destroços para indicar que qualquer uma dessas falhas ocorreu. 

A imprensa egípcia acusou o governo dos EUA de um encobrimento - que na realidade o avião estava com defeito, e a alegação de que Batouti cometeu suicídio tinha como objetivo absolver a Boeing de responsabilidade. Eventualmente, não havia mais nada para o NTSB fingir que estava investigando. Em 2002, publicou seu relatório tão esperado, concluindo que a causa provável do acidente foram as entradas de controle do primeiro oficial de emergência. Por razões diplomáticas,

Restos da fuselagem do voo 990 (Foto: The Providence Journal)
Enquanto isso, o FBI procurava um motivo. No papel, nada sugeria que Gameel Al-Batouti pudesse ter sido suicida. Ele tinha família, tinha um plano de aposentadoria e, mais cedo naquele dia, comprou um pneu de carro para levar para o filho (eles até conversaram sobre isso por telefone antes do voo). Ele também não era um fundamentalista religioso. Mas em fevereiro de 2000, novas acusações começaram a surgir. 

Entrevistas com funcionários do hotel em que Batouti costumava ficar enquanto estava em Nova York revelaram que ele havia sido repreendido repetidamente por assediar sexualmente as funcionárias e hóspedes, incluindo solicitações indesejadas, perseguição e exposição indecente. Supostamente, o piloto-chefe da EgyptAir, Hatem Rushdy, que morreu no voo 990, repreendeu Batouti por seu comportamento pouco antes do voo.

Foto sem data de Gameel Al-Batouti, provavelmente com sua esposa
Então, a busca por um motivo teve um grande choque quando o piloto da EgyptAir Hamdi Hanafi Taha desertou para o Reino Unido, alegando que tinha novas informações sobre o voo 990. Ele disse ao FBI que pouco antes do voo, Hatem Rushdy disse a Batouti que por causa de seu impropriedade sexual, seu privilégio de voar para os Estados Unidos seria revogado. Isso não foi apenas um golpe para o orgulho de Batouti, mas também representou um golpe financeiro, porque os voos transatlânticos pagaram mais do que os voos regulares. 

O orgulho de Batouti aparentemente já era frágil. Ele alcançou um alto posto na força aérea egípcia e treinou pessoalmente muitos dos melhores pilotos da EgyptAir. Mas como ele ingressou na companhia aérea aos 40 anos e suas habilidades em inglês eram fracas, ele nunca foi capaz de subir acima do posto de primeiro oficial, e muitos dos pilotos que treinou acabaram ultrapassando-o. 

Para esconder o fato de que não era capitão, sempre usava um suéter que cobria o número de barras de seu uniforme e nunca usava chapéu. A suposta revogação de seu direito de voar para os Estados Unidos teria sido suficiente para empurrá-lo para o abismo? Ele poderia ter sofrido um surto psicótico e derrubado o avião para se vingar de Hatem Rushdy? Taha parecia pensar assim. 

Ele também disse ao FBI que, imediatamente após o acidente, os pilotos da EgyptAir foram chamados para uma reunião onde receberam os fatos, e apenas os fatos. Segundo Taha, todos saíram daquela reunião sabendo que Batouti havia derrubado o avião de propósito. As teorias apresentadas pelas autoridades egípcias não passavam de uma fachada. 

Investigadores egípcios examinam as caixas pretas (Foto: The Atlantic)
No final, a credibilidade de Taha é questionável, pois ele não testemunhou pessoalmente a suposta conversa entre Rushdy e Batouti. Mas de acordo com o famoso escritor de aviação William Langewiesche, que passou meses pesquisando a investigação do voo 990, ele estava certo sobre a fachada ter sido erguida pelas autoridades egípcias. 

Langewiesche descobriu que, quando perguntou aos investigadores egípcios sobre o acidente, eles o bloquearam; ele interpretou isso como significando que eles não acreditavam realmente que uma falha mecânica causou o acidente, porque se acreditassem, eles teriam tentado mostrar a ele as evidências. A intelectualidade egípcia concordou amplamente. 


Em uma entrevista para o The Atlantic, Langewiesche disse: "Pareceu-me que eles sabiam muito bem que o seu homem, Batouti, tinha feito isso. Eles estavam perseguindo uma agenda política que era impulsionada pela necessidade de responder aos seus superiores em uma estrutura política autocrática e piramidal. A palavra havia sido passada do alto, provavelmente do próprio Mubarak, de que não havia maneira de Batouti, o copiloto, ter feito isso. Para os investigadores de acidentes no Egito, o jogo passou a não ser a busca pela verdade, mas sim a defesa da linha oficial”.

No entanto, o público egípcio realmente acreditava que Batouti havia sido incriminado. Na verdade, os egípcios comuns pareciam levar as acusações para o lado pessoal, chamando todo o caso de um esforço colonialista para jogar a culpa em um país do "terceiro mundo" e seus pilotos do "terceiro mundo". 

A crença popular, espalhada pelos parentes de Batouti, era que toda a base para a “teoria do suicídio” era uma linha mal traduzida do gravador de voz da cabine. Mas isso representou um desprezo deliberado pelas evidências. Muito disso se resumia à crença comum de que os muçulmanos não cometem suicídio.

Os defensores de Batouti também notam que seria muito estranho repetir a frase “Eu confio em Deus” antes de bater um avião. Tawakkelt ala Allahé um ditado egípcio comum usado para solicitar a ajuda de Deus antes de alguma tarefa diária. Talvez, eles argumentam, ele estivesse pedindo a ajuda de Deus para salvar seu avião. Nesse caso, ele teria ficado muito melhor ajudando a si mesmo, mas aparentemente nunca tentou fazer isso.

Nomes dos membros da tripulação no memorial às vítimas do voo 990 da EgyptAir (Foto: Jeff Kowalsky)
Em um movimento raro, o NTSB não fez nenhuma recomendação de segurança como resultado do acidente. Como poderia haver uma solução regulatória para um único piloto que enlouqueceu? Por mais que o NTSB se esforce para extrair todas as lições possíveis de cada travamento, com este pouco encontrou o que aprender. No entanto, como precaução, as companhias aéreas nos Estados Unidos agora exigem duas pessoas na cabine o tempo todo.

Talvez nunca saibamos exatamente por que Gameel Al-Batouti deliberadamente mergulhou o voo 990 da EgyptAir no mar, levando outras 216 pessoas com ele. Pode ter sido um ato de vingança contra seu chefe, ou pode ter sido algum outro motivo conhecido apenas por ele. Mas que ele de fato o fez de propósito é indiscutível. 

A sequência do acidente começou enquanto ele estava sozinho na cabine, após fazer um pedido incomum para começar seu trabalho mais cedo. Não havia razão aparente para ele desligar o piloto automático. 

Um membro da família de uma das vítimas da queda do voo 990 da EgyptAir joga uma
flor das rochas no mar no Parque Estadual Brenton Point em Newport, Rhode Island
Não havia razão aparente para ele empurrar o nariz para baixo e mantê-lo ali. Quando o capitão Habashi voltou ao seu lugar, Batouti não fez menção de informá-lo de um problema. Não havia razão aparente para ele desligar os motores. Quando Habashi pediu que ele subisse, ele continuou empurrando para baixo.

Os últimos dois minutos do voo 990 guardam segredos que nos perseguirão para sempre. Como foi a bordo daquele avião enquanto ele subia ao seu último zênite desesperado, suspenso na escuridão total? Que palavras finais Habashi disse ao perceber que seu copiloto havia matado todos eles? O que aquelas 217 pessoas sentiram quando as tremendas forças G do mergulho final destruíram o avião? E, à medida que o mar subia por baixo dele, Gameel Al-Batouti lamentou o que tinha feito?

Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos) com admiralcloudberg, Wikipedia, ASN, Newsweek e Reuters

Vídeo: Catástrofes Aéreas - Voo 402 - Fokker 100 TAM

Vídeo: Mayday Desastres Aéreos - Voo TAM 402 - A Queda do Fokker 100 da TAM em São Paulo

Via Thiago Medeiros

Aconteceu em 31 de outubro de 1996: Voo TAM 402 - Tragédia em São Paulo


O Fokker 100 PT-MRK da TAM partiu no dia 31 de outubro de 1996, para realizar o voo 402 da Ponte Aérea entre São Paulo e Rio de Janeiro. Apenas 24 segundos após a decolagem, o avião caiu sobre o bairro do Jabaquara, próximo ao aeroporto de Congonhas, matando seus 96 ocupantes e três pessoas em solo.

Este acidente envolveu o autor deste Blog e do Site Desastres Aéreos, como morador de uma casa seriamente atingida pela aeronave.

Eu, Jorge Tadeu, ao lado do trem de pouso em um dos quartos de minha casa


Aconteceu em 31 de outubro de 1996: A trágica queda do voo 402 da TAM - Massacre em São Paulo


No dia 31 de outubro de 1996, o voo 402 da TAM Transportes Aéreos Regonais decolou de São Paulo, Brasil, com destino ao Rio de Janeiro com 95 pessoas a bordo. Mas apenas alguns segundos após a decolagem, o avião inclinou fortemente para a direita, mergulhou e bateu em um bairro densamente povoado, matando todos a bordo e mais quatro no solo. 

A investigação descobriu que o avião havia sido atingido por uma falha mecânica que supostamente tinha apenas uma chance em 100 bilhões de ocorrer - uma falha considerada tão rara que os pilotos não precisariam ser treinados para lidar com ela.


O voo 402 da TAM era um voo regional regular de passageiros entre São Paulo e Rio de Janeiro, no Brasil. O avião que operou este curto voo foi o Fokker 100, prefixo PT-MRK, da TAM (foto acima), um pequeno jato com motor traseiro com espaço para cerca de 100 passageiros. 

Nesta rota popular, o avião costumava estar quase cheio, e 89 passageiros e 6 tripulantes embarcaram no voo 402 na manhã do dia 31 de outubro. A tripulação era composta por um capitão muito experiente e um primeiro oficial que acabara de receber sua qualificação de tipo e tinha apenas 160 horas no Fokker 100.



O jato que eles estavam voando tinha um problema persistente, mas não identificado, relacionado aos reversores de empuxo. Os reversores são (no caso do Fokker 100) caçambas que se dobram sobre a parte de trás dos motores para redirecionar o impulso para a frente e auxiliar na frenagem. 

Para evitar que os reversores de empuxo sejam acionados no ar, um interruptor é incorporado ao sistema para garantir que o inversor de empuxo só possa ser acionado se as rodas estiverem no solo. No entanto, essa chave em algum ponto falhou no motor certo e ninguém percebeu porque a chave provavelmente nunca será usada.


No entanto, o perigo de uma chamada “falha latente” como esta é que ela remove uma camada de redundância destinada a reduzir a probabilidade de um mau funcionamento grave. Enquanto o voo 402 da TAM acelerava pela pista em São Paulo, essa falha latente se provou catastrófica. 

Naquele momento, ocorreu um curto-circuito na fiação do reversor, causando o desbloqueio do reversor. Isso normalmente faria com que um pequeno “R” aparecesse em uma tela na cabine, indicando que um reversor estava destravado, mas este aviso obscuro (que os pilotos provavelmente não teriam notado) nunca apareceu devido ao mesmo curto-circuito elétrico.

A primeira indicação de um problema na cabine foi, em vez disso, um aviso indicando uma falha com o autothrottle, que o capitão reconheceu dizendo ao seu copiloto que eles precisariam usar o impulso manual. Uma falha de autothrottle não era um problema significativo, mas o verdadeiro problema era o curto-circuito, que estava causando um aviso de falha de autothrottle, embora não houvesse realmente nada de errado com a autothrottle. 

Quando o avião decolou da pista, o curto-circuito foi capaz de contornar o interruptor de pressão inoperante e fez com que o reversor de empuxo abrisse e fechasse intermitentemente.


Com o motor direito se movendo para frente e para trás e o motor esquerdo ainda fornecendo impulso total para a frente, o avião começou a girar para a direita. Os pilotos imediatamente neutralizaram o rolamento usando os controles de voo. 

Naquele momento, mais um sistema de segurança foi ativado. Detectando que um reversor de empuxo foi implantado em voo, um sistema mecânico foi acionado para reduzir o empuxo no motor afetado puxando fisicamente a alavanca do acelerador direita para a posição de marcha lenta usando um cabo. Isso deveria ter corrigido o problema sem qualquer intervenção do piloto.


Infelizmente, não houve alarme na cabine para avisar a tripulação que um reversor de empuxo foi acionado. (Na verdade, esse tipo de alarme existia, mas foi considerado "não essencial" por causa dos sistemas de segurança projetados para mitigar tal falha e, consequentemente, não dispararia abaixo de 1.000 pés para evitar distrair a tripulação em uma fase crítica do voo).

Quando os pilotos viram que o acelerador certo estava mudando para marcha lenta, eles erroneamente acreditaram que havia uma falha no acelerador automático que estava reduzindo o empuxo para o motor certo, e que era por isso que o avião estava virando para a direita. 

Como resultado, o primeiro oficial empurrou a alavanca do acelerador direita para trás para subir o empuxo, o que foi possível porque o reversor tinha voltado para a posição fechada. No entanto, assim que o reversor voltou a “abrir”, o sistema de segurança o colocou de volta em marcha lenta. 

No entanto, assim que o reversor voltou a “abrir”, o sistema de segurança o colocou de volta em marcha lenta. Depois de repetir esse processo de ida e volta várias vezes, o primeiro oficial decidiu mudar de tática e segurou a alavanca do acelerador na potência de subida com toda a força.


À medida que o reversor girava de volta para "aberto" e o sistema de segurança puxava cada vez com mais força para tentar mover o acelerador de volta para a marcha lenta, a força combinada do primeiro oficial empurrando e puxando o atuador excedeu os limites do projeto do cabo, que quebrou em um ponto de conexão. 

Isso neutralizou o sistema de segurança e permitiu que o motor certo atingisse o empuxo total com o reversor aberto, prendendo-o na posição aberta devido à força aerodinâmica do empuxo empurrando contra ele. 

Com o motor direito totalmente à ré e o esquerdo totalmente à frente, o avião virou rapidamente para uma margem direita íngreme e mergulhou em direção ao solo. Havia pouco que os pilotos pudessem fazer, e o avião atingido bateu em um bairro residencial apenas 25 segundos após a decolagem.


O impacto foi totalmente devastador. A ala direita primeiro cortou um prédio de escritórios, arrancando o telhado e parte de uma parede. Uma fração de segundo depois, o avião atingiu uma área densa de casas de um ou dois andares, explodindo com o impacto e destruindo oito casas. 

Vários outros foram danificados e um incêndio violento irrompeu imediatamente em meio aos destroços. O trem de pouso quebrou a parede do segundo andar de um casal e parou na cama. Moradores próximos correram para escapar enquanto carros e casas queimavam ao redor deles, apenas para encontrar pedaços do avião em chamas bloqueando a rua.


Quando os serviços de emergência garantiram o local e apagaram o incêndio, ficou claro que nenhum dos 95 passageiros e tripulantes havia sobrevivido. Quatro pessoas no solo também morreram, mas poderia ter sido muito pior: o avião perdeu por pouco uma escola primária onde a aula da manhã havia acabado de começar. 

Mesmo assim, 99 pessoas morreram e muitas perguntas sem resposta permaneceram. Depoimentos de testemunhas anteriores apoiaram a ideia de que um reversor de empuxo foi implantado, e isso foi confirmado posteriormente. Havia apenas um problema: de acordo com Fokker, o fabricante, as chances de um reversor de empuxo ser implantado em voo eram supostamente uma vez a cada 100 bilhões de horas de voo.


O que a investigação descobriu foi que esse número não era exato. Ele não levou em consideração a possibilidade de uma falha latente de uma das camadas de proteção que poderia remover a redundância por um longo período de tempo. Ele também não considerou a possibilidade de que as ações da tripulação pudessem substituir o sistema que move o acelerador para marcha lenta. 


Considerando esses fatores, a probabilidade de uma implantação de reversor de empuxo não comandada era realmente muito maior. Mas porque a probabilidade de falha foi avaliada em um em 100 bilhões, Fokker avisou as companhias aéreas que não era necessário treinar os pilotos como responder a uma implantação de reversor em voo no Fokker 100. 

E com todos os sistemas de segurança em funcionamento para mitigar os efeitos de uma implantação não comandada, combinada com a improbabilidade da falha, o alerta da cabine foi classificado como “não essencial”, evitando que os pilotos soubessem o que estava acontecendo.


O resultado disso foi que, quando o evento improvável realmente aconteceu, os pilotos não sabiam o que estava acontecendo ou o que esperar de seu avião. Eles identificaram a causa do problema incorretamente e pensaram que um sistema de segurança que estava tentando salvá-los era na verdade um defeito. 

Isso foi fatal, pois os pilotos inadvertidamente voaram com seu avião para o solo e anularam a tentativa de detê-los. Tragicamente, se Fokker tivesse feito uma matemática melhor, 99 pessoas ainda estariam vivas.


Após o acidente, os investigadores recomendaram que os pilotos fossem treinados para lidar com implantações de reversor de empuxo não comandadas e que um aviso fosse instalado para alertá-los se um reversor fosse acionado em voo. 

Embora os problemas que levaram a essas recomendações fossem exclusivos do Fokker 100, há um outro caso conhecido de implantação espontânea de reversor de empuxo em voo. 

Em 1991, o voo 004 da Lauda Air sofreu uma falha repentina do reversor durante um voo de cruzeiro sobre a Tailândia. Em altas velocidades e altitudes elevadas, esta falha provou ser irrecuperável, e o avião imediatamente entrou em um mergulho em saca-rolhas e se partiu no ar, matando todas as 223 pessoas a bordo. 

A diferença entre aquele acidente e o voo 402 da TAM é que, neste último caso, o acidente seria facilmente evitável se os pilotos soubessem o que estava errado. No voo 004, os pilotos sabiam exatamente o que havia de errado, mas não conseguiram salvar o avião.


Uma das lições mais críticas para aprender com a queda do voo 402 é a importância - e a dificuldade - de prever com precisão os modos de falha. Existem muitas falhas possíveis em uma aeronave que são consideradas tão improváveis ​​que não são uma preocupação. A maioria deles nunca ocorrerá. 

Mas deixar de considerar todos os fatores ao fazer cálculos de probabilidade pode colocar uma falha na categoria errada, e o voo 402 mostrou que isso pode ter consequências mortais. Embora esta série geralmente enfatize as etapas para evitar a repetição de acidentes depois que um já ocorreu, este acidente destaca a análise preventiva de falhas - e o valor de acertar antes que qualquer vida seja perdida.


Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos)

Com Admiral Cloudberg, Wikipedia e ASN - Imagens: FAA, Normando Carvalho Jr., e Airlive. Clipes de vídeo cortesia de Mayday (Cineflix)

Vídeo: Mayday Desastres Aéreos - American Eagle 4184 Fenômenos Climáticos


Aconteceu em 31 de outubro de 1994 - A queda do voo American Eagle 4184 - Terror Congelado


Em 31 de outubro de 1994, o voo 4184 da American Eagle estava se aproximando de Chicago O'Hare quando foi atrasado pelo tempo. O avião circulou em um padrão de espera sobre o noroeste de Indiana, esperando permissão para pousar. De repente, a aeronave inclinou-se bruscamente para a direita, capotou e mergulhou direto para o solo.

O voo 4184 caiu fora de Roselawn, Indiana, matando todas as 68 pessoas a bordo. O acidente logo se tornou famoso nos círculos da aviação, pois a investigação revelou uma falha de projeto mortal com o avião que deixou os pilotos sem esperança de recuperação.


O voo 4184 da American Eagle era operado pelo ATR 72-212, prefixo N401AM (similar ao da foto acima), de construção francesa operando em um voo regular de Indianápolis, em Indiana, para Chicago, em Illinois, no Halloween de 1994. 

No comando do voo estavam o Capitão Orlando Aguilar e o Primeiro Oficial Jeffrey Gagliano, junto com dois comissários de bordo, incluindo Amanda Holberg, de 23 anos, para quem este voo foi seu primeiro trabalho. 

As condições meteorológicas na região naquela tarde eram ruins, com nuvens de até 300 metros e chuva congelante. Pilotos próximos relataram acúmulo moderado de gelo em suas aeronaves. 

O tempo estava causando atrasos no Aeroporto Internacional O'Hare de Chicago, forçando os controladores de tráfego aéreo a colocar o voo 4184 em um padrão de espera a uma altitude de 10.000 pés. O avião permaneceu neste padrão de espera por 32 minutos, voando pernas de 16 quilômetros em torno de um cruzamento no noroeste de Indiana.


Cada vez que o avião contornava o padrão de espera, ele entrava novamente na zona em que as condições de gelo estavam presentes. O gelo era considerado moderado, mas, na verdade, o avião estava voando por um tipo de precipitação mal compreendido, chamado de "grandes gotas super-resfriadas". 

Essas gotículas de água, que na verdade são muito menores do que as gotas de chuva, se formam nas nuvens quando a temperatura do ar está em torno de zero. Eles congelam quando entram em contato com uma superfície fria como a asa de um avião. 

O ATR-72 possui botas de degelo nas bordas dianteiras de suas asas que inflam e quebram o gelo acumulado. Mas o perigo único das gotas grandes super-resfriadas é que elas não congelam imediatamente ao entrar em contato com a borda de ataque; na verdade, eles deslizam de volta para o topo da asa antes de congelarem. Isso fez com que o gelo se acumulasse em uma área da asa que a bota de degelo não conseguia alcançar, ficando mais espessa cada vez que o avião voltava para a zona de gelo.


Durante a espera, os pilotos discutiram o acúmulo de gelo e pareceram estar cientes disso, mas acreditaram que ficariam bem porque haviam ativado o sistema de degelo. Durante a espera, eles mantiveram um ambiente descontraído, até mesmo ouvindo música e conversando com a comissária de bordo novata Amanda Holberg dentro da cabine. 

A certa altura, eles decidiram estender os flaps para corrigir uma ligeira atitude alta do nariz, no interesse do conforto dos passageiros. Sem o conhecimento de Aguilar e Gagliano, isso teve o efeito de mover o local onde o gelo estava se formando na asa.

O enorme acúmulo de gelo fora do alcance do sistema de degelo estava alterando o fluxo de ar no topo das asas, causando um vórtice horizontal perto da parte de trás da asa, mas a nova localização da crista de gelo também moveu o vórtice em um posição muito mais perigosa.


Depois de se manter a 10.000 pés por 32 minutos, o voo 4184 foi autorizado a descer para 8.000 pés. Durante a descida, os pilotos receberam um aviso de sobrevelocidade por estarem voando muito rápido com os flaps estendidos. 

Eles retraíram os flaps para corrigir a situação de excesso de velocidade e continuaram a descer. Quando eles retraíram os flaps, o piloto automático inclinou o nariz do avião 5 graus para cima a fim de manter a razão de descida predefinida. Isso teve a infeliz consequência de mover o vórtice no topo dos ailerons do avião, que controlam o ângulo de inclinação. (O vórtice provavelmente teria ficado longe dos ailerons se a posição dos flaps não tivesse sido alterada em primeiro lugar.)


O vórtice giratório empurrou para cima os ailerons da asa direita, mas não da esquerda, fazendo com que o avião subitamente se inclinasse para a direita. O avião estolou imediatamente sem nenhum aviso, o piloto automático desconectou e o voo 4184 começou a despencar a oitenta graus de inclinação lateral. 

Os pilotos, pegos de surpresa, lutaram para nivelar novamente. Mas a força que empurrava o aileron para cima era tão grande que, como o avião não tinha controles de voo potentes, nem mesmo seus músculos combinados foram inicialmente capazes de superá-la. No entanto, ao apontar o nariz para baixo e empurrar suas colunas de controle com força para a esquerda, os pilotos começaram a se recuperar do estol.


Mas, à medida que eles se nivelaram, o ângulo de ataque atingiu novamente cinco graus com o nariz para cima e o vórtice atingiu uma segunda vez. O aileron direito desviou para sua posição máxima, e o avião virou sobre seu teto, completando uma aterrorizante rotação de 450 graus antes de mergulhar direto para o solo. 

Mais uma vez, os pilotos conseguiram corrigir a rolagem, mas agora se encontravam em um mergulho íngreme de mais de 70 graus com o nariz para baixo. Lentamente, mas com segurança, eles começaram a se retirar, aumentando a inclinação para -60 graus, depois para -50. 

A 1.700 pés, eles desceram pelo fundo das nuvens. Vendo o solo se aproximando rapidamente, o primeiro oficial soltou um palavrão e tentou puxar o nariz para cima ainda mais rápido.


Infelizmente, simplesmente não havia espaço suficiente para realizar a manobra. Pouco antes de atingir o solo, os pilotos puxaram com tanta força que a força realmente arrancou as pontas das asas e o estabilizador horizontal do avião. 

Meio segundo depois, o voo 4184 atingiu o campo de um fazendeiro, destruindo a aeronave e matando todas as 68 pessoas a bordo. 

Os pilotos fizeram um esforço monumental para salvar o avião, mas não havia nada que eles pudessem ter feito. Se tivessem mais dois ou três mil pés de altitude, poderiam ter arrancado a tempo, mas não o fizeram; a partir do momento em que o vórtice interrompeu o fluxo de ar, o voo estava condenado.


Várias pessoas fora de Roselawn, Indiana, testemunharam o acidente ou ouviram falar em minutos e correram para o local em busca de sobreviventes. Entre eles estava Les Smith, que ouviu relatos de um acidente perto de sua casa enquanto ouvia um scanner da polícia. Ele foi um dos primeiros a chegar ao local e descobriu que muito pouco restava do avião. 

“Era como se tudo fosse confete”, disse Smith à Associated Press. “Você sabia pelos escombros que era um avião grande, mas não havia avião grande. Não havia bagagem, nem bolsa, nem roupa.″ 


Voltando para casa da missão infrutífera, Smith falou com sua filha de 16 anos, que estava esperando por notícias. “Ele disse que não há ninguém para ajudar. Eu disse que deve haver alguém lá ”, disse ela à AP. “Eu disse a ela que não há sobreviventes”, acrescentou Smith. “Não havia corpos, como poderia haver sobreviventes?” 

Na verdade, os corpos foram tão pulverizados e espalhados que o local logo foi declarado um risco biológico.


Conforme os investigadores mergulharam na sequência de eventos que levaram ao acidente, eles descobriram que o acidente do Roselawn não era simplesmente o resultado de pilotos reagindo incorretamente às condições de gelo, que haviam sido a história em muitos acidentes relacionados ao clima em todo o mundo. 

Na verdade, apesar de sua atmosfera de cabine pouco ortodoxa, os investigadores não conseguiram encontrar nenhuma ação incorreta do capitão Aguilar e do primeiro oficial Gagliano que contribuiu para o acidente. 


A atenção acabou voltando-se para o fabricante da aeronave, a francesa e italiana Avions de Transport Régional, que tentou culpar a tripulação pelo acidente. Foi descoberto que o ATR provavelmente sabia sobre a vulnerabilidade única do avião ao gelo nas asas, mas não forneceu nenhuma informação sobre isso aos pilotos e companhias aéreas. 

Também foi descoberto que a Federal Aviation Administration tinha simplesmente "carimbado" os resultados dos testes de aeronaves pelas autoridades francesas quando certificou o modelo para voar nos Estados Unidos.

Acima está uma imagem do Aero Transporti Italiani ATR-41 que caiu em 1987
Além disso, houve uma série de incidentes anteriores envolvendo o ATR-72 (e seu primo menor, o ATR-42) que foram quase idênticos, incluindo um quase acidente em Wisconsin e um acidente nos Alpes italianos que matou 37 pessoas. Este último havia sido considerado gelo exacerbado por erro do piloto, mas no segundo exame parecia ser quase igual ao voo 4184 da American Eagle. 

A lição era clara: o ATR-72 e o ATR-42 não eram seguros em condições de gelo. A Administração Federal de Aviação emitiu uma diretriz de aeronavegabilidade proibindo essas aeronaves de voar em condições conhecidas de formação de gelo até que alguma solução fosse encontrada.


Depois que os resultados da investigação foram publicados, a ATR modificou o projeto de sua aeronave para aumentar as botas de degelo e emendou seus manuais para enfatizar que os pilotos não deveriam usar os flaps ou o piloto automático durante o voo em condições de gelo. 

No entanto, muitas companhias aéreas regionais nos Estados Unidos que dependem de aeronaves ATR pararam de usá-las em rotas no norte, mudando-as para rotas no sul, onde o gelo é raro.


Em um novo capítulo potencial da história, em fevereiro de 2018, um ATR-72 operando o voo 3704 da Iran Aseman Airlines (foto acima) colidiu com uma montanha ao se aproximar de Yasuj, no Irã, matando todas as 66 pessoas a bordo. 

Os resultados preliminares da investigação revelam que o avião estava voando em condições de gelo quando caiu. Ainda não há consenso sobre como exatamente o gelo causou o acidente, mas é possível que o voo 3704 da companhia aérea Iran Aseman possa fornecer lições adicionais que se baseiam nas aprendidas com o acidente em Roselawn.


A queda do voo 4184 da American Eagle teve impactos adicionais menos relacionados ao campo da aeronáutica. As famílias das vítimas ficaram horrorizadas com a resposta, na qual a companhia aérea ficou responsável por lidar com parentes dos passageiros. 

A companhia aérea recebeu informações sobre a investigação em andamento que não deu às famílias. Os familiares que visitaram o local do acidente meses depois foram perturbados ao encontrar restos humanos ainda no local e descobriram que outros restos mortais não identificados foram enterrados sem seu conhecimento. 


Como resultado, parentes daqueles que morreram em Roselawn fizeram lobby com sucesso para que a legislação tornasse o processo de lidar com parentes próximos em situações de desastre mais eficaz e transparente, leis que amenizaram situações traumáticas para muito mais pessoas nos 24 anos desde a tragédia no voo 4184 da American Eagle.

Edição e texto e imagens por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos)

Com Admiral Cloudberg, ASN, Wikipédia - Imagens: The Flight Channel, Carsten Sekula, Indianapolis Star, Wikipedia, baaa-acro e Jennifer Stansberry Miller - Clipes de vídeo: Cineflix