Um acordo milionário no começo deste mês entre duas gigantes tecnológicas -Microsoft e Embraer- impediu o que poderia ser a estreia da primeira lei de competição injusta dos EUA.
Há um ano, a empresa de Bill Gates acusou a quarta maior produtora de aviões do mundo, com sede no Brasil, de usar programas de computador sem pagar pelas licenças, e de usar produtos "piratas".
Além de notificar a Embraer, a Microsoft fez uma denúncia à Procuradoria Geral de Washington, Estado que em 2011 aprovou o "Unfair Competition Act", lei que pune empresas que utilizam softwares pirateados ou sem licença proibindo-as de fazer negócios em seu território.
O caso não chegou a virar processo. Foi resolvido no último dia 6 de abril, quando a Embraer desembolsou a quantia que a Microsoft lhe pedia, diz a procuradoria geral de Washington.
A Folha apurou que o valor do acordo está na casa dos US$ 10 milhões (cerca de R$ 20 milhões). O lucro líquido da Embraer em 2012 foi de R$ 697,8 milhões. O acordo entre as duas empresas foi feito na fase que precede o processo judicial.
A Embraer nega que usasse tecnologia pela qual não pagava (leia texto nesta página) e diz que o acordo com a Microsoft não teve participação da procuradoria.
"Não podemos comentar especificidades desse caso, mas estamos felizes de dizer que a Embraer tomou todas as medidas apropriadas para o pleno cumprimento da lei", diz a Microsoft em nota.
Caso tivesse ido aos tribunais e fosse condenada, a firma brasileira estaria sujeita a pagar multas e ser proibida de vender aeronaves em Washington e possivelmente em outros 37 dos 50 Estados americanos, que assinaram carta de concordância sobre o tema, disse o procurador-geral
do Estado em ofício.
Correspondência
A Folha teve acesso a três missivas que o procurador-geral de Washington, Rob McKenna, enviou no último ano ao CEO da Embraer, Frederico Pinheiro Fleury Curado.
Na primeira delas, de 10 de maio de 2012, McKenna encaminha uma notificação à sede da Embraer. Explica que a Microsoft lhe enviara uma acusação e um relatório com irregularidades em escritórios da Embraer, nos EUA e em outros países. "Suas ações potencialmente submetem sua empresa a regras federais, além das estaduais", adverte McKenna.
Seis meses depois, em carta de 14 de novembro, o procurador se refere a uma auditoria feita pela Price Waterhouse Coopers, a pedido da Microsoft, que "substancialmente atesta a veracidade das alegações [da denúncia de irregularidade]". "Entretanto, não vimos nenhuma evidência da Embraer que questione as conclusões da Price Waterhouse Coopers ou as evidências em que essas conclusões são baseadas."
A Folha apurou que, entre o material encontrado na auditoria, havia cópias irregulares de pacotes Windows e mais de um computador usando a mesma cópia legal de um programa -o que, segundo a Microsoft, configura apropriação indevida de propriedade intelectual.
Em todas as correspondências, o procurador roga que, se a empresa brasileira tiver provas para se defender, as envie para análise. O órgão estabelece dia 31 de dezembro de 2012 como limite. "Depois deste período, focaremos nas possíveis violações da RCW 19.330 [código da lei de competição injusta]."
"Estávamos dispostos a fazer a lei valer", diz a porta-voz da procuradoria Janelle Guthrie. "Felizmente, não foi preciso."
"A lei é clara. Se uma empresa viola os termos de competição justa, não pode vender seus produtos dentro do Estado de Washington até se regularizar, comprando as licenças e pagando eventuais multas", diz o advogado americano Robert Dusunowitz.
OUTRO LADO
A Embraer nega que tenha usado software pirata ou sem licença. O acordo selado em 6 de abril com a Microsoft é, segundo a empresa brasileira, "resultado de uma discussão comercial entre cliente e fornecedor sobre a interpretação dos termos de um contrato em vigência, não havendo qualquer vinculação com o chamado 'Unfair Competition Act' [lei da competição injusta]".
Leia o posicionamento da Embraer:
"Não houve nem há qualquer ação judicial contra a empresa movida pela Microsoft, nos EUA ou em qualquer outro país.
Para esclarecer questionamentos feitos pela Procuradoria Geral do Estado de Washington sobre o episódio enquanto as negociações seguiam em curso, a Embraer prestou informações reiterando os termos comerciais da disputa e reafirmando a ausência de relação com o 'Unfair Competition Act'.
A procuradoria, contudo, não teve participação na negociação e/ou na celebração do acordo, que se deu somente entre Embraer e Microsoft como resultado das discussões que já estavam em curso.
Após a assinatura do acordo, a procuradoria, por mera liberalidade, foi comunicada em consideração à presença da Microsoft naquele Estado.
Como muitas outras empresas, a Embraer licencia softwares da Microsoft para suas diversas necessidades de sistemas operacionais e programas de tecnologia da informação -e o faz há décadas, com contratos pelos quais a empresa já pagou milhões de dólares.
Atualmente, a Embraer possui licenças para softwares Microsoft em milhares de computadores em suas unidades de todo o mundo.
A Embraer repudia veementemente qualquer sugestão de que possa ter pirateado ou se apropriado indevidamente de software da Microsoft, sua parceira comercial de longa data.
Esta caracterização é inverídica, enganosa e desprovida de fundamento.
A Embraer atua, em todas as suas relações, de forma idônea e com respeito à legislação."
ENTENDA O CASO
2.mai.2012
Microsoft avisa à Embraer que a empresa brasileira estaria usando seus produtos sem pagar licenças, e denuncia o caso para a procuradoria geral do Estado de Washington.
10.mai.2012
O procurador do Estado de Washington manda ofício para a Embraer dizendo estar atento ao caso.
12.jun.2012
A Microsoft envia um termo de acordo para a Embraer, com todos os programas usados sem licença e o total da dívida.
14.nov.2012
O procurador manda mais uma carta para a Embraer dizendo ter sido informado de que a empresa brasileira rejeitara os termos de acordo da Microsoft.
31.dez.2012
Prazo final para a Embraer apresentar defesa. Procurador anuncia que iria focar "nas possíveis violações da lei de competição injusta do Estado".
6.abr.2013
A Embraer cede e paga o que a Microsoft pedia. A Folha apurou que o acordo esteve na casa dos US$ 10 milhões.
Fonte: Chico Felitti (jornal Folha de S.Paulo)