Avião mais eficiente
Uma equipe da Escola de Engenharia de São Carlos (SP) apresentou um novo conceito de aeronave comercial que apresenta novos rumos para a confecção de aviões de grande porte para passageiros.
Um protótipo em escala 28 vezes menor foi construído para os primeiros testes em túnel de vento.
Comparado aos grandes jatos convencionais, o modelo de avião proposto traz uma redução de cerca de 12% no combustível queimado. Porém, pode ser alcançada uma economia de até 30% usando combustíveis alternativos e materiais mais leves previstos para serem usados pela indústria aeronáutica nos próximos 20 anos.
Como o foco é a eficiência, o novo avião alcança um desempenho semelhante aos atuais em termos de velocidade, mas com maior economia. Isso significa também que os trajetos poderiam ser mais longos do que aviões do mesmo porte - com 180 passageiros - já que haveria menos necessidade de abastecimento com a mesma capacidade de combustível no tanque.
Os pesquisadores estão trabalhando em conjunto com a Embraer (Imagem: Pedro Bravo-Mosquera/EESC-USP) |
Asas em caixa
Um dos destaques do projeto está nas asas em forma de caixa, que não são exatamente uma novidade, mas muito pouco comuns. O modelo 14-bis, de Alberto Santos Dumont, tinha asas assim, sendo que elas já haviam sido testadas em 1893 pelo engenheiro inglês Lawrence Hargrave na confecção de pipas. O conceito aerodinâmico das asas em caixa, no entanto, foi apresentado apenas em 1924 pelo físico alemão Ludwig Prandtl.
"Ele apresenta o benefício de diminuição do arrasto induzido quando há duas asas conectadas às pontas. Existe um fenômeno de vórtice de ponta em uma asa normal que pode ser reduzido se conseguirmos fazer asas mais longas, ou com uma superfície vertical na ponta delas," explicou o professor Pedro Mosquera. Esses vórtices são gerados pela própria sustentação das asas, mas exercem uma força contrária ao movimento do objeto que está voando.
As asas de qualquer avião são levemente voltadas para cima, para cria uma diferença de pressão entre a parte superior e a parte inferior. Como a pressão na parte de cima da asa é menor do que na de baixo, a força resultante joga o avião para cima, dando-lhe sustentação. Quando esse ar pressionado debaixo das asas escoa pelas laterais para a parte de cima, formam-se grandes redemoinhos nas pontas. Isso introduz uma força contrária ao movimento do avião, induzida pela sustentação das asas: Quanto maior a sustentação, maior é o arrasto induzido. Esse efeito é evitado quando há uma dobra voltada para cima nas extremidades.
O conceito de asas em caixa também permite a construção de aviões mais leves. "O 14-bis só voou por causa da união das duas asas feita com uma superfície que estava atrás do centro de gravidade. Não se tinha ideia disso, mas essas asas juntas, com essa superfície que tem algum tipo de efeito aerodinâmico, dão uma rigidez muito grande. Duas asas sozinhas seriam muito flexíveis, a não ser que houvesse uma estrutura muito grande em cada uma delas. Unindo as pontas ou fazendo uma caixa, isso fica muito mais resistente," explicou o professor Fernando Catalano, membro da equipe.
Leia também: Aviões vão passar de tubo com asas para caixa com asas.
Ingestão de camada limite
Outro conceito inovador usado no projeto do avião é a chamada ingestão de camada limite. A aplicação desse conceito em aviões de passageiros foi apresentada por engenheiros do MIT em 2017. Desde então, ele tem sido testado em projetos conceituais pela NASA.
Quando um avião voa, quatro forças atuam nele: O empuxo faz a nave ir para frente, o arrasto desacelera, o peso empurra para baixo e a sustentação nas asas compensa o peso para mantê-lo no ar.
Com as técnicas usadas atualmente, somente motores muito grandes poderiam diminuir o consumo de combustível. Esse aumento de tamanho, entretanto, traz outros problemas. "O motor maior vai ocupar uma área maior, o que vai produzir mais arrasto em um voo. Ele também vai ser mais pesado e, para levantar esse peso, é preciso mais sustentação. O arrasto induzido é a sustentação ao quadrado. É um efeito bola de neve. É importante saber parar para pensar uma configuração ao nível da tecnologia que temos atualmente," explicou Pedro.
O novo projeto trabalha com outra ideia. Com o avião em movimento, as moléculas de ar ao redor se agrupam devido ao atrito com a superfície. Isso forma uma camada de ar com velocidade reduzida próxima à aeronave, o que aumenta a espessura total de deslocamento do objeto através do ar. Na parte da frente do avião, essa camada de ar é zero, mas vai ficando mais espessa quanto mais as moléculas de ar batem sobre a fuselagem.
Nos aviões de passageiros convencionais, os motores ficam distantes do corpo para evitar que esse fluxo caótico de ar ao longo da estrutura seja aspirado e danifique o propulsor. No entanto, a tecnologia explora a possibilidade de incorporar motores na parte de trás da aeronave, sugando o fluxo de ar da superfície. Essa configuração exige um ventilador mais robusto, capaz de corrigir os turbilhões antes que eles alcancem o propulsor.
"Os vetores de velocidade que entram no motor são completamente perturbados. Uma das etapas seguintes de pesquisa é justamente pesquisar compressores que ajudem esses vetores de velocidade a serem apropriados para o correto funcionamento do motor," explica o pesquisador.
Teste em túnel de vento
Antes de fabricar um avião, parte dos testes são feitos em simuladores computacionais. Em seguida, uma miniatura precisa ser testada em um túnel de vento. No ambiente controlado do túnel, o vento passa como se o modelo, que fica parado, estivesse voando. Nessa etapa, uma balança mede o arrasto, a sustentação e outras forças que atuam sobre o protótipo em escala menor.
Dessa forma, é possível simular a aeronave subindo, descendo, virando, rolando e em outras condições. Os pesquisadores também medem a pressão exercida na asa e visualizam o escoamento de ar, o que permite corrigir efeitos não previstos nas simulações computacionais.
O projeto já atingiu o nível três na métrica de prontidão tecnológica TRL (Technology Readiness Level), uma escala desenvolvida pela NASA para avaliar a maturidade de uma determinada tecnologia. Quando atinge o nível quatro, o mais alto alcançado exclusivamente pelas universidades, a tecnologia precisa ser submetida a testes pela indústria.
Atualmente, a equipe está desenvolvendo quatro projetos de avião com a Embraer. O sucesso completo é alcançado no nível nove do TRL, quando a tecnologia está implementada e é comprovadamente eficaz, um processo que normalmente leva de 10 a 15 anos.
O Brasil é um dos poucos países que concebe, projeta, constrói, certifica e vende aviões comerciais. De acordo com a plataforma alemã Statista, a indústria aeronáutica brasileira foi a 11ª maior exportadora do mundo em 2021, à frente das de Israel, Países Baixos, Suíça e Japão.
Via Site Inovação Tecnológica com informações do Jornal da USP
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