Porto japonês não era a primeira escolha para ataque nuclear, mas uma mudança nas circunstâncias e escolhas de última hora condenaram a cidade.
|
Joji Fukahori, de 14 anos, estava estudando em sua escola secundária, a quase três quilômetros do epicentro, em 9 de agosto de 1945. Embora ele tenha sobrevivido, sua mãe, irmã e um irmão mais novo morreram instantaneamente. Uma semana depois, o outro irmão sobrevivente ordenou que Fukahori não morresse também, antes de ele mesmo morrer (Foto: Hiroki Kobayashi) |
Passados dois minutos após as 11 horas da manhã do dia 9 de agosto de 1945, uma bomba atômica explodiu sobre a cidade japonesa de Nagasaki. Naquele momento, Kazumi Yamada, um menino de 12 anos, havia finalizado seu dia de trabalho como entregador de jornais e voltava para casa. Naquela manhã, alguns de seus amigos foram nadar em uma lagoa, mas Yamada tinha que terminar seu serviço e não os acompanhou. Yamada sobreviveu ao ataque a Nagasaki. Os amigos morreram em decorrência dos ferimentos causados logo após o lançamento da bomba.
Uma escolha tão corriqueira, nadar ou entregar jornais, dificilmente pareceria ser uma decisão de vida ou morte, mas naquele dia, estava destinada a ser. A história de 9 de agosto de 1945, em Nagasaki, está repleta de momentos semelhantes: coincidências e reviravoltas do destino que levaram à devastação do porto japonês, que quase chegou a não ser o local do segundo e último ataque nuclear do mundo.
A escolha do alvo
Na primavera de 1945, o exército dos Estados Unidos cogitava diferentes alvos para o primeiro lançamento da bomba atômica naquele verão. Entre abril e junho, líderes militares criaram uma longa lista de cidades japonesas considerando três critérios: em primeiro lugar, as cidades precisavam ser grandes, com extensões maiores do que 4,8 quilômetros e populações consideráveis; em segundo lugar, precisavam ter “alto valor estratégico”, ou seja, instalações militares de algum tipo; e por fim, precisavam ter escapado da campanha bélica de bombardeios dos Estados Unidos iniciada em março de 1945.
Pouquíssimas regiões atendiam a todos os quesitos: algumas delas eram Quioto, Hiroshima, Kokura e Niigata. Ao fim de maio de 1945, essas cidades haviam se tornado as finalistas e, dentre elas, Quioto e Hiroshima eram os dois alvos mais cotados. Nenhum avião B-29 dos Estados Unidos havia bombardeado essas regiões. Uma cidade intacta conseguiria demonstrar melhor a capacidade destrutiva das bombas atômicas.
Cidade portuária
|
Uma fotografia pré-guerra do vibrante distrito comercial do centro de Hiroshima, perto do centro da cidade, voltado para o leste |
Nagasaki está situada entre duas montanhas na costa oeste de Kyushu, uma das cinco principais ilhas do Japão. É uma das cidades portuárias mais antigas do Japão e uma das primeiras a abrir as fronteiras para o comércio ocidental. Comerciantes e missionários portugueses chegaram a essa cidade no século 16 e introduziram o catolicismo na cidade. A fé se popularizou apesar da oposição do imperador, que expulsou os missionários estrangeiros e perseguiu moradores católicos. Os fiéis de Nagasaki prosseguiram com sua religião em segredo, reafirmando publicamente sua fé quando o Japão abriu totalmente suas fronteiras com o Ocidente no século 19.
Devido ao seu excelente porto e seu êxito como porto aberto, Nagasaki desenvolveu uma robusta indústria naval e um próspero centro de comércio. Durante a Segunda Guerra Mundial, a cidade produzia armamento bélico para os militares japoneses. Havia duas fábricas de munições na cidade: a Mitsubishi Steel and Arms Works e a Mitsubishi-Urakami Torpedo Works.
Apesar da presença de alvos militares, Nagasaki não foi escolhida para ser uma das cidades-alvo dos Estados Unidos em maio de 1945. A cidade constava em uma lista anterior do mês de abril, mas havia sido retirada. A geografia montanhosa da cidade e a presença de um campo de prisioneiros de guerra tornaram-na um alvo pouco ideal para a bomba atômica e as autoridades dos Estados Unidos já tinham outras quatro cidades candidatas adequadas aos seus propósitos.
|
Vista da bomba atômica ‘Fat Man’, do tipo que os EUA lançaram em Nagasaki (Foto: Getty Images) |
A última da lista
No início de junho, o destino de Nagasaki mudou. Henry Stimson, Secretário de Guerra dos Estados Unidos, queria que Quioto fosse retirada da lista de alvos, alegando que a cidade possuía uma importância cultural para os japoneses grande demais para ser destruída. Alguns afirmam que sua afeição pessoal pela cidade — ele a visitou na década de 1920 e talvez tenha viajado em lua de mel para lá — foi a verdadeira razão pela qual ele apelou a Harry Truman, presidente dos Estados Unidos, para retirar Quioto da lista.
|
Ordem de Operações nº 39 para o bombardeio de Nagasaki |
Não foi escolhida uma substituta até um dia antes da ordem oficial de ataque. Foi encontrada uma anotação datada de 24 de julho de 1945 escrita à mão: “e Nagasaki” em um rascunho da ordem de ataque. A cidade foi oficialmente adicionada à lista em 25 de julho. A cidade portuária estava no fim da lista, sua quarta posição a colocava no último lugar.
Nove de agosto de 1945
|
O Boeing B-29 Superfortress "Bockscar" (Foto: USAAF) |
Bombas atômicas precisavam ser lançadas visualmente e não podiam depender de radares, o que exigia boas condições atmosféricas. Após o bombardeio de Hiroshima em 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos planejavam lançar a próxima arma atômica em 10 de agosto, mas uma previsão de céu nublado constante os fez antecipar seus planos.
Assim, o ataque foi adiantado para 9 de agosto e a bomba oval de plutônio “Fat Man” foi montada às pressas e foi carregada no bombardeiro B-29 denominado Bockscar. A missão decolou da Ilha Tinian às 03h47 da madrugada e voou em direção a Kokura, o alvo pretendido.
|
A tripulação do Boeing B-29 Superfortress "Bockscar" (Foto: USAAF) |
Também localizada na ilha de Kyushu, Kokura havia sido selecionada por guardar o imenso arsenal do Exército Imperial Japonês. O Bockscar chegou a Kokura por volta das 10 horas da manhã, mas havia pouca visibilidade sobre a cidade. Em busca de algum espaço entre as nuvens, o avião circulou a cidade por três vezes, mas Kokura nunca ficou claramente visível. Por volta das 10h45, a equipe desistiu de Kokura e voou para o sul em direção a Nagasaki.
|
Os ponteiros deste relógio de bolso recolhido em Nagasaki pararam às 11h02 da manhã —momento da explosão da bomba atômica em 9 de agosto de 1945 (Foto: Hiroki Kobayashi)
|
Quando Kazumi Yamada voltava para casa após entregar jornais em 9 de agosto, Matsuyoshi Ikeda, aluno da segunda série, estava na escola com seus colegas de classe e Sachiko Matsuo, com 11 anos, estava com a família em um abrigo fora da cidade. No início daquela semana, o pai dela havia partido com a família porque acreditava em um ataque americano iminente. Sachiko e alguns familiares estavam cada vez mais inquietos nas montanhas e queriam voltar para casa, mas seu pai insistiu para que ficassem antes de sair para trabalhar na cidade naquela manhã.
|
Grande nuvem ainda no céu de Nagasaki 15 minutos após a detonação da bomba atômica (Foto: Prisma Bildagentur, Universal Images Group, Getty Images)
|
Às 11h02, a manhã deles foi interrompida por um clarão branco ofuscante no céu. A bomba de plutônio jogada pelos Estados Unidos lançou mais de 21 quilotons de potência, devastando Nagasaki e matando 70 mil pessoas quase instantaneamente. Ikeda foi um dos raros 47 sobreviventes de sua escola de ensino fundamental; 1,4 mil alunos morreram e outros 50 não foram encontrados.
|
A bomba “Fat Man” (Homem Gordo) destruiu grande parte das residências de madeira de Nagasaki, deixando em pé apenas algumas construções de concreto armado da cidade, apesar dos danos. A topografia montanhosa de Nagasaki conteve grande parte da força destrutiva da bomba em cerca de cinco quilômetros quadrados (Foto: Bridgeman Images) |
Milhares de pessoas morreram nos dias e semanas seguintes devido aos ferimentos e aos efeitos devastadores do envenenamento por radiação. O pai de Matsuo foi uma dessas pessoas; ela o viu sucumbir, testemunhando a queda de seus cabelos e o enfraquecimento de seu corpo. Ele morreu uma semana após o ataque.
|
Imagens revelam monstruosidade dos ataques com armas nucleares a Hiroshima e Nagasaki |
As encostas ao redor de Nagasaki contiveram grande parte da fúria da bomba, limitando a devastação física aos bairros localizados dentro do vale.
Embora tenha havido danos e destruição nos alvos militares, as áreas civis próximas ao foco da explosão foram arrasadas: a bomba destruiu residências, hospitais, faculdades, escolas e espaços sagrados como o Santuário Xintoísta de Sanno e a Catedral de Urakami, uma igreja católica romana.
Obstinada
Nos 75 anos desde o ataque, Nagasaki foi reconstruída e voltou a ser um porto próspero. Memoriais em homenagem às vítimas de 9 de agosto de 1945 estão por toda a cidade. Na Escola de Ensino Fundamental de Shiroyama, uma placa exibe os nomes dos colegas mortos de Matsuyoshi Ikeda.
Descendente de católicos japoneses forçados a esconder sua fé, Sachiko Matsuo contou mais tarde como foi desolador testemunhar a destruição da cidade e da Catedral de Urakami, localizada a cerca de 500 metros do marco zero da explosão. Hoje, foi restaurada a casa de oração, onde são realizadas missas em memória dos mortos de 9 de agosto de 1945.
|
No dia 9 de cada mês, os católicos da Catedral de Urakami, em Nagasaki, realizam uma missa e rezam em memória das vítimas da bomba atômica. A bomba atômica foi detonada no centro da comunidade católica no bairro de Urakami (Foto: Hiroki Kobayashi) |
O Santuário Xintoísta de Sanno, localizado a cerca de 800 metros do local da explosão, foi reduzido a cinzas pela bomba. Carbonizadas e partidas ao meio, as canforeiras do lado de fora inicialmente foram dadas como perdidas — porém, alguns anos após a explosão, começaram a rebrotar. Hoje essas frondosas canforeiras possuem copas amplas, repletas de folhas verdes saudáveis e emaranhados de galhos.
Fatores tão triviais como o clima — ou o local em que o Secretário de Guerra dos Estados Unidos passou a lua de mel — selaram o destino de Nagasaki e de seus moradores. Os hibakusha (expressão japonesa para sobreviventes de bombas atômicas em japonês) enfrentaram uma vida inteira de dificuldades devido a escolhas que estavam muito além de seu controle.
|
Memorial na área externa da Escola de Ensino Fundamental de Shiroyama em homenagem aos 1,45 mil alunos perdidos na explosão. Atualmente, milhares de alunos de todo o Japão visitam a escola para aprender a história do bombardeio de Nagasaki (Foto: Hiroki Kobayashi) |
Contudo, a partir daquele dia de agosto, as vidas dos hibakusha passaram a ser conduzidas de acordo com suas próprias escolhas. Assim como as canforeiras do lado de fora do Santuário de Sanno, retomaram suas vidas nos últimos 75 anos para contar as histórias daquele dia. Tal como as árvores, os sobreviventes são exemplos vivos dos horrores da guerra nuclear, mas também do poder de superação.
Veja também:
Via National Geographic, Aventuras na História e Wikipédia