A TAM interpôs recurso de apelação da decisão proferida pelo Juízo da 5ª Vara Cível. A empresa negou a ocorrência do overbooking, atribuindo a impossibilidade de viagem da criança à situação caótica gerada a parir da crise aérea que se instalou no País após a trágica queda do avião da Gol no ano de 2006.
Negou a ocorrência do dano moral ponderando que a responsabilidade pelo ocorrido não poderia lhe ser imputada, mas, sim, à União.
Pugnou pelo prequestionamento do artigo 178 da Constituição Federal, que remeteria a regulamentação do transporte aéreo a um regime legal específico, referindo-se ao Código Brasileiro de Aeronáutica como preponderante sobre o Código de Defesa do Consumidor.
Nesse passo, sustentou a inexistência de previsão para indenização por danos morais na aludida codificação, pelo que não seria devida a reparação ao menor, “além de inexistir, no processo, provas que embasassem a sua condenação”.
Afirmou, ainda, ser “absurdo o valor arbitrado, sendo inconcebível que uma criança de seis anos, como o apelado, possa ser merecedor de reparação de tamanha monta, já que o mesmo não tem discernimento sobre o que dano moral venha a ser”.
O Ministério Público opinou pela manutenção da decisão.
“A tese exposta no recurso não prospera”, concluiu o desembargador Péricles Moreira Chagas, relator do da apelação da TAM no Tribunal de Justiça.
Segundo o magistrado, os advogados da criança apresentaram prova testemunhal “que demonstra à saciedade a ocorrência do overbooking”.
Murilo Curvelo de Matos, policial federal que trabalhava no aeroporto internacional Jorge Teixeira nos dias dos fatos, pode afirmar com relevante precisão que "constatou a proibição de embarque de diversos passageiros da empresa ré, inclusive do menor”.
O desembargador anotou que “o overbooking é prática usual entre as empresas de transporte aéreo de passageiros, no entanto a empresa, dando causa a tal situação, em face do contido nas normas do Código de Defesa do Consumidor, deve ser compelida a indenizar, uma vez que há evidente descumprimento do contrato celebrado entre a empresa e o passageiro consumidor”.
De acordo com o magistrado, “não obstante tenha a apelante providenciado hospedagem para os apelados e acomodação no vôo do dia seguinte, não conseguiu justificar suficientemente o motivo de tê-los preterido no embarque, pois, como é crível dos autos, o motivo foi oriundo pela venda de passagens além do limite da capacidade da aeronave, realizada no interesse exclusivo da empresa aérea em detrimento do direito do consumidor”.
Para Moreira Chagas, ao optar por vender passagens além da sua capacidade de acomodação na aeronave, a TAM”agiu com culpa, além do que não se preocupou com a qualidade do atendimento que seria dispensado aos consumidores. Assim, deve agora compensá-los do dano causado”.
”Oportuno frisar que é inequívoca a situação de dissabor experimentada pelo menor, de não passar as festas de fim de ano com seu pai e avós paternos, fato este que lhe causou angústia, desconforto, tudo ocorrido em decorrência da atitude negligente da apelante”, anotou o desembargador.
CONFIRA A ÍNTEGRA DA DECISÃO
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
1ª Câmara Cível
Data de distribuição : 10/03/2008
Data de julgamento : 29/04/2008
100.001.2007.009653-7 Apelação Cível
Origem : 00120070096537 Porto Velho/RO (5ª Vara Cível)
Apelante : TAM Linhas Aéreas S/A
Advogados : Alexandra Araújo Lobo de Marigny Monteiro (OAB/SP 117.589) e
Marcelo Estebanez Martins (OAB/RO 3.208)
Apelado : P. H. A. L. A. representado por sua mãe K. de A. L.
Advogados : Bernardo Augusto Galindo Coutinho (OAB/RO 2.991) e
Sally Anne Bowmer Beça Coutinho (OAB/RO 2.980)
Relator : Desembargador Moreira Chagas
Revisor : Desembargador Kiyochi Mori
RELATÓRIO
A TAM Linhas Aéreas S/A interpõe recurso de apelação da decisão proferida pelo Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Porto Velho que a condenou ao pagamento de indenização de R$6.000,00 (seis mil reais) por danos morais em favor do menor apelado, em função do reconhecimento da prática de overbooking que o impediu de passar o dia de natal do ano de 2006, com o seu pai e avós paternos em Belo Horizonte/MG.
Em suas razões, a apelante nega a ocorrência do overbooking, atribuindo a impossibilidade de viagem do apelado à situação caótica gerada a parir da crise aérea que se instalou no País após a trágica queda do avião da Gol no ano de 2006.
Nega a ocorrência do dano moral ponderando que a responsabilidade pelo ocorrido não poderia lhe ser imputada, mas, sim, à União, nos termos do art. 256 da Constituição Federal.
Pugna pelo prequestionamento do art. 178 da Carta Magna, que remeteria a regulamentação do transporte aéreo a um regime legal específico, referindo-se ao Código Brasileiro de Aeronáutica como preponderante sobre o Código de Defesa do Consumidor.
Nesse passo, sustenta a inexistência de previsão para indenização por danos morais na aludida codificação, pelo que não seria devida a reparação ao apelado, além de inexistir, nos autos, provas que embasassem a sua condenação.
Afirma, ainda, ser absurdo o valor arbitrado, sendo inconcebível que uma criança de seis anos, como o apelado, possa ser merecedor de reparação de tamanha monta, já que o mesmo não tem discernimento sobre o que dano moral venha a ser.
Por fim, requer o específico provimento do apelo para se julgar improcedente o pedido inicial, invertendo-se o ônus da sucumbência.
Em contra-razões o recorrido pugna pelo não-provimento do apelo (fls. 111/122).
O Ministério Público opina pela manutenção da decisão em sua exata medida (fls. 127/131).
Eis o relatório.
VOTO
DESEMBARGADOR MOREIRA CHAGAS
Trata-se de recurso de apelação em que a recorrente pretende modificar a sentença que lhe lançou condenação no valor de R$6.000,00 (seis mil reais), pelos danos morais causados ao apelado, que foi impedido de encontrar seu pai e avós paternos para a festa natalina de 2006, por não conseguir embarcar em vôo para a capital mineira, dada a ocorrência de overbooking.
O ponto controvertido da demanda se assenta justamente na ocorrência do overbooking.
Enquanto o apelado aduz, em sua exordial, que sofreu amarguras com essa prática, de outra mão a recorrente nega sua ocorrência.
Diz a recorrente que o apelado não embarcou devido à crise aérea que se instalou no País a partir do chamado "apagão aéreo", após a queda do avião da Gol Linhas Aéreas, em 29/9/2006.
A tese recursal não prospera.
O apelado trouxe ao feito prova testemunhal que demonstra à saciedade a ocorrência do overbooking, prática que consiste na venda de passagens aéreas além da capacidade da aeronave.
MURILO CURVELO DE MATOS, policial federal que trabalhava no aeroporto internacional Jorge Teixeira nos dias dos fatos, pode afirmar com relevante precisão que "[...] constatou a proibição de embarque de diversos passageiros da empresa ré, inclusive do menor ora mencionado na inicial [...]".
Tivesse a apelante outro motivo para impedir a viagem do apelado, deveria ter demonstrado tal fato, de maneira cabal, por ser obrigação processual que o Código de Ritos lhe impõe, a teor do disposto no art. 333, inciso II.
Poderia ela ter produzido provas testemunhais indicando servidores da infraero, ou ter juntado aos autos documentos produzidos pela referida Empresa Pública que fundamentasse sua tese nesse sentido.
Entretanto, a prova documental trazida (fls. 43/58) não guarda nenhuma relação com os fatos aqui discutidos.
Assim, torna-se cabal a ocorrência do overbooking, sobretudo porque, tivesse sido outro o motivo do não-embarque do apelado, a recorrente certamente, não teria lhe entregue crédito (em voucher), no valor de R$300,00 (trezentos reais), como forma de amainar o prejuízo causado.
Aliás, convém destacar que este documento encontra-se juntado aos autos à fl. 20, e, consigna em seu bojo que o credito entregue ao apelado decorre de overbooking .
O overbooking é prática usual entre as empresas de transporte aéreo de passageiros, no entanto a empresa, dando causa a tal situação, em face do contido nas normas do Código de Defesa do Consumidor, deve ser compelida a indenizar, uma vez que há evidente descumprimento do contrato celebrado entre a empresa e o passageiro consumidor.
Não obstante tenha a apelante providenciado hospedagem para os apelados e acomodação no vôo do dia seguinte, não conseguiu justificar suficientemente o motivo de tê-los preterido no embarque, pois, como é crível dos autos, o motivo foi oriundo pela venda de passagens além do limite da capacidade da aeronave, realizada no interesse exclusivo da empresa aérea em detrimento do direito do consumidor.
A apelante, ao optar por vender passagens além da sua capacidade de acomodação na aeronave, agiu com culpa, além do que não se preocupou com a qualidade do atendimento que seria dispensado aos consumidores. Assim, deve agora compensá-los do dano causado.
Oportuno frisar que é inequívoca a situação de dissabor experimentada pelo menor, de não passar as festas de fim de ano com seu pai e avós paternos, fato este que lhe causou angústia, desconforto, tudo ocorrido em decorrência da atitude negligente da apelante.
Em adição, a aplicação do CDC ao caso deve preponderar.
Não tem aplicação o Código Brasileiro de Aeronáutica, porquanto, tratando-se de relação de consumo, consubstanciada por meio do contrato de transporte aéreo firmado entre as partes, é de se aplicar a legislação consumerista, especial e posterior à norma invocada pela apelante.
Cabe destacar que a existência de regras próprias da aviação - Convenção de Varsóvia ou Código Brasileiro de Aeronáutica - não afasta a incidência do Código de Defesa do Consumidor, em especial no que diz com a limitação do dever de indenizar
Nesse sentido, trago à baila a ementa abaixo transcrita:
Dano moral. overbooking. Código de Defesa do Consumidor. Aplicabilidade. Responsabilidade objetiva. Quantum indenizatório. Circunstâncias especiais que justificaram condenação superior. Recurso não provido.
Resta configurado o dano moral na conduta da empresa que coloca à venda número de passagens superior à capacidade da aeronave, prática como esta conhecida como overbooking.
Tratando-se de relação de consumo, consubstanciada por meio do contrato de transporte aéreo firmado entre as partes, é de se aplicar a legislação consumerista, especial e posterior ao Código Brasileiro de Aeronáutica.
Os danos morais devem ser arbitrados de acordo com as circunstâncias do caso concreto, justificando uma condenação elevada o fato de o apelado ter perdido parte de um congresso profissional em razão de ter sido impedido de iniciar sua viagem (100.001.2003.022201-9, Apelação Cível, Relatora Juíza Tânia Mara Guirro, Julgamento em 1/11/2006).
No mesmo sentido, segue jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
TRANSPORTE AÉREO. Overbooking. Indenização.
O impedimento de vôo por causa de overbooking é causa de dano extrapatrimonial que deve ser indenizado. Recurso conhecido e provido em parte (REsp. n. 481.931/MA, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 17/6/2003, DJ 15/12/2003 p. 316).
CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATRASO DE VÔO (24 HORAS). EXCESSO DE LOTAÇÃO NO VÔO (OVERBOOKING). DANO MORAL. VALOR. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. CDC. PREVALÊNCIA.
I. Inobstante a infraestrutura dos modernos aeroportos ou a disponibilização de hotéis e transporte adequados, tal não se revela suficiente para elidir o dano moral quando o atraso no vôo se configura excessivo, a gerar pesado desconforto e aflição ao passageiro, extrapolando a situação de mera vicissitude, plenamente suportável.
II. Diversamente do atraso de vôo decorrente de razões de segurança, que, ainda assim, quando muito longo, gera direito à indenização por danos morais, a prática de overbooking, constituída pela venda de passagens além do limite da capacidade da aeronave, que é feita no interesse exclusivo da empresa aérea em detrimento do direito do consumidor, exige sanção pecuniária maior, sem, contudo, chegar-se a excesso que venha a produzir enriquecimento sem causa.
III. Recurso especial em parte conhecido e parcialmente provido (REsp. n. 211.604/SC, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 25/3/2003, DJ 23/6/2003, p. 372).
Para arrematar, a bem sedimentada aplicação do CDC ao caso, a teor dos arestos trazidos à baila, não implica em qualquer afronta aos dispositivos constitucionais prequestionados, notadamente porque a legislação consumerista se harmoniza com o preceito estabelecido no art. 178 da Lei Maior.
Quanto ao valor da indenização, este se mostrou justo e razoável, não merecendo reparo.
O fato de o autor ser menor, não lhe suprime a defesa de seus direitos imateriais, notadamente pelo que estabelece os arts. 17 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (destaques não originais)
De maneira convergente o Superior Tribunal de Justiça já enfrentou questão quanto ao valor da indenização nos casos de overbooking, estabelecendo que a quantia arbitrada, nestes autos, foi condizente com o dissabor experimentado.
Responsabilidade civil. Transporte aéreo. Overbooking. Indenização fixada em R$6.000,00 em virtude da demora na viagem de retorno ao Brasil, por prática de overbooking pela empresa-ré. Recurso conhecido em parte e provido (STJ. REsp. n. 488.715/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª T., j. em 24/6/2003, DJ 25/8/2003, p. 320).
Isso posto, conheço do recurso por ser próprio e tempestivo, mas nego-lhe provimento para manter inalterada a decisão de primeiro grau por seus próprios fundamentos.
É como voto.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
1ª Câmara Cível
Data de distribuição : 10/03/2008
Data de julgamento : 29/04/2008
100.001.2007.009653-7 Apelação Cível
Origem : 00120070096537 Porto Velho/RO (5ª Vara Cível)
Apelante : TAM Linhas Aéreas S/A
Advogados : Alexandra Araújo Lobo de Marigny Monteiro (OAB/SP 117.589) e
Marcelo Estebanez Martins (OAB/RO 3.208)
Apelado : P. H. A. L. A. representado por sua mãe K. de A. L.
Advogados : Bernardo Augusto Galindo Coutinho (OAB/RO 2.991) e
Sally Anne Bowmer Beça Coutinho (OAB/RO 2.980)
Relator : Desembargador Moreira Chagas
Revisor : Desembargador Kiyochi Mori
EMENTA
Responsabilidade civil. Overbooking. Dano moral. Caracterização. Indenização. Menor impúbere. Possibilidade. Dignidade. Estatuto da Criança e do Adolescente.
É devida a indenização por danos morais a menor que foi privado dos festejos de fim de ano com seu pai, em função de a empresa aérea contrata para seu transporte ter praticado o chamado overbooking.
O fato de ser incapaz não lhe retira o direito à indenização na medida em que o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura proteção à sua dignidade, pondo-o a salvo de qualquer situação vexatória e constrangedora.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
100.001.2007.009653-7 Apelação Cível
Os Desembargadores Kiyochi Mori e Gabriel Marques de Carvalho acompanharam o voto do Relator.
Porto Velho, 29 de abril de 2008.
DESEMBARGADOR MOREIRA CHAGAS
RELATOR
Autor: Rondônia Jurídico
Fonte: Rondônia Jurídico