Localização dos destroços da aeronave |
Flores e brinquedos infantis na entrada do aeroporto de Pulkovo . A placa na parte de trás diz "Às vítimas da queda do avião A321" |
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Localização dos destroços da aeronave |
Flores e brinquedos infantis na entrada do aeroporto de Pulkovo . A placa na parte de trás diz "Às vítimas da queda do avião A321" |
Na noite de terça-feira, 31 de outubro de 2000, as condições meteorológicas no aeroporto Chiang Kai Shek em Taipei, Taiwan (Formosa) eram típicas do período de Monções, quando chove torrencialmente no sudeste asiático. Na verdade, o tufão Xangsane aproxima-se da ilha de Taiwan vindo ao mar da China, deixando as condições cada vez piores: ventos em fortíssimas rajadas e chuvas torrenciais eram enfrentadas pelas aeronaves que operavam em Taiwan naquela noite.
O Boeing 747 envolvido no acidente - Foto: Michel Gilliand |
Nada levaria a crer, nem mesmo as miseráveis condições de tempo reinantes em Taipei, que esse invejável recorde seria desafiado naquela noite de tempestade. Afinal, embora as condições fossem bastante adversas, muitas outras aeronaves partiam e chegavam, em segurança, ao aeroporto Chiang Kai Shek.
Cap - Comandante (assento da esquerda)
F/O - Primeiro oficial (assento da direita)
RDO - Comunicação de rádio do primeiro oficial aos controles (solo e torre)
F/O-PA- Comunicação interna do Primeiro oficial aos passageiros e tripulantes
PNF - Piloto extra / Observador (Pilot Not Flying)
TWR - Frequência da Torre de Controle de Taipei
GND - Frequência de solo de Taipei
CAM - Sons gravados pelos microfones instalados na cabine de comando
23h08:27 - Cap: Hong Kong está fechado. É por isso que não aceitam ninguém.
23h08:29 - F/O: Ah, entendo.
23h08:30 - Cap: Por isso muita gente poderia ter alternado lá.
23h08:40 - F/O: Sim.
23h08:47 - Cap: O RVR da pista 05 esquerda já estava em 200 (metros) já checamos há pouco.
23h08:50 - PNF: RVR é, duzentos.
23h08:50 - Cap: Correto, duzentos metros, ah, ok.
23h08:55 - Cap: Ok homem, before takeoff checklist.
23h08:56 - F/O: Sim senhor.
23h08:58 - F/O: Before takeoff check: flaps.
23h09:02 - Cap: Vinte, verdes.
23h09:03 - F/O: Vinte, verdes.
23h09:06 - F/O: Controles de voo.
23h09:07 - Cap: Cheque.
23h09:07 - F/O: Cheque.
23h09:08 - F/O: EPR e velocidades.
23h09:09 - Cap: Ok, EPR um ponto cinco dois. Ah, V-1, uno quatro dois, V-R uno cinco meia e V-2 uno meia nove, selecionadas.
23:09:15 - F/O: Ok, EPR um ponto cinco dois. Ah, V-1, uno quatro dois, V-R uno cinco meia e V-2 uno meia nove, selecionadas.
23:09:22 - F/O: velocidades selecionadas.
23:09:24 - F/O: Navegação.
23:09:25 - Cap: Ok, ah, Taipei pista zero seis esquerda.
23:09:27 - F/O: Zero cinco esquerda.
23:09:29 - Cap: Zero cinco esquerda.
23:09:29 - PNF: Zero cinco esquerda.
23:09:31 - Cap: E nós temos a saída por instrumentos ANPU Três, transição Kikit.
23:09:38 - Cap: Parece que chegou a nossa vez.
23:09:40 - F/O: Os próximos somos nós.
23:09:41 - Cap: É, vire a direita aqui, até cruzar a oeste e... Vire à direita aqui.
23:09:46 - F/O: Pista em uso zero cinco esquerda, transição Kikit, inicialmente duzentos ah, para nivelar.
Transponder 2657, estaremos no nível 290 no fixo Bulan.
23:09:58 - Cap: Vai precisar de muito leme aqui, homem. O vento de través...
23:10:01 - PNF: Vento cruzado forte, hem?
23:10:02 - Cap: Muito.
23:10:03 - F/O: Transponder set, checks ok.
23:10:06 - Cap: Ok, obrigado.
23:10:14 - Cap: Todo mundo esperando para decolar, hem.
23:10:18 - Cap: Todo mundo e mais aquele chato ali.
23:10:21 - PNF: Quanto mais nos seguram, mais o pessoal parece querer atrasar.
23:10:23 - Cap: Pior ainda para quem decola. Olha, vou bem devagar aqui, que está muito escorregadio aí fora.
23:10:24 - F/O: Ok, nove nós. (de velocidade de taxiamento)
23:10:33 - PNF: Ok, até alinhar no vento.
23:10:35 - F/O: É muita umidade no ar.
23:10:41 - F/O: Virando a esquerda eu derrapo. Virando a direita eu também derrapo.
23:10:42 - PNF: O radar meteorológico deve estar todo vermelhinho.
O 747 prossegue taxiando em meio às rajadas de vento, que desestabilizam a aeronave. O tráfego é intenso e as condições, longe de serem ideais, provocam comentários que mostram mais do que simples cautela por parte dos pilotos da Singapore: mostram mesmo preocupação.
23h11:12 - Cap: Para a decolagem, é melhor usar o piloto automático, ok?
23h11:22 - Cap: É o tufão. Amanhã, o pessoal chagando aqui vai todo mundo sentir o terror.
23:11:28 - PNF: É, todo mundo, inclusive o Singapore 005.
23:11:49 - Cap: O cinco já partiu... me... melho... melhorou a visibilidade para 500 metros.
23h11:55 - PNF: Na cinco esquerda. ah, melhorou.
23:11:56 - Cap: É, o (controle de) solo disse que ia melhorar.
23:11:59 - PNF: Está 450 agora. (450 metros de visibilidade)
23:12:07 - Cap: Ok, até o final e curva à esquerda.
23:12:10 - F/O: Esquerda, ah.
23:12:10 - Cap: Sim.
23:12:17 - F/O: Frequência uno dois cinco uno para a saída.
23:12:22 - Cap: Ok, primeira à esquerda.
23:12:23 - F/O: Afirmativo, primeira à esquerda.
23:12:24 - Cap: Esquerda.
23:12:25 - F/O: Esquerda.
23:12:26 - PNF: O último QNH é uno zero zero uno.
23:12:58 - GND: Singapore 6 contate torre uno dois nove ponto três, tenha um bom dia.
23:13:02 - RDO: Uno dois nove ponto três, Singapore 6, um bom dia para você.
23:13:13 - F/O: Uno zero zero uno, uno dois nove ponto três e ah... ok.
23:13:25 - RDO: Torre Taipei bom dia, Singapore 6.
23:13:28 - TWR: Singapore 6, boa noite, Torre Taipei, aguarde antes da pista zero cinco esquerda.
23:13:33 - RDO: Aguardará antes da pista zero cinco esquerda, Singapore 6.
23:13:38 - TWR: Singapore 6, para sua informação, vento de superfície 020 (direção) com 24 (intensidade), rajadas de 43 nós, confirme sua intenção.
23:13:44 - Cap: Rajadas de 43 nós, ah.
23:13:46 - RDO: Obrigado senhor, Singapore 6.
23:13:47 - Cap: Ok, ok, melhor menos, hem.
23:13:48 - PNF: Menos, menos fortes.
23:13:54 - Cap: Zero dois zero pela esquerda.
23:13:56 - PNF: Vinte e quatro com rajadas de 43.
Mapa da trilha do tufão Xangsane da temporada de tufões de 2000 no Pacífico |
23:14:08 - Cap: Ok este vai ser por aqui.
23:14:18 - Cap: Zero dois zero.
23:14:20 - PNF: Sim, pela esquerda.
23:14:21 - Cap: Vá à direita para o final da pista, à direita no final da pista e então vire, ok?
23:14:31 - PNF: Vai usar bastante aileron na decolagem.
23:14:35 - F/O: OK.
23:14:40 - F/O: Na próxima.
23:14:41 - F/O: A próxima é a (taxiway) November One.
23:14:42 - Cap: Ok, na segunda direita.
23:14:44 - F/O: Segunda à direita, é essa.
23:14:53 - Cap: O melhor é dizer segunda direita ah, segunda direita e primeira direita.
23:14:55 - F/O: Livrando aquela antena de Satvoice.
23:14:58 - Cap: Pode avisar que estamos prontos.
23:15:02 - RDO: Singapore 6 pronto.
23:15:04 - TWR: Singapore 6, pista zero cinco esquerda, taxi para a posição e aguarde.
23:15:08 - RDO: Taxi para a posição e aguarde, Singapore 6.
Nesse momento, o Boeing deixa a taxiway NP e ingressa na taxiway N1. No entanto, ao invés de executar uma curva de 90º e ingressar na N1, que deveria levar o 747 à cabeceira da pista 05L, o comandante do 747 executa uma curva de 180º e começa a alinhar na pista 05R (direita).
Diagrama, lado norte e pista 05 Aeroporto Internacional Chiang Kai-shek |
23:15:12 - F/O: Eu aviso a tripulação para sentar.
23:15:12 - Cap: Ok, pode avisar.
23:15:15 - F/O-PA: Tripulação de cabine aos seus lugares, prontos para decolagem.
23:15:22 - TWR: Singapore 6, pista 05 esquerda, vento 020 (direção) com 28 (intensidade), rajadas de 50 nós, livre decolagem.
23:15:30 - RDO: Livre para decolagem, pista 05 esquerda, Singapore 6.
23:15:31 - Cap: OK, homem.
23:15:34 - F/O: OK, cheques de cabine anunciados.
23:15:37 - F/O: Packs. (desligamento do ar condicionado)
23:15:38 - Cap: Ok, normal, eh.
23:15:39 - F/O: Normal.
23:15:40 - F/O: Luzes estroboscópicas ligadas, luzes de pouso ligadas.
23:15:44 - F/O: Autorização de subida.
23:15:45 - Cap: Obtida.
23:15:46 - F/O: Obtida, senhor.
23:15:47 - Cap: OK, obrigado.
23:15:48 - F/O: Before takeoff checklist completado.
23:15:50 - F/O: OK, luzes verdes.
23:15:52 - Cap: Está muito escorregadio, vou devagar agora aqui, hem.
23:15:53 - F/O: Girando agora.
23:16:07 - F/O: E pelo PVD (Para-Visual Display - painel de visualização) ainda não alinhou.
23:16:10 - Cap: Temos que alinhar primeiro.
23:16:12 - PNF: Temos que girar 45 graus.
23:16:15 - F/O: Ah, sim, excelente, homem.
23:16:16 - Cap: Ok.
23:16:23 - Cap: Não tenho o PVD, eh. Ok, não está tão ruim assim, consigo ver a pista, não tão mal. Ok, vou ligar os limpadores (de para-brisa) ao máximo. Eh, prontos, Ok.
O microfone de cabine capta o som dos limpadores de para-brisa acionados na máxima velocidade. Preocupados com as difíceis condições de pilotagem, os três pilotos não verificam se estão alinhados na pista correta. Eles simplesmente acreditam que estão, mas não verificam sua posição.
23:16:27 - F/O: Ok.
23:16:31 - F/O: Pronto, senhor, zero dois zero é o vento, ok.
23:16:33 - Cap: Asa esquerda o aileron, aileron esquerdo no vento. Uh, OK, Cabine avisada?
23:16:37 - PNF: Cabine avisada, ok.
23:16:37 - Cap: Ok obrigado.
23:16:37 - F/O: Obrigado.
23:16:43 - PNF: Ok - potência TOGA (Take-Off / Go-Around, a máxima potência disponível).
23:16:43 - F/O: Potência TOGA, TOGA.
23:16:44 - Cap: Ok - Potência TOGA, TOGA.
23:16:44 - O microfone de cabine capta o som dos quatro motores acelerando ao máximo. O Boeing começa a correr na pista molhada de Taipei, sacudido por rajadas de ventos de quase 50 nós. A concentração necessária para manter o gigantesco Boeing alinhado com a pista é total. A visibilidade externa é de pouco mais de 450 metros e a chuva e os ventos estão cada vez mais fortes, com a iminente chegada do tufão.
23:16:54 - PNF: Segure (as manetes de potência na posição TOGA).
23:16:54 - F/O: Segurando.
23:16:54 - Cap: Ok.
23:16:55 - PNF: Oitenta nós.
23:16:55 - F/O: Oitenta nós.
23:16:56 - Cap: Ok, tenho o controle.
23:17:13 - F/O: V-1.
23:17:13 - PNF: V-1.
Nesse exato instante, o Boeing atinge a V-1 (Vee-One), ponto a partir do qual a decolagem deve prosseguir, mesmo em caso de perda de um ou mais motores. Até atingir a V-1, uma aeronave tem condições de parar com segurança na pista, caso surja alguma pane instantânea. Ao atingir e depois de ultrapassar a V-1, a aeronave tem de prosseguir na decolagem, mesmo que sofra uma pane, pois já não tem mais condições de abortar a decolagem com segurança na pista. Por isso mesmo a V-1 também é conhecida como "Point of No Return". A V-1 é calculada antes de cada decolagem, e sofre influência de fatores como peso, balanceamento, configuração de flaps e slats, temperatura externa, etc.
Menos de três segundos depois de ultrapassada a V-1, o comandante do Boeing da Singapore vê, em meio à forte chuva que desaba sobre Taipei, uma visão tão inesperada quanto assustadora.
As fortes luzes de decolagem iluminam algo à frente do 747. Havia algo bem à frente do Boeing, ao invés de uma pista aberta e desimpedida: barreiras de concreto, máquinas retro-escavadeiras e outros equipamentos de construção.
Sem saber, o 747 da Singapore havia alinhado na pista 05 Direita e não esquerda. Desde 31 de agosto de 2000, circulava o NOTAM A0606 (NOTice to Air Men), um comunicado amplamente divulgado e de circulação irrestrita para aeronautas, que informava que essa pista encontraria-se fechada para obras entre 13 de setembro e 22 de Novembro. Apesar de ter sido apresentado à tripulação da Singapore no briefing de operação feito ainda em solo, o NOTAM A0606 não é discutido em nenhum momento na cabine.
O fato é que esse descuido sairia muito caro. Voltamos agora ao cockpit do 747, que está à alguns segundos de atingir a V-R de 288 km/h, velocidade suficiente para que o manche seja puxado e a aeronave erga-se do solo. Mas tempo é algo que não resta mais para os infelizes ocupantes do Singapore 006. Numa fração de segundo, um Boeing 747-400 de quase 400 toneladas vai perder o confronto contra máquinas que estavam em seu caminho.
23h17:16 - Cap: (assustado) Merda, tem alguma coisa aí!
No segundo seguinte, o microfone de cabine capta o som do impacto inicial do 747 contra as máquinas. Com mais um segundo, um grito curto e alto é captado pelos microfones. Entre 23h17:18 e 23h17:22, uma série de sons captados mostram a sequência de impactos que o Boeing sofreu após colidir com as máquinas.
Nesse exato instante, a fuselagem rompeu-se e a caixa-preta do 747 parou de gravar. Nos segundos seguintes, o portentoso jato despedaçou-se em várias partes, muitas das quais pegaram fogo imediatamente. A fuselagem partiu-se ao meio, e continuou desgovernada arrastando-se por mais de 700 metros até parar e ser envolta em chamas, originárias do rompimento dos tanques cheios do 747, que tem capacidade para 216.847 litros de JET A-1.
No meio da tempestade, agora rugia o fogo incontrolável, a princípio, do inferno provocado pelo impacto do 747 contra as máquinas. Os bombeiros não demoraram muito a chegar ao inferno, mas o desastre já estava consumado: dos 179 ocupantes, 20 tripulantes e 159 passageiros, 83 deles (sendo 4 tripulantes) perderam a vida nos segundos seguintes ao impacto ou, em alguns casos, em leitos de hospitais de Taipei, depois de lutar contra terríveis queimaduras e poli-traumatismos por semanas.
Os três pilotos sobreviveram ao desastre e ajudaram nas investigações, que foram iniciadas no dias seguinte à tragédia. A investigação oficial levou meses e chegou à conclusão que houve imperícia e negligência por parte dos pilotos da Singapore. O Ministério de Transportes de Cingapura (MOT, Singapore Ministry of Transport) questionou o resultado oficial da investigação, abrindo uma investigação própria em paralelo.
Segundo o MOT, o acidente não teria ocorrido se a pista em obras tivesse sido visualmente interditada como, segundo afirma o MOT, é de praxe e segundo padrões oficiais. Seja como for, o fato é que o Singapore 006 entrou para a história da melhor empresa aérea do mundo justamente como o seu pior momento.
Por Jorge Tadeu (com acidentesdesastresaereos.blogspot.com, Admiral Cloudberg, ASN, Wikipedia e baaa-acro.com (* Este relato foi extraído do extinto site Jetsite)
Mas assim que as caixas pretas foram recuperadas, ficou claro que não foi um mero acidente. As evidências mostraram, sem sombra de dúvida, que o primeiro oficial Gameel Al-Batouti havia derrubado o avião de propósito - mas admitir isso seria um torpedo nas relações EUA-Egito.
Em meio a uma crise internacional crescente, um piloto da EgyptAir desertou para o Reino Unido, trazendo com ele conhecimento das motivações sinistras de Batouti em um momento em que o National Transportation Safety Board estava sendo forçado a caminhar no fio da navalha entre a verdade e o interesse nacional.
Na madrugada de 30 de outubro, o Boeing 767-366ER, prefixo SU-GAP, operando o voo 990 da EgyptAir (foto acima), chegou ao Aeroporto Internacional JFK de Nova York após a primeira etapa de sua viagem de Los Angeles ao Cairo, no Egito.
Em Nova York, a tripulação anterior foi trocada por uma nova. No final das contas, 203 passageiros e 14 tripulantes embarcaram no jato wide body, incluindo dois conjuntos de pilotos: o capitão Ahmed El-Habashi, 57, e o primeiro oficial Adel Anwar, 36, voariam no primeiro semestre; e no meio do caminho eles trocariam de lugar com o capitão de apoio Raouf Noureldin, 52, e o primeiro oficial de apoio Gameel Al-Batouti, de 59. Também a bordo estavam o piloto chefe do 767 da EgyptAir, capitão Hatem Rushdy; e dois outros primeiros oficiais cavalgando como passageiros.
Das 217 pessoas a bordo, 100 eram dos Estados Unidos, 89 eram do Egito (incluindo a tripulação), 21 eram canadenses e os sete restantes vinham de quatro países adicionais. Entre os passageiros egípcios estavam 33 oficiais da Força Aérea que voltaram do treinamento nos Estados Unidos, incluindo dois generais de brigadeiro e um coronel.
Todos os pilotos tinham muita experiência: o capitão Habashi voava para a EgyptAir desde 1963, e o primeiro oficial de alívio Batouti estava a apenas três meses da aposentadoria. O primeiro oficial Anwar estava prestes a se casar logo após seu retorno ao Egito.
Fotos sem data de alguns dos membros da tripulação (Imagem: Getty Images) |
“Espere, deixe-me dizer uma coisa”, disse ele a Anwar. “Eu não vou dormir nada. Eu posso vir e sentar por duas horas, e então ...”
Batouti não deveria assumir o controle até a metade do voo. Anwar ficou perplexo. “Mas eu, eu dormi, eu dormi”, ele protestou.
"Quer dizer que você não vai se levantar?" disse Batouti. "Você vai se levantar, vai descansar um pouco e voltar."
“Você deveria ter me contado, deveria ter me contado isso, capitão Gameel”, disse Anwar. “Você deveria ter dito, 'Adel…'”
Embora Batouti fosse um primeiro oficial, muitos de seus colegas pilotos o chamavam de capitão porque, em sua posição anterior como capitão de treinamento da Força Aérea egípcia, ele os havia instruído pessoalmente.
"Eu ao menos vi você?" disse Batouti.
Anwar continuou a protestar, pedindo ao “Capitão Gameel” que voltasse e dormisse antes de assumir o comando. Mas eventualmente ele cedeu, permitindo que Batouti pegasse seu jantar e depois voltasse para assumir o voo.
Enquanto Batouti estava fora da cabine, Anwar reclamou com o capitão Habashi: "Está vendo como ele faz o que quer?"
O capitão Habashi hesitou. Ele não via sentido em provocar conflito. Mas Anwar insistiu no assunto. "Ele não quer trabalhar com Raouf ou o quê?"
“É possível, é possível, Deus sabe”, disse Habashi. “Olha, você não tem um camelo macho ou fêmea amarrado nessa situação, como dizem. Direito? Pelo Profeta, ele está apenas falando bobagem. ”
Pouco depois, o primeiro oficial de alívio Batouti voltou à cabine e o primeiro oficial Anwar cedeu seu lugar. Era 01h42
Pelos próximos minutos, Habashi e Batouti conversaram normalmente. Então, às 13h48, Habashi anunciou que queria ir ao banheiro antes que ficasse lotado. Ele saiu da cabine, deixando Batouti sozinho nos controles. Ele disse algo ininteligível para si mesmo e, em seguida, acrescentou suavemente a frase "Tawakkelt ala Allah" - "Eu confio em Deus".
Cerca de 30 segundos depois, Batouti desligou o piloto automático, assumindo o controle manual do avião. Por mais alguns segundos, ele não fez nada. Então ele sussurrou de novo: “Eu confio em Deus”, colocou a potência do motor em marcha lenta e abruptamente inclinou o nariz para baixo a quarenta graus. Com uma rapidez assustadora, o 767 começou a mergulhar em direção ao mar.
O capitão Habashi abortou imediatamente sua ida ao banheiro e conseguiu voltar para a cabine, apesar das condições de gravidade zero. Lá dentro, Batouti segurava a coluna de controle para frente, repetindo “Eu confio em Deus” sem parar. Mas ele não havia trancado a porta, e Habashi conseguiu entrar novamente na cabine de comando apenas 11 segundos após o início do mergulho.
"O que está acontecendo? O que está acontecendo?" Habashi gritou enquanto subia de volta em seu assento.
“Eu confio em Deus”, sussurrou Batouti.
O voo 990 acelerou cada vez mais rápido, excedendo sua velocidade máxima de operação e disparando o alarme mestre de cuidado.
“Eu confio em Deus”, disse Batouti.
"O que está acontecendo?" Capitão Habashi perguntou novamente. “O que está acontecendo Gameel? O que está acontecendo?" Mas Batouti não respondeu.
Habashi então percebeu que os motores estavam em ponto morto. "O que é isso? O que é isso? Você desligou os motores? ” ele gritou.
Ao mesmo tempo, ele começou a puxar para trás sua coluna de controle para tirar o avião do mergulho, que havia aumentado para uma taxa de descida vertiginosa de 39.000 pés por minuto. Lentamente, mas com segurança, Habashi começou a dominar Batouti, que ainda estava tentando empurrar o nariz para baixo.
Mas quando Habashi tentou aumentar a potência do motor, ele descobriu que Batouti havia mudado o interruptor de fluxo de combustível para a posição “corte”, fazendo com que ambos os motores pegassem fogo. “Vá embora nos motores”, disse ele, sua gramática falhando. “Desligue os motores !?”
“Está fechado”, disse Batouti.
Várias vezes, Habashi gritou: "Puxe comigo!" enquanto ele tentava fazer com que Batouti o ajudasse a sair do mergulho.
Mesmo assim, eles continuaram a trabalhar um contra o outro, fazendo com que os elevadores esquerdo e direito se movessem em direções opostas.
Alguns segundos depois, os motores desligaram completamente e o avião perdeu toda a energia elétrica. As caixas pretas pararam de gravar e o transponder do avião desapareceu das telas de radar dos controladores. O que aconteceu dentro da cabine do voo 990 deste ponto em diante nunca será conhecido.
No entanto, várias instalações no nordeste dos Estados Unidos continuaram a rastrear o 767 no radar primário por dois minutos após a perda de energia.
O avião parecia ter afundado a uma altitude de cerca de 16.000 pés, subiu de volta para 25.000 pés, então entrou em um segundo mergulho, mergulhando novamente em direção ao mar a uma taxa de 20.000 pés por minuto. Desta vez, ele não se recuperou. Estressada além de seus limites, a fuselagem começou a se desintegrar; o motor esquerdo se separou da asa e as superfícies de controle arrancaram de seus suportes.
Finalmente, às 1h52, o voo 990 da EgyptAir atingiu o Oceano Atlântico a 96 quilômetros ao sul da Ilha de Nantucket, matando instantaneamente todas as 217 pessoas a bordo.
Animação CGI do mergulho final do voo 990 da EgyptAir (Fonte de vídeo: Mayday) |
Então, nove dias após o acidente, tudo mudou. Uma busca subaquática havia revelado os dois gravadores de voo da caixa preta do avião, que foram cuidadosamente levantados do fundo do mar e enviados a Washington DC para análise.
Navios que participaram das buscas pelos corpos e destroços da aeronave (Foto: Matt York/AP) |
Era quase certo que Batouti havia derrubado o avião de propósito. Um representante da EgyptAir que ouviu a gravação deixou a sala com o rosto pálido e não foi ouvido novamente.
Os investigadores do NTSB documentam as caixas pretas antes do transporte para Washington |
Leitura do gravador de dados de voo (com partes da transcrição CVR) do voo 990 da EgyptAir pelo NTSB |
Na verdade, as autoridades egípcias não apenas rejeitaram a má tradução, mas rejeitaram a possibilidade de Batouti ter derrubado o avião intencionalmente. O que os investigadores do NTSB esperavam que fosse um inquérito curto, de repente ficou muito mais longo.
Destroços de um dos motores do voo 990 (Foto: Getty Images) |
No início, por exemplo, as autoridades egípcias pediram ao NTSB que declarasse que o avião havia sido derrubado por uma bomba no lavatório dianteiro (obviamente, eles se recusaram).
O chefe do NTSB queria publicar o relatório com a conclusão de que Batouti derrubou o avião e deixou o resto para o FBI, mas o presidente do Egito, Mubarak, deixou claro para o presidente Clinton que isso levaria a uma aposta na aliança estratégica entre os EUA e Egito.
O NTSB, portanto, não teve escolha a não ser olhar para qualquer coisa que os egípcios inventassem.
Por exemplo, investigadores egípcios apresentaram um possível cenário envolvendo uma falha de elevador. Cada elevador é movido por três atuadores, e se dois desses atuadores falharem no mesmo lado, isso pode causar um movimento de inclinação maciça para baixo, não muito diferente daquele experimentado pelo voo 990.
Além disso, foram encontrados dois rebites no conjunto de caixa do atuador a ser cortada, possivelmente antes da queda. Mas rapidamente ficou claro que a teoria não se sustentava. Primeiro, nenhuma conexão pôde ser encontrada entre os rebites cortados e um potencial atolamento do atuador.
Em segundo lugar, esse congestionamento deve ser facilmente recuperável usando o elevador sem falha, simplesmente puxando para trás a coluna de controle.
E terceiro, tal falha produziria um passo para baixo mais acentuado do que o que realmente ocorreu. No entanto, a FAA levou os rebites cortados a sério, e uma inspeção revelou falhas semelhantes em mais de 100 Boeing 767s e 757s. Todos foram posteriormente corrigidos.
Restos da fuselagem do voo 990 (Foto: The Providence Journal) |
A imprensa egípcia acusou o governo dos EUA de um encobrimento - que na realidade o avião estava com defeito, e a alegação de que Batouti cometeu suicídio tinha como objetivo absolver a Boeing de responsabilidade. Eventualmente, não havia mais nada para o NTSB fingir que estava investigando. Em 2002, publicou seu relatório tão esperado, concluindo que a causa provável do acidente foram as entradas de controle do primeiro oficial de emergência. Por razões diplomáticas,
Enquanto isso, o FBI procurava um motivo. No papel, nada sugeria que Gameel Al-Batouti pudesse ter sido suicida. Ele tinha família, tinha um plano de aposentadoria e, mais cedo naquele dia, comprou um pneu de carro para levar para o filho (eles até conversaram sobre isso por telefone antes do voo). Ele também não era um fundamentalista religioso. Mas em fevereiro de 2000, novas acusações começaram a surgir.
Entrevistas com funcionários do hotel em que Batouti costumava ficar enquanto estava em Nova York revelaram que ele havia sido repreendido repetidamente por assediar sexualmente as funcionárias e hóspedes, incluindo solicitações indesejadas, perseguição e exposição indecente. Supostamente, o piloto-chefe da EgyptAir, Hatem Rushdy, que morreu no voo 990, repreendeu Batouti por seu comportamento pouco antes do voo.
Foto sem data de Gameel Al-Batouti, provavelmente com sua esposa |
O orgulho de Batouti aparentemente já era frágil. Ele alcançou um alto posto na força aérea egípcia e treinou pessoalmente muitos dos melhores pilotos da EgyptAir. Mas como ele ingressou na companhia aérea aos 40 anos e suas habilidades em inglês eram fracas, ele nunca foi capaz de subir acima do posto de primeiro oficial, e muitos dos pilotos que treinou acabaram ultrapassando-o.
Para esconder o fato de que não era capitão, sempre usava um suéter que cobria o número de barras de seu uniforme e nunca usava chapéu. A suposta revogação de seu direito de voar para os Estados Unidos teria sido suficiente para empurrá-lo para o abismo? Ele poderia ter sofrido um surto psicótico e derrubado o avião para se vingar de Hatem Rushdy? Taha parecia pensar assim.
Ele também disse ao FBI que, imediatamente após o acidente, os pilotos da EgyptAir foram chamados para uma reunião onde receberam os fatos, e apenas os fatos. Segundo Taha, todos saíram daquela reunião sabendo que Batouti havia derrubado o avião de propósito. As teorias apresentadas pelas autoridades egípcias não passavam de uma fachada.
Investigadores egípcios examinam as caixas pretas (Foto: The Atlantic) |
No entanto, o público egípcio realmente acreditava que Batouti havia sido incriminado. Na verdade, os egípcios comuns pareciam levar as acusações para o lado pessoal, chamando todo o caso de um esforço colonialista para jogar a culpa em um país do "terceiro mundo" e seus pilotos do "terceiro mundo".
A crença popular, espalhada pelos parentes de Batouti, era que toda a base para a “teoria do suicídio” era uma linha mal traduzida do gravador de voz da cabine. Mas isso representou um desprezo deliberado pelas evidências. Muito disso se resumia à crença comum de que os muçulmanos não cometem suicídio.
Os defensores de Batouti também notam que seria muito estranho repetir a frase “Eu confio em Deus” antes de bater um avião. Tawakkelt ala Allahé um ditado egípcio comum usado para solicitar a ajuda de Deus antes de alguma tarefa diária. Talvez, eles argumentam, ele estivesse pedindo a ajuda de Deus para salvar seu avião. Nesse caso, ele teria ficado muito melhor ajudando a si mesmo, mas aparentemente nunca tentou fazer isso.
Nomes dos membros da tripulação no memorial às vítimas do voo 990 da EgyptAir (Foto: Jeff Kowalsky) |
Talvez nunca saibamos exatamente por que Gameel Al-Batouti deliberadamente mergulhou o voo 990 da EgyptAir no mar, levando outras 216 pessoas com ele. Pode ter sido um ato de vingança contra seu chefe, ou pode ter sido algum outro motivo conhecido apenas por ele. Mas que ele de fato o fez de propósito é indiscutível.
A sequência do acidente começou enquanto ele estava sozinho na cabine, após fazer um pedido incomum para começar seu trabalho mais cedo. Não havia razão aparente para ele desligar o piloto automático.
Não havia razão aparente para ele empurrar o nariz para baixo e mantê-lo ali. Quando o capitão Habashi voltou ao seu lugar, Batouti não fez menção de informá-lo de um problema. Não havia razão aparente para ele desligar os motores. Quando Habashi pediu que ele subisse, ele continuou empurrando para baixo.
Os últimos dois minutos do voo 990 guardam segredos que nos perseguirão para sempre. Como foi a bordo daquele avião enquanto ele subia ao seu último zênite desesperado, suspenso na escuridão total? Que palavras finais Habashi disse ao perceber que seu copiloto havia matado todos eles? O que aquelas 217 pessoas sentiram quando as tremendas forças G do mergulho final destruíram o avião? E, à medida que o mar subia por baixo dele, Gameel Al-Batouti lamentou o que tinha feito?
Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos)
Com admiralcloudberg, Wikipedia e ASN