- Não levem nada com vocês! Desafivelem os cintos de segurança! Saia do meu caminho! - ordenava a aeromoça, enquanto atravessava o corredor até a saída de emergência mais próxima.
Num passo firme e apressado, ela abriria caminho assim, meio agachada e mirando as janelas em busca de sinais de fagulha ou fumaça no exterior da aeronave. Não é a postura a que estamos acostumados a ver nos comissários de bordo. Mas é a exigida nas aulas em que eles aprendem a lidar com uma situação extrema: um pouso de emergência.
A demonstração de uma sessão de treinamento para retirada de passageiros, na sede da American Airlines, foi feita no interior de uma cabine econômica de um antigo Boeing-737, adaptado especialmente para isso. A protagonista, Leanne Risley, gerente de administração de treinamento da American Airlines, foi comissária de bordo em Nova York, Los Angeles e Dallas. Começou na carreira em 1993 e eventualmente ainda voa como tripulante. Ela mesma nunca viveu uma situação como a que prepara os comissários para enfrentar:
- Já treinei muito, mas o pior momento em minha carreira foi ter de lidar com um nariz sangrando. Esperamos que os comissários nunca tenham de passar por isso. Mas, quando acontece, eles relatam que os exercícios feitos aqui lhes vêm automaticamente à mente - conta, com tom de voz doce, bem diferente da rispidez durante a sessão.
Foi na demonstração que me convenci de que devo evitar sempre que possível os assentos nas saídas de emergência, que costumam oferecer mais espaço para as pernas. Os passageiros sentados ali terão que sair rapidamente para que o comissário possa executar os procedimentos de segurança.
Leanne Risley, instrutora de voo da American Airlines: Nunca passei por uma situação de risco grave
Quem deixar transparecer que é capaz de manter a serenidade torna-se forte candidato a colaborador. A constituição física também ajuda. Os mais fortes são os mais visados em um pouso de emergência ou para imobilizar quem esteja oferecendo risco à segurança do voo:
- Os comissários informam o que acontece aos passageiros e a posição em que eles devem ficar para um pouso seguro. Em seguida, levamos os ajudantes à saída de emergência, para ensiná-los como proceder, caso o comissário não possa fazê-lo.
As instalações da academia de treinamento da companhia incluem uma piscina com botes infláveis, equipamentos de uso em emergências e modelos dos aviões que integram a frota da American, além dos simuladores usados pelos pilotos. No primeiro treinamento, os tripulantes têm de entrar na água, inflar os botes e armar tendas que protegerão os passageiros de sol ou chuva.
Piscina usada no treinamento da tripulação: bote inflável e o Boeing, ao fundo, usado para simular situações de emergência
- Treinamos os comissários usando uniformes. Se tiverem de entrar no mar, é assim que estarão vestidos, e a água da piscina também não é aquecida, porque o oceano é frio - explica a instrutora.
Anualmente, 17 mil comissários são treinados nas instalações da AA. O treinamento inicial é feito em seis semanas e meia e inclui segurança, serviço de alimentos e atendimento de passageiros. Quando voltam, uma vez por ano, a reciclagem é feita em um dia, e sem entrar na piscina.
Num pouso forçado, o importante é a velocidade de retirada dos passageiros, e, em nome disso, certas normas que valem em outras situações são deixadas de lado. Leanne revela que portadores de deficiência, por exemplo, não têm prioridade:
- Temos apenas 90 segundos para tirar a maioria dos passageiros do avião. Vamos precisar tirar o maior número de pessoas no menor tempo possível. Mas, antes, eu perguntaria a este passageiro qual seria a melhor forma de auxiliá-lo e buscaria a ajuda de alguém para transportá-lo - explica ela, enquanto mostra outros equipamentos usados pela tripulação em situações de emergência.
O uso de desfibriladores a bordo é uma inovação da AA, explica a instrutora:
- Mais de 80 vidas foram salvas a bordo com o uso do desfibrilador. Além disso, o equipamento pode ser usado apenas para monitorar a frequência cardíaca do passageiro. Fomos a primeira companhia a por desfibriladores em nossos aviões em 1998, muito antes de se tornar uma exigência da Agência de Aviação americana (FAA).
Cada comissário foi treinado para usar o aparelho. Mas sempre que há uma emergência médica a bordo, a tripulação é orientada a procurar a ajuda de um médico entre os passageiros:
- Não temos autorização nem treinamento para agir como médicos, ou aplicar medicamentos do kit de bordo. Quando um médico se apresenta, checamos sua identificação e ele usa o kit. Se não houver um a bordo, o piloto contacta o médico em terra. Ele tomará a decisão de aterrissar ou orientar a tripulação.
Fonte e fotos: Cristina Massari (O Globo)