“O espaço é grande”, escreveu Douglas Adams em seu livro O Guia do Mochileiro das Galáxias. “Não dá para acreditar o quanto ele é desmesuradamente, inconcebivelmente, estonteantemente grande.” Ele não estava exagerando. Até a nossa mais próxima estrela, a Proxima Centauri, está a alarmantes 4,2 anos-luz de distância — mais de 200 000 vezes a distância da Terra ao Sol. Ou, se preferir, o equivalente a 50 milhões de viagens de ida e volta à Lua.
Essas grandes distâncias parecem colocar as estrelas muito além do alcance dos exploradores humanos. Suponha que tivéssemos conseguido uma carona na Voyager 1 da NASA, a sonda espacial interestelar mais rápida construída até hoje. A Voyager 1 está agora se dirigindo para fora do sistema solar a cerca de 17 quilômetros por segundo. Nesse ritmo, seriam necessários 74 000 anos para chegar a Proxima Centauri — certamente não estaríamos vivos para apreciar a vista.
O que seria necessário então para o ser humano poder alcançar as estrelas dentro de seu período de vida? Para começar, precisaríamos de uma nave espacial que pudesse acelerar pelo cosmo em velocidade próxima à da luz. Propostas não faltam: veículos movidos a repetidas explosões de bombas de hidrogênio, ou a partir da aniquilação de matéria e antimatéria. Outros lembram veleiros gigantes com velas reflexivas e movidos por feixes de laser.
Todos estes planos ambiciosos têm suas falhas e não há certeza de que possam realmente decolar. Agora há duas novas possibilidades radicais na mesa que podem de fato nos levar — ou melhor, aos nossos descendentes distantes — a alcançar as estrelas.
Em agosto, o físico Jia Liu, da Universidade de Nova York, apresentou seu projeto de uma espaçonave movida a matéria escura. Logo depois, os matemáticos Louis Crane e Shawn Westmoreland, da Universidade do Estado de Kansas, em Manhattan, propuseram planos para uma nave movida por um buraco negro artificial.
Ninguém pode negar que a construção de uma nave movida por buracos negros ou matéria escura seria algo formidável. E mesmo assim, surpreendentemente, parece não haver nada na nossa compreensão atual da física que nos impeça de construir qualquer uma delas. Além do mais, Crane considera que os estudos de viabilidade como os que ele propõe abordam questões da cosmologia que outras pesquisas não consideraram.
Combustível sob demanda
Veja a nave de matéria escura de Liu, por exemplo. A maioria dos astrônomos está convencida da existência da matéria escura graças à forma como sua gravidade arrasta estrelas e galáxias, como vemos com nossos telescópios. Essas observações sugerem que a matéria escura supera a matéria visível do universo em um fator de seis para um — portanto, uma nave movida a matéria escura teria uma oferta abundante de combustível.
Liu inspirou-se numa nave espacial audaciosa proposta pelo físico americano Robert Bussard em 1960. O projeto “ramjet” de Bussard utilizava campos magnéticos gerados pela embarcação para recolher o fino gás do espaço interestelar. Em vez de usar foguetes, a nave seria impulsionada submetendo o gás hidrogênio recolhido a fusão nuclear e ejetando os subprodutos para gerar empuxo.
Como a matéria escura é abundante em todo o universo, Liu visualiza um foguete que não precisaria levar combustível. Isto supera de imediato um dos inconvenientes de muitas outras naves propostas, cujo suprimento de combustível enorme acrescenta muito ao peso e dificulta a capacidade de aceleração. “Um foguete de matéria escura iria pegar seu combustível no caminho”, diz Liu.
Seu plano é dirigir o foguete usando a energia liberada quando as partículas de matéria escura aniquilam umas às outras. Aqui é onde a ideia de Liu depende mais da física especulativa. Ninguém sabe do que a matéria escura é realmente feita, apesar de existirem inúmeras teorias do mundo subatômico que preveem potenciais candidatos a matéria escura. Uma das teorias pioneiras diz que a matéria escura é feita de neutralinos, partículas que não têm carga elétrica. Neutralinos são curiosos porque eles são suas próprias antipartículas: dois neutralinos colidindo sob certas circunstâncias irão aniquilar um ao outro. Se as partículas de matéria escura se aniquilarem dessa forma, irão converter todas as suas massas em energia. Um quilo do material vai gerar cerca de 1 017 joules, mais de 10 bilhões de vezes mais energia do que um quilo de dinamite, e força suficiente para impulsionar o foguete.
Menos certo ainda é o detalhe de como um foguete de matéria escura poderia funcionar. Liu imagina o motor como uma “caixa” com uma porta aberta na direção do movimento do foguete. Quando a matéria escura entra, a porta é fechada e a caixa é reduzida para comprimir a matéria escura e aumentar sua taxa de aniquilação. Ocorrida a aniquilação, outra porta se abre e os produtos são jogados para fora do foguete. Todo o ciclo se repete continuamente.
Liu lembra que quanto mais rápido seu foguete de matéria escura viajar, mais rápido ele vai colher a matéria escura e acelerar. A velocidade exata a que ele pode chegar depende da densidade da matéria escura ao redor, da área de coleta do motor e da massa do foguete. Em seus cálculos, Liu supõe que a nave pese 100 toneladas e tenha uma área de coleta de 100 metros quadrados. “Esse pode ser um foguete capaz de chegar perto da velocidade da luz em poucos dias”, diz ele. Assim, o tempo de viagem até Proxima Centauri seria reduzido de dezenas de milhares de anos para apenas alguns anos.
Há um pequeno problema, no entanto. Para trabalhar de forma mais eficiente, o foguete de Liu teria de voar através de regiões densas de matéria escura. Até onde sabemos, a maior concentração de matéria escura fica a 26 000 anos-luz de distância do centro da Via Láctea. Ainda assim, Liu argumenta que ninguém fez um mapa detalhado da matéria escura em nossa galáxia e espera que concentrações mais próximas sejam encontradas. Mas se isso não é suficiente para frustrar a empreitada, há outra questão: como construir uma caixa de motor que não vaze matéria escura? “Este é o calcanhar de aquiles da ideia”, diz Crane. A matéria escura, por sua própria natureza, interage muito fracamente com a matéria normal e pode passar através dela. Esta pode ser a razão pela qual experiências na Terra não conseguiram até agora captar qualquer passagem de partículas de matéria escura.
Crane acha que imaginar um foguete feito de um material que ainda não sabemos se existe é um salto de fé grande demais. Ele prefere lidar com física e tecnologias mais estabelecidas. Liu é destemido. Ele aponta para as teorias que preveem uma grande quantidade de partículas além das partículas de matéria normal e escura, como as que concebem dimensões extras. “É possível que exista um tipo de matéria que interaja com força suficiente com as duas [matérias]”, diz ele. “Ela poderá ser usada para construir uma caixa.”
Crane está convencido de que a única opção é, de fato, a radiação Hawking. Na década de 70, Stephen Hawking mostrou que os buracos negros não são completamente negros: eles podem “evaporar” quando toda a sua massa se converte numa feroz chuva de partículas subatômicas. Essa radiação, acredita Crane, poderia ser usada para impulsionar uma nave pela galáxia afora.
Viagem de 100 anos
Buracos negros pequenos emitem radiação Hawking muito maior do que grandes buracos negros estelares, conforme as equações que descrevem esses objetos. Crane calculou que um buraco negro pesando 1 milhão de toneladas seria uma fonte de energia perfeita: é pequeno o suficiente para gerar bastante radiação Hawking e alimentar a nave, mas grande o suficiente para sobreviver sem irradiar toda a sua massa durante uma viagem interestelar típica de 100 anos de duração. “Para minha surpresa, existe um candidato “perfeito”, diz Crane.
A primeira pessoa a propor o uso de um miniburaco negro para a propulsão foi o escritor de ficção científica Arthur C. Clarke, em seu romance Terra Imperial. Recentemente, Hawking também divulgou a ideia, defendendo a caça de um buraco negro pré-existente. Crane não está certo de que isso funcionaria. “Quais são as chances de se encontrar um vagando pelo sistema solar?”, questiona ele.
A alternativa seria fazermos o nosso próprio buraco negro. Para criar um, diz Crane, você precisa concentrar uma tremenda quantidade de energia num pequeno volume. Ele visualiza um laser de raios gama gigante “carregado” por energia solar. A energia seria recolhida por painéis solares de 250 quilômetros de diâmetro, orbitando a apenas poucos milhões de quilômetros do Sol e absorveria a luz solar durante cerca de um ano. “Seria um esforço gigantesco, industrial”, Crane admite.
Pesando 1 milhão de toneladas, o buraco negro resultante seria aproximadamente do tamanho de um núcleo atômico. O próximo passo seria manobrálo para a área focal de um espelho parabólico preso ao fundo de uma espaçonave. A radiação Hawking é constituída por diversos tipos de partículas subatômicas, mas as mais comuns são os fótons de raios gama. Alinhados em feixes paralelos pelo espelho parabólico, estes seriam os produtos expelidos pela nave e a impulsionariam para frente.
Candidato perfeito
De acordo com Crane, seu buraco negro de 1 milhão de toneladas poderia acelerar até perto da velocidade da luz em algumas décadas. Se isso é lento demais para você, há um jeito de abreviar as coisas. Um buraco negro menor emitiria mais radiação Hawking, assim poderia impulsionar a nave mais rapidamente, desde que houvesse matéria extra para alimentá-lo. Viajando a essa velocidade em sua nave, o tempo passaria mais devagar para você. Portanto, você envelheceria mais lentamente do que seus amigos e família na Terra. “Pode ser possível atingir a galáxia de Andrômeda a 2,5 milhões de anos-luz de distância dentro de uma vida humana”, diz Crane. Por mais espantoso que tudo isso possa parecer, Crane reitera que, em sua visão, esta é a única forma viável de viajar para as estrelas.
Além dos desafios tecnológicos, Crane acredita que naves movidas a buracos negros podem também ter implicações filosóficas importantes. Crane começou a pensar em buracos negros artificiais 12 anos atrás, quando o físico Lee Smolin, agora no Perimeter Institute for Theoretical Physics do Canadá, em Waterloo, Ontário, pediu que ele lesse o manuscrito de seu livro The Life of the Cosmos.
Ninguém sabe o que acontece na singularidade de um buraco negro, o ponto onde o espaço e o tempo se tornam tão deformados que as leis da relatividade são quebradas. Os últimos cálculos de Crane o fizeram perceber como é curioso que possa haver um buraco negro do tamanho exato para alimentar uma nave. “Por que existe um candidato tão perfeito?”, pergunta ele. A única razão para uma civilização inteligente fazer um buraco negro é poder usá-lo para viajar pelo universo. “Se esta hipótese estiver certa”, diz ele, “vivemos num universo que está otimizado para a construção de naves espaciais.”
Fonte: Marcus Chown (New Scientist) via INFO Online - Imagem: New Scientist