Eles defendem exemplo do movimento paulista para combater corrupção.
Medalhas no peito e no pescoço, terno alinhado, fotografias antigas e capacete verde com a inscrição “Veteranos de 32” sobre a mesa. Às vésperas do feriado de 9 de julho, que marca o aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932, o militar reformado Gino Struffaldi, de 94 anos, relembrou, em detalhes, como foi sua experiência nos quase três meses de conflitos armados no Estado de São Paulo.
À época com 18 anos, o ex-combatente paulista sobreviveu a dois bombardeios aéreos das forças do ex-presidente Getúlio Vargas em um forte do Exército, na Praia Grande, a 72 km de São Paulo. “Os bombardeios foram assustadores. Derrubaram parte dos alojamentos, mas ninguém morreu. Muitas bombas caíram no mar. Não tínhamos armas anti-aéreas e tivemos de adaptar canhões”, recorda.
Cartaz que convocava voluntários
O movimento, que cobrava a criação de uma Constituição e defendia o fim da intervenção de Vargas no governo paulista, arrebatou a população após quatro manifestantes terem sido mortos em protesto na sede do partido do ex-presidente no Centro da capital. As vítimas eram Martins, Miragaia, Drausio e Camargo, nomes que deram origem à sigla M.M.D.C, que batizou o movimento.
“Como um camarada de 18 anos se interessa por política? Eu aderi porque meu comandante aderiu. Eu não tinha noção. Depois fui percebendo o movimento da população e me entusiasmei”, conta Gino, há três anos à frente da Sociedade Veteranos de 32 – M.M.D.C, que visa manter viva a memória do movimento.
Radiotelegrafista do Exército, ele acompanhou as manobras de seus superiores. Após 76 anos, ele ainda tem gravada na memória a mensagem provocativa que o comandante pediu que enviasse à Marinha, autora dos ataques.
“A guarnição do Forte de Itaipu não teme e vê com desprezo inimigos irresponsáveis como são os que pilotaram os aviões Savoia Marchetti que aqui vieram. Breve nos encontraremos. Não perde esperar”, ditou o ex-combatente à reportagem do G1.
Tricô para soldados
De acordo com Gino, cerca de 70 mil mulheres, à época sem direitos políticos, cooperaram com o movimento. Entre elas, estava Dirce Rudge Pacheco e Silva, hoje com 89 anos, que assume nesta quarta-feira (9) o comando simbólico do Exército Constitucionalista durante o desfile de 9 de julho.
Dirce fazia agasalhos para soldados
Aos 14 anos, a dona-de-casa se empenhava em apoiar os soldados e voluntários da revolução. “Fiz muitas meias de tricô, agasalhos, cachecóis. Era inverno e quem estava na linha de frente morria de frio.” A família dela, que vivia em um casarão no Paraíso, também se engajou. “Meus pais e irmãos estavam entusiasmadíssimos. A gente vivia para isso”, lembrou ela, cujos parentes doaram alianças à campanha de arrecadação de ouro para financiar a revolução.
Apesar da resistência do povo, a revolução terminou sem vitória. Frente à iminente invasão das forças de Vargas, São Paulo estava vulnerável, com poucas armas e munições. As lideranças constitucionalistas fizeram então um acordo com o ex-presidente para pôr fim aos conflitos. Ao final do movimento, em 2 de outubro de 1932, Vargas sinalizou a criação de uma Constituição, promulgada em 1934.
Matraca
A memória do movimento também é preservada no Museu Maria Soldado, localizado hoje no Alto da Lapa, na Zona Oeste. O material, que ficava no Obelisco, monumento em homenagem aos veteranos de 1932 na região do Ibirapuera, na Zona Sul, corria o risco de se deteriorar e foi levado temporariamente ao novo espaço.
O museu, localizado em uma escola na Rua Duarte da Costa, 1246, abre para visitação das 7h30 às 17h no período letivo. O local abriga a réplica da chamada matraca (veja ao lado como funcionava). O aparelho simula o som de tiros de metralhadoras que criavam a ilusão de que os paulistas possuíam bastante armamentos.
“Hoje se fala em 9 de julho e ninguém sabe o que é. O movimento constitucionalista é uma referência de ética, respeito e civismo. Essas referências estão desaparecendo, principalmente devido aos péssimos exemplos da política”, defende seu organizador, José Carlos de Barros Lima, estudioso do movimento.
Para Gino Struffaldi, a revolução de 1932 deveria servir de exemplo às novas gerações. “Acho que deve haver uma mobilização cívica, não militar, em favor da moralização. A corrupção hoje em dia é desenfreada”, defendeu o ex-combatente.
Fonte: G1 - Fotos: Silvia Ribeiro