A dívida que levou a Transbrasil à falência já havia sido paga antes da quebra, e o uso indevido das notas promissórias pela credora gerou danos materiais a serem ressarcidos.Essa foi a
decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo em relação a uma apelação da General Eletric Capital Corporation, dona dos títulos de US$ 2,7 milhões levados à Justiça que culminaram na falência. Foi a segunda vez que a Justiça paulista decidiu a favor da Transbrasil na ação que pediu a declaração de nulidade dos títulos. Em primeiro grau, a empresa aérea também teve reconhecido o pagamento de sua dívida com a norteamericana GE.
Em 2007, o juiz Mário Chiuvite Júnior, da 22ª Vara Cível da capital, concluiu que a dívida usada na ação falimentar já havia sido paga, e anulou os títulos cobrados. Ele condenou as seis empresas do grupo GE a ressarcir os prejuízos causados à Transbrasil pela utilização das notas promissórias. A apelação da GE em relação à sentença foi julgada em fevereiro, e o acórdão, publicado em abril.
Por maioria, a 23ª Câmara de Direito Privado não viu razões para alterar a decisão de primeira instância. Notas promissórias executadas judicialmente, para a corte, foram quitadas por transferências bancárias em valor superior ao cobrado. “Protestos, falências, execuções, cobranças supedaneadas nos indigitados ‘títulos’ esboroam-se, caem no vazio, pois não podem ser sustentados pelo ‘nada’”, exclamou o relator do processo, desembargador J.B. Franco de Godoi, no acórdão.
O TJ condenou as seis empresas a ressarcir todo o lucro cessante e os prejuízos causados à Transbrasil pela utilização das notas promissórias, além de pagar em dobro a quantia cobrada indevidamente. A corte também alterou os honorários advocatícios de 20% sobre o valor da ação, de R$ 38 milhões, para 10% do valor da condenação, a ser apurado em liquidação de sentença. Por unanimidade, a câmara reconheceu a inexigibilidade das seis notas — três delas antes declaradas como executáveis pela Justiça, entre as quais a que foi responsável pela quebra, conforme afirmaram os advogados da Transbrasil, Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins, do escritório Teixeira, Martins Advogados. A GE contestou o acórdão com Embargos de Declaração, mas o recurso foi rejeitado no início de maio.
De outro lado, a câmara também negou um pedido feito pela Transbrasil, que insistiu que a GE deveria ser condenada por litigância de má-fé, o que não foi aceito nem em primeiro nem em segundo graus, apesar de o relator do processo no TJ concordar com o pedido.
Uma perícia no meio do caminhoNa defesa feita pelo advogado Willian Marcondes Santanta, a GE afirmou que vários contratos foram feitos depois da assinatura das promissórias, renegociando a dívida, mas nenhum deles foi cumprido. A empresa disse ainda que uma perícia feita pela Trevisan a pedido da Transbrasil não poderia ser considerada prova válida, por ter entrado no processo depois do pedido inicial dos advogados. Foi justamente a perícia que comprovou transferências bancárias feitas pela Transbrasil em valor superior ao da dívida. Para a companhia aéra, as notas foram garantidas pela hipoteca de uma das aeronaves, e a dívida foi paga por meio das transferências.
Para o relator do processo, desembargador J.B. Franco de Godoi, foi a própria GE quem se negou a replicar as afirmações dos peritos, para depois insistir na nulidade da prova. “As rés se limitam a alegar que os relatórios da auditoria nem mesmo merecem comentário na medida em que foram produzidos unilateralmente”, disse o relator. “Após essa singela manifestação, ainda vieram aos autos para alegar a desnecessidade da prova pericial e, por fim, recusaram-se expressamente a apresentar documentos relevantes (…). Se houve algum gravame, este decorreu de sua própria conduta de sonegar documentos.” Segundo o acórdão, as empresas se negaram a apresentar registros contábeis e extratos bancários à perícia.
Voto vencido, o desembargador José Marcos Marrone lembrou que três das seis notas promissórias dadas à GE pela Transbrasil tiveram sua executividade reconhecida pela Justiça, apesar das alegações da companhia aérea de que todas foram pagas. Uma das notas, inclusive, foi a que levou à decretação da falência da empresa, em 1999, “decisão essa mantida recentemente pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça”, disse o desembargador. A decisão do STJ que manteve a falência saiu em outubro do ano passado.
Controvérisa contratualTodo o imbróglio se deve ao arrendamento de aviões e motores pedido pela Transbrasil às credoras. Como a empresa não conseguiu pagar pelos arrendamentos, segundo a Justiça, renegociou os contratos para pagamentos futuros. O primeiro reescalonamento do saldo devedor foi firmado em agosto de 1998, no valor de US$ 10,5 milhões. Como também não foi cumprido, as empresas acertaram, em maio de 1999, um segundo contrato no valor de US$ 22 milhões, já acrescentadas prestações a vencer até agosto do mesmo ano. E é aí que mora a discórdia.
Segundo a companhia aérea, o segundo contrato de reescalonamento, garantido por sete notas promissórias e hipotecas de aeronaves, abrangeu toda a dívida, e foi considerado uma novação. Transferências bancárias ocorridas entre maio de 1999 e abril de 2000, no valor de US$ 21,95 milhões, honraram seis das sete promissórias, de acordo com a perícia da Trevisam. Os títulos, no entanto, foram protestados e executados pelas credoras.
De acordo com a GE, as transferências serviram apenas para quitar aluguéis e reservas de manutenção com os arrendamentos. Como em 2000, o contrato de arrendamento foi rescindido, encerrando a relação entre as empresas quando a dívida recém havia sido paga, a norteamericana afirma que não houve a correta quitação da dívida acumulada.
“A autora não sabia, ao certo, o montante que havia pagado às empresas rés e a que título esses pagamentos foram realizados, nem as empresas rés tinham exato conhecimento do que haviam recebido da autora como pagamento”, afirmou em voto vencido o desembargador Morrone, tentando explicar — e entender — o que aconteceu.
Para a maioria, no entanto, a manobra foi desleal. “Ao protestar os títulos, promover processos executivos e resistir à pretensão da autora nestes autos, as rés acabaram por alterar a verdade dos fatos, pretendendo ocultar fato que ficou incontroverso nos autos, qual seja, o efetivo pagamento das obrigações garantidas pelos títulos”, disse o desembargador Franco de Godoi. Segundo ele, as credoras são obrigadas a arcar com os danos materiais decorrentes da briga que causou a decretação da falência da empresa aérea.
Godoi concordou também com a afirmação da Transbrasil, de que houve litigância de má-fé da GE, e votou pela aplicação de multa de 21% do valor da causa às credoras. No entanto, os demais desembargadores da turma, Rizzatto Nunes e José Marcos Marrone, não chegaram a tanto. Por isso, as empresas estrangeiras só terão de arcar com prejuízos materiais. Ainda cabe recurso.
Clique aqui para ler o acórdão (em.pdf).Apelação 991.08.040009-0Fonte: Conjur