domingo, 7 de junho de 2009

O medo de voar é irracional

ENTREVISTA

Apesar da tendência de queda das mortes em desastres aéreos, o número de pessoas que temem viajar de avião está crescendo no mundo

Há três décadas, o psicólogo e psicanalista austríaco Robert Wolfger, de 63 anos (foto), investiga uma das fobias mais comuns da população do planeta: o medo de voar. Ligado à Austrian Airlines e à Associação Europeia de Psicologia da Aviação, ele é um dos maiores especialistas mundiais no assunto. Segundo Wolfger, o temor das pessoas é desproporcional aos verdadeiros riscos da aviação. “As estatísticas revelam que ocorrem, em média, quatro acidentes para cada 10 milhões de voos de aeronaves de grande porte”, diz. “A probabilidade de alguém se envolver numa tragédia aérea é mínima.” Leia os principais trechos da entrevista a Época.

ÉPOCA – O medo de voar tende a aumentar após o acidente da Air France?

Robert Wolfger – Pessoas que perderam parentes ou amigos no acidente ou que viverem situações que lembrem a tragédia, como estar num avião em zona de turbulência, devem ser as mais afetadas. Aquelas que não perderam ninguém ou não passarem por circunstâncias que considerem inseguras começarão a associar esse acidente às grandes catástrofes naturais em cerca de três semanas. E o medo ficará para trás. O avião ainda é o meio de transporte mais seguro do mundo.

ÉPOCA – O medo é desproporcional aos verdadeiros riscos de voar?

Wolfger – Exatamente. É fundamental encararmos essa catástrofe como ela é:um problema isolado. Pesquisas mostram que entre 40% e 60% das pessoas têm medo de voar. Mas as estatísticas revelam que ocorrem, em média, quatro acidentes para cada 10 milhões de voos de aeronaves de grande porte. A probabilidade de alguém se envolver numa tragédia aérea é mínima. Uma pessoa teria de voar todos os dias durante 3.400 anos para se tornar uma vítima. Os acidentes aéreos matam, em média, 800 pessoas por ano. Para efeito de comparação: os acidentes automobilísticos matam mais de 40 mil pessoas apenas nas estradas europeias todos os anos.

"O passageiro não deve fingir que o medo não existe. Ao contrário, deve enfrentá-lo. Se o medo é de olhar pela janela, ele deve olhar pela janela"

ÉPOCA – Então, por que tanta gente teme voar?

Wolfger – Neste momento, 480 mil pessoas estão voando. Algumas delas sentem medo porque tiveram experiências negativas no passado. Trata-se de um medo justificado. A maioria, porém, se sente insegura por falta de informações ou porque recebeu informações distorcidas sobre os riscos aéreos. Em 90% dos casos, o medo de voar está associado a outros medos – como o medo de altura, de ficar em espaços fechados (claustrofobia), de multidões (sociofobia) ou o medo de não estar no controle de tudo.

ÉPOCA – Trata-se de um medo irracional?

Wolfger – Totalmente irracional. Nos casos mais severos, os pensamentos negativos desencadeiam um processo de estresse e ansiedade tão intenso que a pessoa pode ter ataques de pânico e querer – ou chegar a – agredir alguém. Ela imagina que terá de enfrentar um grande perigo, como se algo ameaçasse sua vida. Seu organismo tem reações automáticas e se prepara para lutar com todas as forças ou para fugir o mais rápido possível. Alguns dos sintomas mais comuns desse medo são boca seca, aumento da frequência cardíaca e da sudorese, palidez, náusea, tremor e tensão muscular. Há diferentes tipos de medo. Um em que a pessoa acha que haverá uma catástrofe com o avião. Outro em que acredita que algo ruim acontecerá a ela. Ou a combinação de ambos.

ÉPOCA – Quais são os momentos mais críticos para quem teme voar?

Wolfger – O medo pode começar a se manifestar dias antes da viagem. Durante o check-in e enquanto aguarda o voo, o nível de ansiedade do passageiro pode aumentar consideravelmente. Se ele decidir embarcar, o estresse pode diminuir um pouco até o avião começar a taxiar na pista. O medo tem muitos altos e baixos. Os níveis de estresse e ansiedade, geralmente, são maiores durante o pouso e a decolagem. Menos de 10% dos acidentes ocorrem quando o avião está em cruzeiro, como no caso da aeronave da Air France. Um avião, a 10.000 metros de altura, é o lugar mais seguro do planeta.

ÉPOCA – O medo de voar é um dos mais comuns para o seres humanos?

Wolfger – É. Talvez seja o maior de todos. Pesquisas mostram que 14% da população ocidental nunca voará por causa do medo. Cerca de 6,5% dizem que já voaram, mas que se recusarão a entrar num avião novamente. E 10% afirmam ter reduzido o número de viagens aéreas. Para muitas pessoas, voar não parece natural. Durante 6 milhões de anos, talvez mais, tentamos voar como os pássaros e só conseguimos recentemente.

ÉPOCA – Como diminuir a sensação de insegurança dos passageiros?

Wolfger – Os casos menos severos podem ser controlados pelo próprio passageiro. Primeiro, é necessário que ele saiba que as aeronaves têm sistemas de segurança redundantes. Quando um falha, há outros para substituí-los. Um acidente aéreo só ocorre quando há falhas consecutivas. Técnicas de relaxamento – como meditar ou se concentrar em uma palavra, ideia ou som – ajudam. Uma das maneiras de lidar com o medo de não estar no controle da situação é pensar que o comando está nas mãos de alguém muito mais experiente. Coisas simples como não comer demais e não abusar do açúcar antes do voo são medidas importantes. O passageiro não deve fingir que o medo não existe. Ao contrário, deve enfrentá-lo. Se o medo é de olhar pela janela, ele deve olhar pela janela.

ÉPOCA – Em que momento é necessário buscar ajuda profissional?

Wolfger – Quando o medo de voar é severo ou atrapalha o dia a dia da pessoa, é fundamental que ela busque acompanhamento psicológico ou psiquiátrico. Alguns pacientes têm de tomar remédios para conseguir lidar com o medo de voar. Outros aprendem a domá-lo com algumas sessões de psicoterapia.

ÉPOCA – Há passageiros que ingerem bebidas alcoólicas ou tranquilizantes no avião para tentar relaxar...

Wolfger – Tranquilizantes podem ajudar a pessoa a enfrentar o medo durante períodos curtos. Mas é uma medida paliativa, e o uso frequente de alguns deles pode causar dependência. O álcool, definitivamente, não é a solução para relaxar. Quando o efeito da bebida passa, a pessoa fica mais ansiosa e estressada que antes de ingeri-la. E pode ter ataques de ansiedade e de pânico extremamente graves.

ÉPOCA – O medo de voar tem crescido nos últimos anos?

Wolfger – Pesquisas mostram que o medo – em geral, e não só o de avião – tem crescido em várias partes do mundo. A divulgação de acidentes aéreos tem um impacto bastante grande na sensação de insegurança da população. Alguns setores da mídia exageram quando tratam desse assunto. E, normalmente, não abordam os riscos reais da aviação da maneira correta. As estatísticas mostram que a tendência de mortes em acidentes aéreos é de queda.

ÉPOCA – Como as companhias aéreas lidam com o medo dos passageiros?

Wolfger – Algumas têm feito um bom trabalho e já estudam as causas e as consequências do medo há bastante tempo. Há seminários sobre isso em praticamente todo o mundo. Tripulantes mais preparados conversam com os passageiros e dão informações frequentes sobre o voo. Falam claramente sobre possíveis atrasos, condições climáticas, trajeto da aeronave. Essa comunicação tranquiliza aqueles que têm medo. O problema é que, em aeronaves lotadas, muitas vezes os comissários de bordo não têm tempo para dar a atenção necessária aos passageiros. Há pilotos que não se comunicam com os passageiros com maior frequência por falta de costume ou porque têm receio de incomodar quem está na classe executiva, passageiros geralmente mais habituados a voar.

Fonte: Solange Azevedo (Revista Época) - Foto: Revista Época

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