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sábado, 11 de janeiro de 2025

Como era ser comissário de bordo na era de ouro da aviação

(Foto: RuthAS/Wikimedia Commons)
A era de ouro do voo para comissários de bordo foi entre as décadas de 1940 e 1960, uma época de brilho e glamour. Tornar-se comissária de bordo era uma profissão altamente reverenciada numa época em que as mulheres realmente podiam ficar em casa ou ser secretárias, professoras ou enfermeiras. Isso deu às mulheres a chance de conhecer o mundo antes de se casarem. Anteriormente, os comissários de bordo eram grumetes, e só depois que Ellen Church, em 1930, sugeriu à Boeing Air Transport que as enfermeiras deveriam poder se tornar comissárias de bordo. A ideia pegou e a era do comissário de bordo começou.

A indústria aérea era relativamente nova e as companhias aéreas comercializavam seus voos para competir com os navios de cruzeiro. Singapore Airlines, British Overseas Airways Corporation (BOAC), Trans World Airlines (TWA) e Pan American World Airways (Pan Am) foram algumas das precursoras numa época em que voar era o epítome do luxo e era muito exclusivo.

(Foto: National Air and Space Museum)
As aeronaves eram muito confortáveis ​​e todos os desejos podiam ser realizados. Algumas das aeronaves mais luxuosas foram o de Havilland Comet, o Douglas DC-8 e o Boeing 377 Stratocruiser. O Stratocruiser tinha dois decks, assentos-cama ou beliches, lounge e bar. Eles eram populares nas rotas transatlânticas.

Os comissários de bordo eram comparados a modelos e seguiam diretrizes e regimes rígidos para manter seus empregos. Eles tinham que ser solteiros e se aposentariam aos 30 anos. Eles tinham que ser atraentes, magros e ter personalidades agradáveis. Os uniformes eram de alta costura e eles tinham dias de beleza para garantir que ficassem bem. Você nunca poderia ganhar peso, ter filhos ou se casar. Os comissários de bordo tinham que ser vistos como sofisticados, sociais e educados.

(Foto: Lost Flight Archive)
As escalas eram longas e cheias de experiências, e as festas na piscina eram familiares. Uma viagem típica duraria de 10 a 12 dias e cobriria várias cidades ao redor do mundo. Uma viagem a Londres incluiria uma viagem necessária ao Harrods. Eles se hospedavam em hotéis cinco estrelas, faziam refeições sofisticadas e contavam com serviço de quarto. Os comissários de bordo foram convidados para eventos especiais e até festas de embaixadas. Eles dividiriam seu quarto de hotel com outra comissária de bordo e fariam traslado de limusine para o aeroporto. A vida de comissária de bordo era como um sonho.

As viagens aéreas eram uma experiência única e memorável naquela época, quando apenas os ricos podiam pagar. As pessoas se vestiam para voar da mesma forma que fariam em um restaurante sofisticado. Na primeira classe, os passageiros receberiam serviço de luvas brancas. A sopa foi servida em uma terrina. Cisnes de gelo cheios de caviar e lagosta acompanhavam garrafas de champanhe. O rosbife foi esculpido em um carrinho prateado à sua frente.

(Foto: San Diego Air and Space Museum Archive | PICRYL)
Os melhores queijos e vinhos franceses também estariam disponíveis. Refeições de cinco a sete pratos eram a norma, servidas em porcelana branca e toalhas de linho. O serviço foi gentil e as refeições foram lindamente apresentadas. Naquela época era permitido fumar e os assentos eram muito maiores, com espaço adequado para as pernas. Algumas aeronaves tinham salões de coquetéis e as bebidas eram servidas por um comissário de bordo sorridente.

Embora eles tivessem o emprego dos sonhos enquanto durou, havia uma desvantagem. Houve algum assédio sexual por parte dos pilotos e às vezes dos passageiros. A segurança era bastante precária. Na década de 70, os comissários de bordo eram promovidos como objetos sexuais e vistos como promíscuos. Os uniformes eram mais curtos e justos e feitos de materiais inflamáveis. O sequestro estava se tornando mais comum e o glamour começou a diminuir. Os comissários de bordo do sexo masculino estavam começando a entrar na indústria. Graças à redução dos preços das passagens e à eliminação dos luxos pelas companhias aéreas na década de 70, pela primeira vez, as pessoas comuns puderam voar; não era mais apenas para os ricos e famosos.

Com informações do Simple Flying

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

História: A crise dos mísseis de Cuba: as fotos de aviões espiões que ajudaram a revelar armamento

As imagens captadas em voos de baixa altitude pelo capitão William Eckner foram as primeiras a confirmar, sem margem para dúvidas, a presença de mísseis soviéticos em Cuba com alto nível de preparação para seu lançamento (imagem: National Security Archive)
A primeira pergunta do presidente americano John F. Kennedy para o funcionário da CIA Sidney Graybeal naquela manhã deixava clara sua principal preocupação: "Isso está pronto para ser disparado?"

"Isso" eram os mísseis que a União Soviética (URSS) havia secretamente transportado para Cuba. Seu alcance de 1.770 km permitiria atingir com bombas nucleares todo o sudeste de Estados Unidos - e até alcançar a capital do país.

O clima em Washington, com seus agradáveis 23 °C, estava longe de refletir o aumento brutal da temperatura política que acabava de ocorrer naquele 16 de setembro de 1962. E esse clima perduraria por várias semanas, quando o mundo viveu seu momento mais próximo da 3ª Guerra Mundial.

Graybeal era o chefe da Divisão Espacial e de Mísseis da CIA. Naquele dia, ele havia chegado à Casa Branca às 7h, junto com Art Lundahl, então diretor do Centro de Interpretação Fotográfica (NPIC, na sigla em inglês), que era o precursor da atual Agência Nacional de Inteligência Geoespacial.

Eles levaram grandes quadros, preparados para sua exposição sobre a existência dos mísseis soviéticos em Cuba, perante o Comitê Executivo do Conselho de Segurança Nacional (EXCOMM, na sigla em inglês), que era o grupo de funcionários que viria a assessorar Kennedy ao longo da crise.

O presidente americano John F. Kennedy e seu ministro da Defesa, Robert McNamara, em sessão do Conselho Executivo do Conselho de Segurança Nacional

O presidente americano John F. Kennedy e seu ministro da Defesa, Robert McNamara, em sessão do Conselho Executivo do Conselho de Segurança Nacional (Crédito: Biblioteca Presidencial John F. Kennedy)
Mas, antes disso, eles passaram a manhã informando altos funcionários sobre a gravidade da situação.

Eles falaram com o conselheiro de Segurança Nacional, McGeorge Bundy; com o secretário do Tesouro, Clarence Douglas Dillon; e, depois, com o então procurador-geral da república, Bobby Kennedy, irmão do presidente, que subiu imediatamente até o quarto pessoal de John Kennedy para informá-lo.

Por volta das 11h, os funcionários passaram para o salão do gabinete. E, perto de meio-dia, o presidente Kennedy reuniu-se a eles.

Após a breve introdução do então diretor em exercício da CIA, o general Marshall "Pat" Carter, Lundahl abriu os enormes quadros sobre a mesa, bem em frente ao presidente. Ao lado de Kennedy, estavam o então secretário da Defesa, Robert McNamara, e de Estado, Dean Rusk.

Lundahl começou a detalhar as imagens aéreas que mostravam os acampamentos sendo montados na ilha para instalação das armas soviéticas.

Comboio soviético perto de San Cristóbal, em imagem do major Steve Heyser a bordo de um avião U-2 - a primeira a mostrar a existência de mísseis soviéticos em Cuba (Crédito: USAF)
Segundo grupo de mísseis soviéticos identificados em Cuba (Crédito: USAF)
Mas os mísseis, as plataformas de lançamento, outros objetos e estruturas que haviam sido fotografados estavam cobertos por grandes lonas, o que levou Kennedy a perguntar como eles sabiam que ali havia mísseis balísticos de médio alcance. Foi quando chegou a vez de Graybeal intervir como especialista em mísseis

Anos depois, ele explicaria que as conclusões a que eles haviam chegado sobre o tipo de mísseis a serem lançados, bem como as condições e o tempo necessário para o seu disparo, eram o resultado da análise de um conjunto de elementos que combinava informações de inteligência obtidas por fontes humanas e a análise das fotografias aéreas.

A chave fotográfica


As imagens feitas pelos aviões de reconhecimento tiveram papel fundamental.

"As fotografias aéreas foram a chave de toda a crise dos mísseis cubanos", afirmou Dorothy Cochrane, curadora do Museu Nacional do Ar e Espaço do Instituto Smithsoniano, à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC).

Para essas tarefas, foram utilizados dois tipos de aeronaves. Um deles foi o avião de reconhecimento U-2 da empresa Lockheed Martin, que tirava fotografias em grande altitude. E havia os aviões Vought RF-8 Crusader e RF-101, que podiam realizar voos de baixa altitude, por cima das copas das árvores, a cerca de 30 metros do solo.

Cochrane indica que os aviões de reconhecimento U-2 possibilitaram detectar o que estava acontecendo em Cuba, permitindo a Kennedy confrontar o primeiro-ministro soviético, Nikita Khrushchev, que inicialmente negou as ações da URSS na ilha.

"Kennedy então pediu que se fizessem fotografias de baixa altitude, que realmente confirmaram a presença desses mísseis", diz Cochrane. "Por isso, foram as imagens de baixa altitude feitas pelo capitão William Eckner, da Marinha americana, no seu avião RF-8A, que confirmaram a presença da base de mísseis soviética e seu nível de preparação para o lançamento."

Ela explica que essas imagens foram mostradas para Kennedy como prova de um possível ataque iminente e também serviram para que o presidente refutasse a negativa de Khrushchev sobre o envio dos mísseis soviéticos para Cuba.

Posteriormente, houve um momento em que as imagens dos aviões de reconhecimento foram mostradas para o mundo na Organização das Nações Unidas (ONU), de forma que a URSS já não poderia continuar negando o que estava acontecendo.

'Teoria do louco': como Nixon tentou convencer soviéticos que usaria bomba nuclear

Das suspeitas até a crise


No verão de 1962, a inteligência americana começou a receber informações sobre a entrada sem precedentes de armas soviéticas em Cuba.

Uma missão do avião de reconhecimento U-2 em 29 de agosto descobriu a presença de mísseis terra-ar SA-2, o que gerou preocupação junto ao chefe da CIA, John McCone. Ele enviou uma nota a Kennedy, expressando sua apreensão de que a URSS pudesse tentar instalar mísseis ofensivos em Cuba.

O avião U-2 foi projetado para espionar o território soviético e acompanhar seu desenvolvimento militar. Ele acabou servindo também para espionar os acontecimentos em Cuba (Foto: Getty Images)
Mas o presidente, da mesma forma que a maior parte da comunidade americana de inteligência, estava inclinado a acreditar que esses mísseis estivessem desmontados com fins defensivos, para evitar outra ação como a invasão da Baía dos Porcos.

Enquanto isso, a CIA vinha recebendo diversos relatórios de inteligência humana provenientes de Cuba através de Miami, na Flórida, nos Estados Unidos, sobre o transporte de mísseis por diferentes partes da ilha.

"Analisei detalhadamente esses relatórios e a maior parte deles poderia referir-se a mísseis terra-ar, pois, segundo as descrições, eles não eram suficientemente grandes para serem mísseis ofensivos. Noventa por cento desses relatórios podiam ser explicados dessa forma, como não sendo mísseis ofensivos", afirmou Sidney Graybeal em uma entrevista concedida em 1999, mantida no Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George Washington, nos Estados Unidos.

Mas o ex-funcionário explicou que, dentre todos esses relatórios, cinco eram realmente preocupantes, pois descreviam um objeto coberto com uma lona, que era sempre transportado em altas horas da noite. Ele era levado em um trailer que não conseguia dobrar as esquinas e, por isso, precisava retroceder e avançar, devido às suas dimensões similares às de um poste telefônico.

"Um míssil terra-ar não teria enfrentado problemas [para dobrar as esquinas], de forma que esse relatório e outros similares foram a base que usamos, quando os U-2 começaram a voar, para tentar orientar onde eles deveriam procurar", explicou Graybeal.

Foi assim que uma missão conduzida no dia 14 de outubro de 1962 encontrou as primeiras imagens que foram analisadas no dia seguinte pelos especialistas do NPIC e apresentadas a Kennedy na reunião de 16 de outubro.

Naquela primeira sessão do EXCOMM, as imagens mostravam, entre outras coisas, comboios soviéticos transportando mísseis perto de San Cristóbal e a existência de um provável complexo de lançamento de mísseis balísticos de médio alcance em Guanajay, ambas na região centro-oeste de Cuba.

Mapa apresentado na primeira sessão do EXCOMM, mostrando o alcance dos mísseis nucleares soviéticos sendo instalados em Cuba (imagem: National Security Archive)
Segundo o relatório inicial apresentado pelo general Carter, foram identificados no local de lançamento 14 trailers de mísseis cobertos com lonas, com cerca de 20 metros de comprimento. Este viria a ser um dado fundamental para determinar o tipo de míssil, embora não fosse o único.

Graybeal explicou para Kennedy naquela reunião que havia dois tipos de mísseis balísticos soviéticos envolvidos - o SS-3, que media cerca de 20 metros e podia ter alcance de 1.014 km a 1.126 km, e o SS-4, que media cerca de 22 metros e tinha alcance de até 1.770 km.

Os mísseis SS-4 detectados em Cuba estavam sem o cone na ponta, o que justificava a diferença entre os 20 metros de comprimento dos trailers e os 22 metros dos mísseis já montados.

Na entrevista concedida em 1999, Graybeal explicou que, para identificar esses mísseis, foram empregadas as fotografias tiradas pelos aviões U-2 sobre Cuba, além de imagens captadas quanto esses mísseis eram exibidos nos desfiles militares em Moscou e outras em lugares onde eles sabiam que esses mísseis haviam sido testados.

"Nós tínhamos excelentes informações de telemetria, que nos forneciam as características internas do míssil", afirmou ele, salientando que, desta forma, eles conheciam o alcance e a capacidade de carga, entre outros detalhes.

Outra informação crítica muito importante, embora não fosse proveniente das fotografias aéreas, vinha dos manuais de funcionamento daqueles mísseis, que os Estados Unidos haviam conseguido por meio de Oleg Penkovsky, alto oficial da inteligência soviética que colaborou com a CIA e com o Serviço Secreto de Inteligência britânico (o MI6).

Com esses dados, era possível saber o que faltava e quanto tempo seria necessário para instalar um míssil daquele tipo e deixá-lo pronto para ser disparado.

A crise, foto a foto


Após aquela primeira reunião do EXCOMM, os aviões de reconhecimento norte-americanos continuaram realizando missões para acompanhar a situação no local.

Foi assim, por exemplo, que um voo permitiu identificar, em 16 de outubro de 1962, o local onde provavelmente estavam armazenadas as ogivas nucleares, próximo a um dos locais de lançamento. E, no dia seguinte, outra missão detectou a presença na ilha de caças soviéticos MIG-21.

Primeira fotografia da construção de um campo de lançamento de mísseis balísticos de alcance intermediário em Cuba (Crédito: USAF)
Fotografia de um avião MIG-21, conhecido como 'rede de pesca' nos Estados Unidos, confirmando a existência deste tipo de avião em Cuba (Crédito: Agência Nacional De Inteligência Geoespacial)
As imagens forneceram indicações sobre a presença de tropas perto dos locais onde estavam localizados os mísseis. Isso ajudou a avaliar a quantidade de militares soviéticos enviados para a ilha e a rapidez com que eles poderiam deixar os mísseis prontos para disparo.

As fotografias aéreas permitiram localizar os mísseis, bem como a disposição das tropas
próximas a eles (Crédito: Agência Nacional De Inteligência Geoespacial)
Os aviões de reconhecimento também localizaram as defesas instaladas pelos soviéticos para proteger seus mísseis balísticos. A presença de mísseis terra-ar dificultava as operações de vigilância americanas e reduzia a probabilidade de uma ação militar sobre a ilha.

Os aviões de reconhecimento também ajudaram a determinar a localização dos mísseis ]defensivos SAM terra-ar (Crédito: Agência Nacional De Inteligência Geoespacial)
Eles também permitiram descobrir como a URSS estava reforçando sua presença militar em Cuba com o envio, em partes, de aviões bombardeiros Ilyushin-28, para que fossem montados na ilha.

A URSS enviou para Cuba partes para montagem dos aviões bombardeiros Ilyushin-28
na ilha (Crédito: Agência Nacional De Inteligência Geoespacial)
As fotografias aéreas possibilitaram aos Estados Unidos acompanhar os avanços soviéticos para a instalação dos mísseis de médio alcance, como se pode observar na imagem de 25 de outubro de 1962. Nela, estão presentes todos os elementos necessários para o lançamento de um desses mísseis, segundo os analistas do NPIC.

Os rastros no terreno que levam até uma das tendas onde os mísseis estavam abrigados indicam que ali havia uma arma quase pronta para ser usada.

Imagem de 28 de outubro de 1962, demonstrando que os soviéticos já mantinham mísseis em estado de preparação bastante avançado em Cuba (Crédito: Agência Nacional De Inteligência Geoespacial)
Após a resolução da crise pela via diplomática, quando os soviéticos aceitaram retirar os mísseis de Cuba, as fotografias dos aviões de reconhecimento permitiram acompanhar a desmontagem dos acampamentos e a retirada do material bélico até seu embarque de volta para a União Soviética.

Após o acordo diplomático que pôs fim à crise, os aviões de reconhecimento ajudaram a confirmar que a União Soviética estava cumprindo com sua parte de acordo, retirando os mísseis de Cuba (Crédito: Agência Nacional De Inteligência Geoespacial)
E, seis décadas depois da crise dos mísseis, os aviões de reconhecimento U-2 continuam em operação. Eles sobreviveram ao desenvolvimento dos satélites de vigilância e dos drones não tripulados, que se acreditava que fossem torná-los obsoletos.

Via BBC

Por que nenhum avião voa sobre o Polo Sul?


O Polo Sul sempre teve uma reputação formidável. Gelado, montanhoso e geralmente não muito acolhedor para os seres humanos. Mas quando você está voando alto em um avião, geralmente não percebe o que está acontecendo no nível do solo. No entanto, aeronaves raramente, sobrevoam a região.

Historicamente, voar perto ou sobre a Antártida era proibido pelas regras dos Padrões Operacionais de Desempenho Bimotor de Alcance Estendido, ou para abreviar, ETOPS.

O ETOPS determina a distância com que os aviões bimotores podem voar para longe de um aeroporto em que podem pousar, ou seja, se um dos motores falha, o avião tem que estar a uma distância máxima de algum aeroporto para que ele possa chegar a tempo. Normalmente, eles não podem se afastar mais do que 2 ou 3 horas de um local adequado para pouso.

Sobre a terra há muitos, e isso não é problema. Mesmo sobre os mares, várias ilhas estruturadas com longas pistas permitem uma travessia transoceânica.

No entanto, as coisas se tornam complicadas sobre a Antártida. Hoje, existem 50 pistas de pouso no continente gelado, mas nenhum aeroporto estruturado capaz de receber um voo comercial. Para colocar as coisas em perspectiva, o aeroporto de desvio potencial mais próximo do Polo Sul é o Ushuaia, na Argentina, porém ainda está a cerca 4 mil quilômetros de distância.

Mas essa não é a única razão, e não, não estamos falando sobre uma muralha de gelo que impede a travessia de aviões. Em primeiro lugar, há uma falta de qualquer necessidade real de sobrevoar a Antártida. Há muito menos tráfego aéreo nos confins do hemisfério sul do que no hemisfério norte.

Por exemplo, ali não há o equivalente àquelas rotas subpolares tipicamente movimentadas entre a América do Norte e a Ásia. E embora nenhum avião sobrevoe exatamente o Polo Sul, algumas rotas seguem pela costa do continente gelado, como os voos entre Sydney e Santiago ou Joanesburgo.

E recentemente, a companhia aérea portuguesa Hi Fly fez história ao pousar pela primeira vez um Airbus A340 em uma pista de gelo na Antártida.

O voo, que durou mais de 5 horas em novembro de 2021, partiu da Cidade do Cabo, na África do Sul, transportando 23 passageiros e vários equipamentos para um acampamento onde um pequeno grupo de turistas e cientistas estavam alojados.

Por que a Airbus foi criada para construir o A300?

O A300 fez seu primeiro voo em 1972, marcando o início da linha de aeronaves
de sucesso da Airbus (Foto: Getty Images)
A Airbus foi formada em 18 de dezembro de 1970 por duas empresas aeroespaciais europeias apoiadas pela França, Alemanha e Reino Unido. O novo fabricante há muito tinha planos para uma nova aeronave de corpo largo, conhecida como A300. Então, por que fazer uma nova aeronave exigiu a formação do Airbus?

Concorrente


A Airbus foi formada como uma resposta direta ao domínio das empresas aeroespaciais dos EUA no espaço da aviação comercial pós-Segunda Guerra Mundial. Empresas como Boeing, Lockheed Martin e McDonnell Douglas lideravam em termos de vendas e novos tipos de aeronaves, com as empresas europeias ficando para trás.

No entanto, alguns países europeus decidiram que seria melhor fundir seus principais fabricantes em um. Dada a formação da Comunidade Econômica Europeia (predecessora da UE), uma fusão era viável e uma boa forma de garantir que o continente tivesse seu próprio ecossistema de aviação robusto.

Henri Ziegler foi um dos fundadores da Airbus e foi o primeiro presidente da empresa (Foto: Getty Images)
O negócio entre França, Alemanha e Reino Unido viu a formação da Airbus, criada pela fusão da Aérospatiale e da Deutsche Airbus em 1970. No entanto, o A300 tem suas raízes alguns anos antes disso.

Um projeto político


Antes mesmo de as negociações para formar uma empresa europeia conjunta estarem concluídas, os ministros dos três principais países já estavam trabalhando na fabricação de uma nova aeronave. Em particular, a Alemanha, a França e o Reino Unido identificaram um mercado para uma aeronave de corpo largo bimotor, com cerca de 250 lugares sentados.

Em setembro de 1967, o trio concordou em colaborar nessa aeronave, que ficou conhecida como o programa A300 . Henri Zeigler era o gerente geral do programa, enquanto Roger Béteille liderava o desenvolvimento técnico. A dupla se tornou os fundadores da Airbus alguns anos depois. Em 1969, o A300 foi formalmente apresentado pela França e Alemanha.

A Air France foi uma das primeiras a adotar o A300, o que não é surpreendente,
dada a política antes da formação do avião (Foto: Getty Images)
Após meses de trabalho no projeto, ficou claro que reunir as empresas europeias era a maneira mais econômica de desenvolver o A300 e competir com os gigantes americanos. No entanto, convencer as três nações não foi fácil. O governo do Reino Unido retirou-se em 1969 devido ao medo de grandes perdas, enquanto a França ameaçou retirar-se devido à sua maior parte do investimento.

Veio junto


Apesar de todas as tensões políticas, França e Alemanha decidiram formar a 'Airbus', com a empresa de cada país possuindo 50% da empresa. O carro-chefe da nova empresa era o A300, uma aeronave de corpo largo que foi criada para ser uma das tecnologias mais avançadas do mundo.

O A300 ainda está em operação hoje com algumas operadoras e por dezenas de operadores
de carga como o A300-600 (Foto: Airbus)
O A300 foi criado para ser uma aeronave inovadora e tinha novos recursos, como materiais compostos. A partir de então, o resto é história, com a Airbus passando a se tornar uma das maiores fabricantes de jatos do mundo.

Por Jorge Tadeu com informações do Simple Flying

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

História: Como nasceu e fracassou a invasão da Baía dos Porcos em Cuba há 62 anos


Johnny López de la Cruz sente que está sufocado. Trancado em um caminhão com mais de 100 prisioneiros, ele mal consegue respirar.

Dentro do contêiner, os presos se desesperam. Começam a suar. Vários desmaiam.

Alguns arrancam as fivelas do cinto militar para perfurar o teto e deixar entrar um pouco de ar.

Eles ganham tempo, mas a maioria acha que eles vão ser fuzilados assim que chegarem a Havana.

A viagem termina sete horas depois. Os militares castristas abrem as portas. Vários corpos inertes caem no asfalto. Nove prisioneiros morreram no trajeto.

Quando chega a vez de Johnny sair, ele mal consegue saltar do caminhão.

No "caminhão da morte", eles não são os únicos prisioneiros. No total, distribuídos por diversos veículos, há cerca de 1,1 mil capturados.

São os sobreviventes da Brigada 2506, um exército de 1,4 mil jovens que poucas horas antes fracassou na tentativa de invadir Cuba, derrotados na Praia Girón pelas tropas de Fidel Castro.

Exaustos, sem munição e encurralados na praia. Assim terminou a Brigada 2506
Exaustos, sem munição e encurralados na praia. Assim terminou a Brigada 2506, 72 horas após o desembarque na ilha

A maioria são cubanos exilados que, após o triunfo da revolução, foram recrutados e treinados pela CIA para derrubar o governo revolucionário na ilha.

Fidel Castro havia chegado ao poder dois anos antes, ao vencer em 1º de janeiro de 1959 o governo golpista de Fulgêncio Batista, a quem acusavam de autoritário e corrupto.

Mas, apesar do grande apoio popular, muitos outros cubanos não compartilhavam das ideias revolucionárias de Castro e se exilaram.

O ataque à Baía dos Porcos de 1961, no entanto, estava condenado ao fracasso antes mesmo do primeiro disparo. E a Brigada ainda responsabiliza Washington.

Da Casa Branca, o então presidente John Fitzgerald Kennedy cancelou na última hora os ataques aéreos que iriam neutralizar as aeronaves castristas.

Isso aconteceu porque os Estados Unidos não podiam figurar como a força motriz por trás da invasão. Não só prejudicava sua imagem internacional, como também dava uma desculpa à União Soviética, que se consolidava como aliada-chave de Castro, para retaliar e provocar um conflito nuclear sem precedentes.

Assim, os jovens determinados, mas também inexperientes, que sonhavam em "libertar Cuba do castrismo", resistiram menos de 72 horas.

Muitas das feridas deixadas pela invasão da Baía dos Porcos permanecem abertas e
definem posições políticas tanto em Cuba quanto nos Estados Unidos
Eles desembarcaram na madrugada de 17 de abril de 1961. Na tarde de 19 de abril, já haviam sido derrotados.

Os sobreviventes da Brigada 2506 foram libertados após intensas negociações no Natal de 1962, um ano e meio depois.

Os brigadistas que ainda estão vivos seguem aguardando no exílio a queda do governo socialista cubano.

Enquanto isso, Cuba comemora todo dia 19 de abril como uma pequena nação derrotou um exército de "mercenários" financiados pelo país mais poderoso do mundo.

Já passaram mais de 60 anos


Esta é a história de como a invasão foi concebida, por que fracassou e o quanto marcou seus protagonistas.

Por que deixei de apoiar Fidel e me juntei à invasão


Retrato de Johnny López de la Cruz quando jovem
Johnny López de la Cruz, hoje com 80 anos, é o atual presidente da Associação de Veteranos da Brigada 2506. Ele fez parte do batalhão de paraquedistas da invasão da Baía dos Porcos. Ele conta como se exilou e se juntou à Brigada:

Abri meus olhos em relação a Castro no dia em que mataram o sargento Benítez.

O sargento Benítez era da polícia de Batista, um bom amigo da família que nunca saiu de Cuba por considerar que não havia feito nada de errado.

Eu apoiava Castro no início. Ele nunca disse ser comunista. Do contrário, ninguém em Cuba teria aceitado.

Mas logo começaram a fuzilar as pessoas, confiscar propriedades, estatizar e tirar terras.

Um dia, dois homens de Castro apareceram e levaram Benítez para ser julgado. Eu estava lá para apoiá-lo.

Durou menos de meia hora. Não o deixaram nem depor. Ele e outros quatro réus foram considerados culpados e levados para um cemitério abandonado fora da cidade.

Foram fuzilados e jogados em uma cova.

Acordei. Não entendia como era possível fuzilar alguém sem defesa. Aquilo era abuso de autoridade.

Comecei então a participar de atividades contrarrevolucionárias. Distribuíamos manifestos e escrevíamos 'Abaixo Fidel' nas paredes.

Mas eles prenderam dois do meu grupo. E pessoas próximas disseram que eu era o próximo.

Foi assim que três companheiros e eu fomos para Havana e voamos para Miami com documentos falsos.

Quando cheguei aos Estados Unidos em 1960, já sabia que outros exilados estavam sendo treinados pela CIA na Guatemala para invadir Cuba. Fui para lá alguns dias depois.

Exército de 1,4 mil exilados

Entre 1959 e 1960, milhares de jovens anticastristas, como López de la Cruz, chegaram à conclusão que a única saída era o exílio ou o pegar em armas.

A maioria foi para os Estados Unidos, um país disposto a financiar a queda de Castro.

As estatizações de indústrias e negócios americanos e o fortalecimento dos laços comerciais e militares com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) logo colocaram Cuba na posição de desafeto dos Estados Unidos.

Fidel Castro, cercado pelo Movimento Revolucionário 26 de julho, falando sobre a
Revolução Cubana em 4 de janeiro de 1959
Castro havia se tornado uma ameaça real à influência regional do país mais poderoso do mundo.

A CIA, agência de inteligência americana, o Pentágono e a Casa Branca, sob o governo de Dwight Eisenhower, se propuseram a acabar com o líder revolucionário.

E encontraram em um grupo de cubanos exilados o exército perfeito para executar o plano.

No total, foram recrutados cerca de 1,4 mil homens.

Cuba, enquanto isso, se preparava diante das suspeitas de uma invasão iminente.

"Herói da Pátria"


Retrato de Jorge Ortega Delgado quando jovem
Jorge Ortega Delgado lutou do lado fidelista durante a invasão. E quando se lembra disso, um brilho ofusca seus olhos. Sentado no terraço de sua casa em Havana, aos 77 anos, ele contou à BBC como se juntou às milícias:

Venho de uma família operária muito humilde. Quando a revolução triunfou, eu tinha 15 anos e me juntei imediatamente às atividades revolucionárias.

Os Estados Unidos começaram a intervir e a tentar atacar Cuba e, em outubro de 1959, foram fundadas as milícias nacionais revolucionárias.

Me alistei e participei de todos os treinamentos durante 1959 e 1960.

No fim de outubro de 1960, Fidel Castro, o comandante-chefe, apareceu no treinamento.

Fidel pediu para reunir todos os milicianos. Éramos quase 1,5 mil.

E, naquela ocasião, pediu aos jovens com menos de 20 anos que se juntassem à artilharia antiaérea.

Naquela tarde, pedi permissão aos meus pais para poder me apresentar. Eles concordaram.

Entramos para a bateria 30. Foi quando nosso treinamento em artilharia antiaérea começou.

O plano


O plano original da CIA e do governo Eisenhower era que os exilados partissem de Puerto Cabezas, na Nicarágua, e desembarcassem perto da cidade de Trinidad, no sul de Cuba.

O objetivo principal era ocupar a região e resistir por tempo suficiente para estabelecer um governo de oposição de líderes no exílio que logo seria apoiado pelos Estados Unidos.

Trinidad fica perto das montanhas do Escambray , onde já havia membros da resistência anticastrista que se juntariam às tropas invasoras e organizariam, se necessário, uma guerra de guerrilhas semelhante à que Fidel Castro saiu vitorioso na Sierra Maestra poucos anos antes.

Para facilitar o desembarque,16 aviões bombardeariam previamente os principais aeródromos de Castro , inutilizando sua força aérea e ganhando assim vantagem no céu cubano.

Mas o roteiro mudou radicalmente quando Kennedy se tornou presidente em janeiro de 1961.

Kennedy modificou o plano original de invasão logo após chegar à Casa Branca em 1961
Ele concordou em continuar com o plano, mas não sob essas condições. Invadir Trinidad em plena luz do dia parecia estrondoso demais.

"Kennedy queria negar qualquer envolvimento na invasão. Tinha que ser encoberta. Desembarcar em Trinidad durante o dia demonstrava muito poderio, que os EUA estavam por trás", explica à BBC News Mundo Peter Kornbluh, diretor do Projeto de Documentação de Cuba do Arquivo de Segurança Nacional dos Estados Unidos.

"A operação tinha que ser o mais secreta possível, e Kennedy deu à CIA três dias para refazer um plano que havia sido tramado durante um ano inteiro", acrescenta o especialista, que conseguiu divulgar o relatório do fracasso que se manteve em sigilo por 37 anos.


Kennedy reduziu os aviões de 16 para oito e instou a CIA a mudar o local e o horário de desembarque.

O lugar escolhido se revelou mais tarde um dos piores possíveis: a Baía dos Porcos, uma enseada de difícil acesso também no sul da ilha.

Nesta área, a costa é hostil.

É uma área pantanosa, com muitos manguezais intransponíveis e "dentes de cachorro", como são conhecidas as concentrações de recifes em Cuba, afiados.

Um cenário difícil para desembarcar em sigilo e com fluidez.

Perto da Baía dos Porcos havia um aeroporto, essencial para que os aviões invasores pudessem reabastecer.

15 de abril - O bombardeio 


Jorge Ortega Delgado completa seu primeiro treinamento em canhões antiaéreos e aguarda ansioso em 15 de abril para dar uma volta. São vários meses de formação militar.

Mas naquela mesma manhã o alarme de combate toca. Aviões invasores bombardearam dois aeroportos em Havana e outro em Santiago de Cuba.

"Saímos imediatamente, nos mandaram pegar os canhões e nos colocaram numa praia. Quando chegamos, nos contaram que, ao amanhecer de 15 de abril, aviões mercenários atacaram nossos aeroportos e mataram sete do nosso lado", lembra Ortega.

Jorge Ortega era integrante da bateria 30 da artilharia castrista e diz ter sentido
total repúdio ao saber da invasão de Cuba
"Todos os jovens sentiram um repúdio completo. Não podíamos acreditar. Estávamos dispostos a fazer o que fosse necessário para defender a pátria", acrescenta o ex-combatente, ainda com fervor na voz.

O bombardeio de 15 de abril de 1961 era o primeiro dos que Kennedy havia autorizado para inutilizar os aviões de Castro antes do desembarque, previsto para 17 de abril.

Os oito aviões decolaram na madrugada de 15 de abril da base de Puerto Cabezas, na Nicarágua, e lançaram granadas sobre os aeródromos de Santiago de Cuba, no leste do país, e Ciudad Libertad e San Antonio de los Baños, ambos em Havana.


Apesar de ter deixado sete mortos, apenas poucas aeronaves cubanas foram danificadas, algumas já imprestáveis.

A força aérea castrista ficou praticamente intacta e, além disso, conseguiu abater um dos aviões invasores.

Após o bombardeio, um avião se passando por cubano pousou em Key West, na Flórida. O piloto alegou ser um desertor das forças armadas de Castro.

O bombardeio de 15 de abril mal danificou ​​as aeronaves da frota castrista,
   que conseguiu continuar a se defender e conter todos os outros ataques
Na verdade, era parte do plano da CIA para não envolver os Estados Unidos no ataque.

Dessa forma, pareceria que havia eclodido uma rebelião interna anticastrista em Cuba, em vez de uma ação promovida pelo alto comando dos Estados Unidos.

"Mas a história do desertor durou apenas algumas horas. Embora os Estados Unidos negassem, todo mundo ficou sabendo que os aviões eram americanos e que pretendiam fingir que o ataque fora perpetrado por desertores cubanos", explica Kornbluh.

Com a suspeita de envolvimento dos Estados Unidos, Kennedy cancelou o restante dos ataques. Um golpe decisivo contra as aspirações da Brigada 2506, que não teria apoio aéreo suficiente.

"Sempre digo que a guerra estava perdida antes de começar", lamenta López de la Cruz.

Mas, naquele momento, nenhum dos invasores sabia.

17 de abril - O desembarque 


1h da manhã. As lanchas com invasores se aproximam da Praia Larga, no final da estreita Baía dos Porcos.

Eles não querem fazer barulho. Surpreender é parte essencial do plano.

Mas Castro pressente há meses um ataque. Ele sabe que uma guerra contra os Estados Unidos é como uma batalha de Davi contra Golias — e se preparou bem.

"Ele tinha milícias patrulhando praticamente todas as praias da ilha", explica Kornbluh.

Uma dessas patrulhas escuta ruídos. E abre fogo.

Os invasores respondem. Conseguem capturar alguns dos patrulheiros, que haviam tido tempo de dar o alerta. O elemento surpresa havia ido por água abaixo.

As tropas de Castro já estão se mobilizando para conter a invasão, e ainda faltam muitos para desembarcar.


"Barcos de papel"


Retrato de Humberto López Saldaña quando jovem
Humberto López Saldaña tem 83 anos. Em 1960, deixou Cuba e se exilou com a família em Miami, onde logo se juntou à Brigada. Ele estava em um dessas lanchas invasoras e contou à BBC News Mundo como foi o desembarque:

Tivemos muitas dificuldades. Começamos a combater cedo demais. Isso atrasou o desembarque.

Além disso, nossas lanchas eram muito pequenas. Cada vez que se chocavam contra os recifes, ficavam praticamente destruídas. Muitas afundaram.

O desembarque durou até as primeiras horas da manhã. Esperamos a maré baixar para ter uma visão melhor e evitar os recifes. Da costa, nos jogaram uma corda para chegar à terra firme.

Por volta das 6h da manhã apareceu a força aérea castrista. As bombas caíam do lado. Nossos barcos cambaleavam como se fossem de papel.

Os barcos invasores foram avariados ao colidir contra recifes na área de desembarque
Pouco depois, um foguete atingiu meu barco, o Houston.

O pânico se instalou. Vários companheiros morreram. O capitão jogou o Houston contra os recifes para facilitar o acesso dos demais à terra.

Além de inutilizar o Houston, os aviões de Castro também afundaram o Rio Escondido. Nessas embarcações tínhamos muita munição e toneladas de gasolina de aviação. Perdemos tudo.

"Quando você começa a disparar, se exalta e perde o medo"

Jorge Ortega e sua bateria chegaram à província de Matanzas, onde fica a Baía dos Porcos, no dia 17 de abril por volta das 5h da tarde.

Lá soube que lutaria contra os 1,2 mil homens que haviam conseguido desembarcar, além do batalhão de paraquedistas que foi lançado em outras áreas próximas.


Ortega se lembra de ouvir os milicianos, a explosão de tanques e morteiros.

"No dia 16 de abril, ouvimos com atenção o discurso de Fidel em homenagem aos nossos sete compatriotas que morreram nos bombardeios. No caminho para Havana, o povo saía com bandeiras às ruas nos pedindo para derrotar o inimigo", recorda Ortega sobre as horas antes de se posicionar atrás do canhão.

Foi nesse discurso que Castro declarou pela primeira vez o caráter socialista da revolução e exortou o povo a expulsar os mercenários.

Foi assim que a televisão cubana transmitiu parte do discurso de Fidel Castro em 16 de abril de 1961

Na manhã de 18 de abril, Ortega avistou aviões inimigos. Foi a primeira vez que ele disparou um canhão.

"Você se sente inibido. Todos nós sentimos medo. Quem diz que não, está mentindo. Mas você olha para o lado e vê o resto firme e determinado. Quando você começa a disparar, se exalta e perde o medo", conta Ortega.

Nesse mesmo dia, sua bateria entrou com mais tropas nas imediações de Praia Larga, já cercando grande parte do exército de exilados.

"Ao amanhecer de 19 de abril, vimos cair no mar um dos aviões que derrubou nossa bateria. Outro avião caiu em um canavial. O copiloto morreu carbonizado, mas o piloto saltou de paraquedas e tentou fugir. Morreu lutando cercado por nossas tropas", relata o ex-combatente.

Com os ataques prévios ao desembarque cancelados, os aviões B-26 que acompanharam a invasão foram presas fáceis diante da frota praticamente intacta de Castro.

Os barcos que transportavam o combustível foram perdidos, e os aviões invasores não podiam usar o aeroporto próximo à Praia Girón como pretendiam.

Para reabastecer, eram necessárias quatro horas de voo de ida e volta até a base da Nicarágua. Cada vez que voltavam a Cuba, tinham menos de uma hora para bombardear.

As metralhadoras traseiras foram removidas para deixá-los mais leves — e isso os tornou mais vulneráveis.

Mal haviam se passado 24 horas desde o desembarque na madrugada de 17 de abril, e os invasores já haviam perdido dois dos seis barcos e metade da frota aérea.

Sem o apoio aéreo dos EUA, os bombardeiros B-26 estavam mais vulneráveis
O restante das embarcações partiu para alto mar para evitar maiores danos diante da reação de Castro.

Em 19 de abril, quatro instrutores de voo americanos que aguardavam na Nicarágua foram acudir os brigadistas que combatiam sozinhos, mas as forças fidelistas os derrubaram.

"Não era a hora deles morrerem, mas sentiram que deveriam nos apoiar. Foi um grande gesto", lamenta López de la Cruz.

19 de abril - Fracasso consumado


Castro conhece as dificuldades do inimigo. Por isso se apressa e avança com tudo para encurralá-los na costa e impedir que escapem.

Suas tropas chegam em ondas: caminhões com mais homens, tanques blindados, morteiros, aviões.

Castro conhecia as dificuldades do inimigo e aproveitou para encurralar os invasores na Praia Girón
No terceiro dia, os invasores não têm mais munição, tampouco aviões ou rota de fuga. Eles se rendem por volta das 17h30 da tarde de 19 de abril.

É complicado fornecer dados exatos sobre o número de mortos do lado invasor.

"Havia o pessoal da marinha nos barcos que afundaram e ali perdemos a contabilidade exata", explica De la Cruz.

O presidente da Associação de Veteranos estima que houve 103 mortos e outros 100 feridos.

Ele considera que as baixas foram mínimas levando em conta que não pararam de lutar durante três dias.

Do lado cubano, um dos comandantes que liderou a resistência, José Ramón Fernández, estimou o saldo em 176 mortos, 300 feridos e 50 incapacitados em um livro sobre a invasão que escreveu com Fidel Castro.

Milícia cubana com um corpo. É difícil saber o número exato de mortes do lado invasor

"Um ato de arrogância"


"A invasão da Baía dos Porcos foi um erro de cálculo tremendamente arrogante por parte da CIA", avalia Kornbluh.

O alto comando estava convencido de que a revolução de Castro era impopular e que bastava uma invasão militar de opositores para que o povo se voltasse contra ele.

"Mas a verdade é que Castro era muito popular nessa região. Havia levado eletricidade e apoio agrícola. A CIA confiou em suposições falsas e pobres para armar a invasão."

"Também não era difícil imaginar que dezenas de milhares de militares cubanos derrotariam rapidamente 1,4 mil invasores", diz Kornbluh.

Prisioneiros rendidos caminhando um após o outro. Cerca de 1,1 mil homens da Brigada 2506 foram capturados e levados para prisões em Havana

A prisão


Humberto López Saldaña conta à BBC News Mundo o que aconteceu após ser capturado:

Antes de sermos transferidos para a prisão, Che Guevara chegou. Nos perguntou o que fazíamos antes de deixar Cuba. Parecia muito calmo, mas sempre pensei que a qualquer momento poderia levar um tiro.

Nos transportaram em vários caminhões. Um estava muito cheio. Fechado hermeticamente. Nesse, morreram nove companheiros.

O meu foi com as portas abertas. Enquanto estávamos sendo transferidos, as pessoas gritavam na rua: "Mercenários, traidores da pátria, vamos fuzilar vocês!"

Depois, em Havana, nos trancaram na prisão de Castillo del Príncipe. Lá o tratamento não foi bom.

Algumas celas estavam superlotadas e você tinha que dormir no chão.

Se nossos familiares nos mandavam algo, os guardas jogavam no chão. As pessoas brigavam para pegar. Tínhamos que nos organizar e repartir as coisas.

Conseguir charutos era muito difícil. Alguns prisioneiros fumavam até casca de laranja.

Quando saíamos para caminhar no pátio, um guarda nos cutucava com baionetas se não andássemos rápido.

Uma coisa bem tétrica é que éramos cerca de 150 por galeria e só havia um banheiro.

Nos ofereciam um café com leite que, na verdade, era água suja — e, muitas vezes, cuspiam nele antes de entregar. O pão que nos davam era duro como pedra. Jogavam no chão e não acontecia nada com ele. Você tinha que molhar para poder comer. A comida era muito escassa.

A troca


López de la Cruz passou mais de três meses em uma cela solitária porque tentou escapar e passou a integrar a categoria de presos perigosos.

Por isso, foi colocado no último avião que mandou os prisioneiros livres de volta a Miami.

Era Natal de 1962.

Kennedy havia enviado um famoso advogado para negociar com Castro.

Era James B. Donovan, que em fevereiro de 1962 havia conduzido uma troca de prisioneiros entre os Estados Unidos e a União Soviética.

Familiares dos prisioneiros e o procurador-geral do Estado contrataram o
famoso advogado James B. Donovan para conduzir as negociações
Ele viajou pela primeira vez a Havana em 30 de agosto de 1962 e, no dia seguinte, se reuniu por quatro horas com Fidel Castro.

Nos meses seguintes, Donovan se encontrou várias vezes com o líder cubano.

As negociações foram tratadas como um processo de "indenização", mais do que uma troca humanitária, "algo que Castro exigiu desde o início porque queria que Cuba fosse compensada pelos custos da invasão", explica Kornbluh.

Meses antes da libertação, os prisioneiros haviam sido julgados publicamente por traição à pátria.

Julgamento dos prisioneiros, Havana, 1962: Os prisioneiros testemunharam em um julgamento público televisionado, em que relataram o envolvimento da CIA na operação
Muitos acreditavam que acabariam sendo fuzilados, mas foram condenados a 30 anos de prisão e impuseram uma fiança no valor total de US$ 62 milhões.

No fim de dezembro de 1962, Donovan acordou com Castro que os presos seriam libertados em troca de US$ 53 milhões em remédios e alimentos que seriam distribuídos ao povo cubano.

Quando os primeiros carregamentos de mantimentos chegaram em 23 de dezembro, os aviões da Pan American Airlines estavam transferindo os prisioneiros para Miami, onde uma recepção com 10 mil pessoas os aguardava no agora extinto auditório Dinner Key.

Os prisioneiros foram recebidos com comoção por familiares e amigos em Miami na véspera e no dia de Natal de 1962
Enquanto isso, em Cuba, era celebrada a "segunda vitória de Girón", por terem vencido "a batalha pela indenização".

No último avião da Pan Am, López de la Cruz lembra de olhar pela janela e pensar que seria muito difícil voltar ao seu país.

"As pessoas dizem que nos trocaram por latas de compota, mas não nos sentimos humilhados. Pela nossa libertação, Cuba recebeu muitas roupas, alimentos e remédios que o governo distribuiu à sua maneira", diz López Saldaña.

Nenhum dos dois exilados voltou a pisar em Cuba.

Jorge Ortega: "Sempre serão nossos inimigos"


Se um dia eu poderia sentar com um deles e tomar um rum? Para mim, parece muito difícil depois dos companheiros que morreram ou acabaram mutilados.

Conversar, sim, Cuba está sempre disposta a dialogar. Mas precisa haver igualdade de condições. Enquanto houver um embargo, não é possível.

Retrato atual de Jorge Ortega
Sessenta anos após a invasão, Jorge Ortega conversou com a BBC. Até hoje, ele acha difícil ter um relacionamento amigável com integrantes da Brigada 2506

Os integrantes da Brigada são mercenários porque se venderam a um país que os contratou.

Eles sempre serão nossos inimigos. Nunca deixaram de ser e, de Miami, continuam influenciando e apoiando este bloqueio contra nosso país.

É verdade que Obama esteve recentemente em Cuba e pediu a retomada do diálogo.

Mas ele também pediu para esquecer a história. A história não se esquece. Sempre a temos presente.

Heróis em Miami


A invasão da Baía dos Porcos é vista em Cuba como um ataque de traidores da pátria vendidos aos Estados Unidos.

Todo dia 19 de abril, é comemorado com marchas e paradas militares o que o governo cubano considera a "primeira grande derrota do imperialismo na América Latina".

Todo mês de abril, os cubanos que vivem na ilha celebram a vitória de Praia Girón,
 ‘o triunfo sobre um exército de mercenários e traidores'
A 145 quilômetros, no entanto, o sentimento é muito diferente.

Pelas ruas de Miami, ecoa a nostalgia do que poderia ter sido. Monumentos, museus e parques homenageiam os heróis da Brigada 2506.

Os sobreviventes não gostam de falar hoje, 60 anos depois, sobre quantos cubanos do outro lado mataram durante a invasão.

"A verdade é que prefiro não dizer. Sabíamos que íamos para a guerra, mas ninguém jamais vai dizer que gostamos de matar pessoas. No fundo, éramos todos irmãos ", diz López de la Cruz.

"Alguém vai matar ou ser morto. Hoje parece diferente, é verdade que éramos todos cubanos. Mas naquela época estávamos simplesmente pensando em libertar Cuba de todo o horror que estava acontecendo", reflete López Saldaña.

Os veteranos da Brigada ainda sonham em testemunhar em vida a queda do governo cubano.

Há dois presidentes americanos na história que eles têm dificuldade em perdoar: Kennedy e Obama.

"Kennedy não estava à altura. Foi uma estupidez porque, embora ele quisesse proteger os Estados Unidos, estava claro que eles estavam envolvidos. Com o passar dos anos, entendi sua decisão, mas é verdade que muita gente se sente traída e decepcionada com o que ele fez", diz López de la Cruz à BBC News Mundo.

‘A verdade é que prefiro não dizer. Nós sabíamos que íamos para a guerra, mas ninguém jamais
dirá que gostamos de matar pessoas. No fundo, éramos todos irmão' , diz López de la Cruz
Os veteranos são ainda mais críticos em relação a Obama.

"Ele quis cair nas graças do regime de Castro e negociar, mas foi ingênuo. Cuba abriu as portas para eles sem mudar nada. Foi uma política desastrosa ", diz López Saldaña.

Grande parte da comunidade cubana exilada na Flórida continua a apoiar uma política linha dura contra a ilha e venera ex-brigadistas como heróis no exílio.

"Temos uma satisfação tremenda. Cumprimos nosso dever, embora não tenhamos alcançado o objetivo. Aqui em Miami somos muito respeitados. O próprio Donald Trump se encontrou conosco várias vezes. Em setembro de 2020, na verdade, ele nos convidou para ir à Casa Branca. Estamos muito orgulhosos", reafirma López Saldaña.

Via BBC - Créditos: Pesquisa e reportagem: José Carlos Cueto / Edição: Daniel Garcia Marco e Liliet Heredero / Design e ilustração: Cecilia Tombesi / Programação: Catherine Hooper / Com a colaboração de Will Grant, Adam Allen e Sally Morales / Projeto liderado por Liliet Heredero e Carol Olona