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O Airbus A380 é uma aeronave widebody quadrimotor a jato para o transporte de passageiros, fabricado pela EADS Airbus. É o maior avião comercial do mundo. Os aeroportos em que opera tiveram suas instalações adaptadas para acomodá-lo com segurança. Inicialmente foi chamado de Airbus A3XX e projetado para desafiar o monopólio da Boeing no mercado de grandes aeronaves. O A380 fez seu primeiro voo em 27 de abril de 2005 e entrou em serviço comercial em outubro de 2007, com a Singapore Airlines.
A última unidade do maior avião de passageiros do mundo já começou a ser produzida. O Airbus A380 teve uma vida curta, de apenas 15 anos desde o seu voo inaugural de testes. Com 274 encomendas, no entanto, o modelo está longe de ser o maior fracasso comercial da história da aviação.
Fuselagem do último A380 é transportada para a fábrica da Airbus em Toulouse
(Reprodução/Twitter)
Assim que teve início a crise na aviação por conta da pandemia do novo Coronavírus, uma das primeiras atitudes das companhias aéreas que operam o modelo foi deixar todas as suas unidades em solo. O A380 só é viável se voar com alta ocupação devido aos custos de operação. Com poucos passageiros, o prejuízo do A380 só aumenta. Nesse caso, a melhor alternativa para as companhias aéreas é substituir o modelo por aviões menores e mais econômicos.
Já houve casos de aviões que tiveram menos de 20 unidades produzidas. O maior fracasso veio de um modelo que pretendia concorrer justamente com o avião mais vendido da história, o Boeing 737 e que já teve mais de 10.000 unidades produzidas.
A lista de grandes fracassos comerciais inclui também aviões que pretendiam mudar a aviação por completo, como é o caso dos modelos supersônicos criados para a aviação regular de passageiros. Há até um modelo que chegou a voar no Brasil sob as cores da extinta Varig.
Veja outros cinco aviões que foram um fracasso comercial:
Convair 990
37 unidades
Varig teve três unidades do Convair 990 (Reprodução)
O Convair 990 ficou famoso por ser o avião subsônico mais rápido do mundo. Em voo de cruzeiro, o modelo atingia o equivalente a 91% da velocidade do som. O avião era uma versão mais alongada do Convair 880, que já era um fracasso comercial e vendeu apenas 65 unidades. Já o Convair 990 teve apenas 37 unidades produzidas entre 1961 e 1963.
O Convair 990 tinha concorrentes de peso, como o Boeing 707 e o Douglas DC-8. O problema é que a Convair havia prometido às companhias aéreas uma velocidade ainda maior, mas para isso exigia um consumo de combustível muito grande. Para ser viável, o avião tinha de voar a velocidade semelhante à de seus concorrentes.
O Convair 990 chegou a voar no Brasil pela Varig. Na verdade, o modelo foi comprado pela Real Aerovias em 1960, mas o avião só foi entregue em 1963, quando a Varig já havia assumido o controle da Real. Inicialmente, o Convair 990 operava na rota entre o Rio de Janeiro e Los Angeles (EUA) e depois para a Europa e outros países da América do Sul.
Illyushin IL-96
29 unidades
Cubana é a única companhia aérea que ainda opera o Illyushin IL-96 (Wikimedia)
A russa Illyushin já havia lançado um jato quadrimotor nos anos 1970 para concorrer com o Boeing 747. Com custos operacionais bem acima do seu concorrente, o Illyushin IL-86 vendeu pouco mais de cem unidades, especialmente para companhias aéreas da antiga União Soviética e de Cuba.
Em meados dos anos 1980, a empresa decidiu aprimorar seu projeto e lançou o Illyushin IL-96, mas o avião foi um fracasso comercial ainda maior. Desde o primeiro voo em 1988, apenas 29 unidades foram produzidas. Atualmente, apenas a companhia aérea Cubana opera o modelo, com quatro aviões em sua frota.
Concorde
20 unidades
Apenas a Air France e a British Airways voaram com o Concorde (Divulgação)
O Concorde é um símbolo de sofisticação e o principal avião supersônico voltado ao transporte de passageiros. Ainda assim, o avião passou longe de ser um sucesso comercial. O avião ficou em serviço por quase 30 anos, mas apenas 20 unidades foram produzidas. Apenas duas companhias aéreas (Air France e British Airways) chegaram a operar o modelo.
O Concorde foi apresentado em dezembro de 1967, mas realizou seu primeiro voo de testes somente em março de 1969. Foram mais sete anos de testes até que o supersônico finalmente realizasse seu primeiro voo comercial em 1976. O avião foi um projeto desenvolvido em conjunto entre a França e o Reino Unido.
O problema do Concorde era o seu alto custo operacional e de manutenção. Isso impedia que o avião fosse utilizado em larga escala pelas companhias aéreas, ficando limitado a poucas rotas.
O supersônico chegou a fazer voos com regularidade no Brasil. A Air France voava para o país na rota entre Paris, Dakar (Senegal) e Rio de Janeiro. A escala no Senegal era necessária, pois o Concorde não tinha capacidade de combustível para um voo direto de Paris ao Rio de Janeiro, um trajeto de mais de 9.000 quilômetros. A rota para o Brasil foi a primeira da Air France com o jato supersônico, marcando a estreia do Concorde nas operações de voos comerciais de passageiros.
Tupolev TU-144
16 unidades
Tupolev TU-144 foi o supersônico de passageiros mais rápido do mundo (Divulgação)
O russo Tupolev TU-144 foi o jato supersônico de passageiros mais rápido da história. Enquanto o Concorde podia atingir até 2,04 vezes a velocidade do som, o avião russo chegava a até 2,35 vezes a velocidade do som.
O Tupolev enfrentava as mesmas dificuldades para se tornar viável comercialmente, e apenas 16 unidades foram produzidas. Para piorar a situação do Tupolev TU-144, dois graves acidentes marcaram a curta história do avião russo.
O primeiro aconteceu durante a feira de Le-Bourget, em Paris, em junho de 1973. O avião fazia um voo de apresentação a baixa altura quando os pilotos perderam o controle da aeronave, se chocaram com o solo e morreram. Em maio de 1978, o Tupolev TU-144 sofreu seu segundo acidente por conta de uma ruptura de uma linha de alimentação de combustível em um dos compartimentos do motor.
Com o acidente, a Aeroflot decidiu encerrar a carreira comercial do supersônico russo. Em pouco mais de seis meses, a empresa realizou 55 voos, sempre na mesma rota, com um total de 3.284 passageiros transportados.
Dassault Mercure
12 unidades
Air Inter foi a única companhia aérea a voar com o Dassault Mercure (Wikimedia)
O Dassault Mercure tinha um objetivo ousado de concorrer com o novo Boeing 737, que se tornaria o jato comercial mais vendido da história. O avião francês apostou na maior capacidade de passageiros e maior velocidade, mas cometeu um erro gravíssimo na autonomia de voo limitada a apenas 1.700 quilômetros.
O avião havia sido pensado para realizar rotas de curta distância na Europa. O problema é que isso tornou inviável a sua penetração em outros mercados importantes, especialmente nos Estados Unidos.
O Dassault Mercure recebeu o pedido de uma única companhia aérea. A francesa Air Inter encomendou dez unidades do modelo, que se somaram aos dois protótipos que já haviam sido produzidos. No total, o Dassault Mercure teve apenas 12 unidades, tornando-se um verdadeiro fracasso comercial.
A fábrica principal da Boeing está localizada perto de Seattle em Everett, Washington (Foto: Getty Images)
O fabricante aeroespacial norte-americano Boeing é um dos nomes mais conhecidos em toda a aviação. A empresa sediada em Chicago emprega mais de 140.000 pessoas em todo o mundo e produz aeronaves comerciais e militares. Ao longo de mais de um século de operações, produziu alguns dos aviões comerciais mais icônicos de todos os tempos, como a famosa família 747.
Fundada há mais de um século em 1916 como Pacific Aero Products Company, a Boeing assumiu sua identidade atual um ano depois. O nome vem de seu fundador, o magnata americano da madeira William Boeing. Nas décadas que se seguiram, passou da produção de dois lugares como o Modelo 1 para alguns dos maiores jatos de grande porte do mundo.
No início
Embora a Boeing tenha surgido em 1916 como a Pacific Aero Products, suas raízes estão um pouco mais antigas. De acordo com a empresa, William Boeing desenvolveu pela primeira vez um fascínio por aeronaves quando compareceu ao primeiro Los Angeles International Air Meet em janeiro de 1910. Apenas dois meses depois, aos 28 anos, ele comprou o que se tornaria sua primeira fábrica.
Embora a paixão da Boeing pela aviação fosse forte, ele não experimentou seu primeiro voo até cinco anos depois. Isso aconteceu em julho de 1915, quando teve a chance de experimentar a alegria de voar no hidroavião Curtiss, acompanhado de Terah Maroney. Maroney foi uma das pioneiras da aviação nos Estados Unidos e era conhecida por suas façanhas de barnstorming.
As primeiras aeronaves da Boeing, como o Modelo 1, eram hidroaviões (Foto: KudzuVine via Wikimedia Commons)
Primeira aeronave da Boeing
Um ano depois, a Boeing começou a produzir aeronaves, resultando no primeiro voo do Modelo 1 em junho de 1916. Também conhecido como Hidroavião B & W, dois exemplares desse projeto acabariam sendo produzidos. Depois que a Marinha dos EUA rejeitou os avanços da Boeing, tornou-se a primeira venda internacional da empresa. Eles finalmente foram para a Escola de Voo da Nova Zelândia.
Foi em torno desse tipo que William Boeing oficialmente incorporou sua empresa com o nome Pacific Aero Products. Ela então se tornou a Boeing Airplane Company em abril de 1917, logo após a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial. Com o conflito crescendo, a Marinha dos Estados Unidos foi mais receptiva aos produtos da Boeing e encomendou 50 hidroaviões Modelo 2 em julho daquele ano.
A Boeing produziu 56 Modelos 2s (Foto: Museu de História e Indústria via Wikimedia Commons)
Movendo-se para aviões comerciais
Com o fim da guerra, a Boeing teve que diversificar seu portfólio e aproveitar o espírito do correio aéreo. Para esse setor, produziu o B-1 Flying Boat, que chegou a operar voos internacionais para o vizinho Canadá. Em meados da década de 1920, ela começou a produzir um avião de correio aéreo terrestre conhecido como Modelo 40. Este também foi um dos primeiros projetos de avião comercial, operado por empresas como Varney Airlines, Pacific Air transport e sua própria companhia, Boeing Air Transport .
O Modelo 40 era um biplano, assim como o maior Modelo 80 que se seguiu no final dos anos 1920. No entanto, com o passar dos anos 1930, a Boeing mudou sua ênfase para as configurações de monoplano. Isso resultou na produção do Modelo 247, que era um design todo em metal que superava outros aviões contemporâneos em termos de velocidade e segurança.
O Boeing 247 estabeleceu o padrão para uma nova geração de aviões comerciais (Foto: Getty Images)
Durante os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial, 1940 viu o modelo 307 'Stratoliner' da Boeing entrar em serviço com a Pan Am. Este projeto poderia voar até 20.000 pés, graças ao fato de ser o primeiro avião comercial com cabine pressurizada. No entanto, a Boeing construiu apenas 10, já que o conflito levou a uma mudança de foco. Para o resto da guerra, construiu bombardeiros como o B-17 'Flying Fortress' e o B-29 'Superfortress'. O fim da guerra causou perdas generalizadas de empregos na Boeing.
Um catalisador para uma nova era de viagens aéreas
Após o conflito, a Boeing tentou se recuperar com o lançamento de seu novo design 377 'Stratocruiser'. Ele entrou em serviço em 1949 com a Pan Am, mas as vendas baixas, totalizando apenas 56 aeronaves, forçaram um repensar. Isso levou a empresa a se concentrar no desenvolvimento de aeronaves a jato. Como tal, no início dos anos 1950 desenvolveu um protótipo conhecido como 367-80.
O 367-80 foi uma grande aposta financeira para a Boeing, mas valeu a pena (Foto: Getty Images)
Isso resultou na produção de um jato de quatro motores que a Boeing apelidou de 707. Isso entrou em serviço com a Pan Am em 1968 e teve um grande impacto, vendendo 865 unidades mais 154 720 de fuselagem curta. Embora não tenha sido o primeiro jato do mundo (esta honra coube ao de Havilland Comet), o 707 é amplamente considerado como tendo catalisado a 'era do jato'.
A era do jato foi o prenúncio de mudanças tecnológicas e sociais. A nova tecnologia tornou as aeronaves mais rápidas e maiores, permitindo que mais pessoas de uma ampla gama de origens viajassem mais. A Boeing levou isso ao extremo em 1970, quando seu famoso 747 entrou em serviço com a Pan Am. Também conhecido como jato jumbo, este foi o primeiro avião de passageiros widebody do mundo.
A Boeing projetou o 747 para transportar 2,5 vezes mais passageiros do que o 707 (Foto: Getty Images)
Twinjets e problemas
A Boeing teve grande sucesso com o 747, que vendeu mais de 1.500 unidades. Ele permanece em produção meio século depois, com os exemplares finais definidos para entrega no próximo ano. No entanto, desde o lançamento do jumbo, ele se concentrou principalmente em projetos de dois jatos.
O advento do ETOPS permitiu que ela produzisse carrocerias de dois motores com capacidades de longa distância. Isso inclui as famílias 767, 777 e 787 'Dreamliner'. Em termos de corpos estreitos, o trijet 727 levou ao desenvolvimento do 757 bimotor . Ambos tiveram um sucesso comercial significativo, cada um vendendo mais de 1.000 unidades.
O avião de passageiros mais popular da Boeing também foi um narrowbody bimotor, ou seja, a série 737. Com cerca de 11.000 unidades produzidas, esta é uma das famílias de aeronaves mais difundidas de todos os tempos . No entanto, acidentes fatais envolvendo a nova série 737 MAX fizeram com que esses narrowbodies de próxima geração fossem aterrados por 20 meses em 2019 e 2020.
As famílias 777X e 737 MAX ganharam as manchetes nos últimos anos (Foto: Getty Images)
Céus mais claros à frente
Depois de resistir à espada de dois gumes dos encalhes do MAX e da pandemia do coronavírus, a Boeing agora olha para o futuro. Já se passou quase um ano desde que a FAA liberou o jato para retornar aos céus, e a Boeing pôde começar a entregar sua carteira de aeronaves MAX. Dados de ch-aviation.com mostram que mais de 400 estão ativos no momento.
A Boeing também está trabalhando para o lançamento de sua nova série 777X. Consistindo nas variantes 777-8 e 777-9, espera que este widebody de próxima geração entre em serviço dentro de dois anos . Ele fez seu primeiro voo em janeiro de 2020, e a variante maior do 777-9 deve ser o avião de passageiros mais longo do mundo. É montado na fábrica da Boeing em Everett, perto de Seattle. Destacando o tamanho da Boeing, este complexo apresenta o maior edifício do mundo em volume.
No dia 23 de Novembro de 1996, três homens invadiram o cockpit de um Boeing 767 da Ethiopian Airlines, espancaram o primeiro oficial e exigiram que o capitão pilotasse o avião - e todos os que nele se encontravam - para a longínqua terra da Austrália. Incapaz de convencer os sequestradores de que o jato de grande porte não tinha combustível suficiente para cruzar o Oceano Índico, o capitão Leul Abate foi forçado a virar seu avião para o mar, e em direção a um destino incerto, para que os atacantes instáveis e embriagados não o matassem e a seus passageiros.
Ficando sem combustível e lutando contra os seus captores cada vez mais erráticos, dirigiu-se para o remoto arquipélago das Ilhas Comores, ao largo da costa do sudeste de África, na esperança de desembarcar - mas os homens, caindo num estado de desespero niilista, decidiram embarcar. em vez disso, em uma missão suicida. Quando o impediram de chegar ao único aeroporto internacional das ilhas, Leul Abate só teve uma escolha: abandonar o avariado 767 no oceano, ao largo da costa de Grand Comore.
Numa dramática aterrissagem de emergência captada pelas câmaras de turistas que frequentavam a praia, o jato deslizou pela água, enterrou-se no mar, deu uma cambalhota e desintegrou-se catastroficamente, atirando detritos para o alto. Embora moradores e turistas tenham corrido para o local para ajudar os sobreviventes, a maioria das pessoas a bordo nunca escapou do avião destruído e afundado: dos 175 passageiros e tripulantes, apenas 50 sobreviveriam.
Entre os sobreviventes estavam ambos os pilotos, que — com a ajuda das caixas negras — conseguiram contar a história angustiante da sua luta contra um bando de sequestradores que pareciam não dar qualquer valor às vidas humanas, sejam as suas ou as de outros. E através de tudo isso brilhou a bravura particular de Leul Abate, um piloto que foi forçado a uma situação impossível, mas resistiu até o fim, fazendo o máximo para salvar seus passageiros não de qualquer emergência aeronáutica, mas da maldade crua de seus semelhantes.
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Em 1991, após anos de seca e fome, as forças rebeldes derrubaram o regime dominante da Etiópia, conhecido como Derg, encerrando o reinado de 17 anos do ditador Mengistu Haile Mariam. Este período turbulento trouxe grandes dificuldades a grande parte do país, e a companhia aérea estatal Ethiopian Airlines não foi poupada à agitação política.
Embora a companhia aérea fosse naquela altura uma das poucas transportadoras africanas certificadas para cumprir as normas de segurança dos Estados Unidos (um estatuto que mais tarde seria questionado), as suas normas de segurança eram outra questão.
De acordo com várias fontes, a Ethiopian Airlines sofreu nada menos que 10 sequestros ou tentativas de sequestro entre 1991 e 1996, enquanto o Los Angeles Times lista 17 sequestros “envolvendo etíopes”, muitos dos quais foram perpetrados por ex-soldados, leais ao deposto Derg, que não via outro caminho senão fugir do país. Outras podem ter sido levadas a cabo por indivíduos que procuravam escapar à pobreza extrema, embora os detalhes sejam escassos.
Leul Abate, provavelmente à direita, começou como mecânico de aeronaves, função que é retratado nesta foto, antes de chegar ao topo da linha de voo (Ethiopian Airlines)
Naquela época, a Ethiopian Airlines não mantinha uma frota tão grande quanto hoje e, por um golpe de azar, vários desses sequestros envolveram o mesmo homem. Com 42 anos em 1996, o capitão Leul Abate voava para a Ethiopian Airlines há muitos anos e passou algum tempo na cabine de praticamente todos os tipos de aviões que a empresa operou até o momento, desde o DHC-6 Twin Otter de 20 passageiros até o caminho até o Boeing 767, a primeira aeronave de fuselagem larga da Etiópia.
Antes de 1996, Leul* foi sequestrado duas vezes enquanto pilotava essas aeronaves, nas quais foi forçado a voar para o Quênia e o Sudão, respectivamente. Ninguém ficou ferido em nenhum dos incidentes, mas ambos seriam insignificantes em comparação com o que estava por vir.
*Nota: Na Etiópia, os sobrenomes normalmente não são usados. Cada nome é composto por um nome próprio, pelo qual a pessoa é conhecida, e um patronímico, que é o nome do pai. Assim, “Abate” refere-se ao pai de Leul Abate, não a ele, e é correto chamá-lo de “Leul”.
ET-AIZ, a aeronave envolvida no acidente (Aero Icarus)
Em novembro de 1996, Leul alcançou o posto de capitão do 767 e, do total de 11.500 horas de voo, ele tinha 4.000 no tipo, o que o tornou bastante familiarizado com a aeronave. Com tanta experiência em uma frota muito pequena, ele e outros pilotos da Ethiopian Airlines conheciam tão bem os 767 que conheciam cada um deles por um apelido – incluindo um avião de nove anos, o Boeing 767-260ER, prefixo ET-AIZ (foto acima), que os pilotos chamavam de “Zulu, ”após a designação do alfabeto da OTAN para Z, a última letra do seu registro.
Foi esta aeronave que Leul Abate estava programado para voar numa viagem de rotina com múltiplas escalas através de África no dia 23 de Novembro de 1996. A rota, designada voo 961, fornecia um serviço crítico entre uma série de países que abrangem o continente, com escalas em Nairobi, Quénia; Brazzaville, República do Congo; e Lagos, Nigéria; antes de concluir com uma etapa até Abidjan, capital da Costa do Marfim. Também foi escalado para o voo um primeiro oficial bastante experiente, Yonas Mekuria, que tinha mais de 6.500 horas totais, incluindo 3.000 no 767.
Com os dois pilotos, um mecânico, nove tripulantes de cabine e 163 passageiros a bordo, o voo 961 partiu do Aeroporto Internacional de Bole, em Adis Abeba, Etiópia, às 11h09, horário local, virou para o sul em direção a Nairóbi e subiu normalmente até a altitude de cruzeiro de 39.000 pés. Não havia nenhum sinal de que algo estivesse errado – certamente ninguém a bordo poderia saber que três dos passageiros não tinham qualquer intenção de voar para o Quênia.
A rota padrão do voo 961
Vinte minutos após a decolagem, mais ou menos na hora em que o voo estava se estabilizando a 39.000 pés, os passageiros de repente avistaram dois homens correndo pelo corredor vindos do banheiro traseiro, com um terceiro homem seguindo atrás. Um dos homens deixou imediatamente claras as suas intenções: “Todos deveriam estar sentados”, gritou ele, “Tenho uma bomba!”
O voo 961 estava prestes a se tornar o terceiro e mais dramático sequestro de Leul Abate.
Enquanto os comissários de bordo recuavam, cancelando abruptamente o serviço de bebidas, os sequestradores entraram na cozinha de proa, abriram a porta desprotegida da cabine e invadiram a cabine de comando.
Os sequestradores declararam que havia onze no grupo (na verdade, eram apenas três, o que era bastante óbvio para todos); pegou um extintor de incêndio e um machado de sua área de armazenamento; e espancou o primeiro oficial Yonas Mekuria até sangrar, forçando-o a fugir da cabine. Só agora, totalmente armados e com Leul sozinho na cabine, é que os sequestradores emitiram a sua única exigência: que ele virasse o avião para o mar e voasse para a Austrália.
Leul ficou surpreso com o pedido. O problema ficou imediatamente evidente: eles não tinham combustível suficiente para fazer um voo transoceânico. Na verdade, para economizar peso e, assim, melhorar a eficiência, os aviões normalmente transportam apenas uma quantidade mínima de combustível exigida por lei, consistindo no suficiente para chegar ao destino, mais extra para diversas contingências, normalmente trinta minutos de espera mais um desvio para um suplente designado, ainda restando uma reserva mínima, embora os requisitos exatos variem.
Portanto, durante o voo de aproximadamente duas horas para Nairóbi, a tripulação abasteceu apenas cerca de três horas e meia de combustível, o que não os levaria nem a meio caminho da Austrália. Leul tentou explicar que eles teriam que parar para comprar mais combustível antes que ele pudesse atender ao pedido dos sequestradores, talvez em Mombaça, no Quênia, mas para sua surpresa, eles se recusaram a acreditar nele.
Em vez disso, um dos sequestradores recuperou um exemplar da revista de bordo “Selamta” da Ethiopian Airlines, que continha especificações para os Boeing 767 da empresa, e apontou que, de acordo com a publicação, o 767-200ER poderia permanecer no ar por até às 11 horas.
Leul passou um tempo considerável tentando explicar que o número de 11 horas só é alcançável com uma carga completa de combustível, e ele tentou demonstrar usando o sistema indicador de quantidade de combustível, com uma comparação entre a carga real de combustível e o que seria uma carga de combustível de 11 horas. a carga de combustível por hora deve ser semelhante.
E, no entanto, apesar dos seus esforços conscientes e respeitosos, os sequestradores continuaram convencidos de que ele estava a fazer bluff – que a sua proposta de parar para abastecer em Mombaça era na verdade uma armadilha para entregá-los às autoridades. Se ele não voasse diretamente para a Austrália, insistiram, explodiriam o avião e todos os que estavam nele.
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Alcance aproximado do voo 961 em comparação com a localização da Austrália
A essa altura, já havia passado tempo suficiente para que os passageiros e a tripulação começassem a fazer um balanço de seus captores. Embora parecessem ser do Corno de África, os homens falavam francês entre si, o que é incomum na Etiópia, e vestiam roupas ocidentais. Apenas um usava algum tipo de cobertura facial. Eles não pareciam ter nenhuma arma, além do extintor e do machado de incêndio, além de várias garrafas de uísque; um dos sequestradores usava uma luva grande que, segundo ele, escondia uma bomba, mas Leul não estava convencido.
Mesmo assim, muitos dos passageiros acreditaram nas ameaças, e mesmo que a bomba fosse falsa, isso dificilmente faria qualquer diferença para Leul - afinal, eles poderiam matá-lo ou incapacitá-lo com o machado de incêndio a qualquer momento, caso em que seriam em problemas igualmente profundos. O desafio aberto aos sequestradores estava, portanto, fora de questão, mas se ele cumprisse as suas exigências e se voltasse agora para a Austrália, provavelmente acabariam perdidos no mar, com pouca esperança de resgate.
Em vez de tomar qualquer uma dessas medidas fatais, Leul decidiu que a melhor coisa a fazer era manter os sequestradores falando, permitindo que a situação permanecesse equilibrada no fio da navalha. Mantendo a calma, ele explicou que precisaria informar ao controle de tráfego aéreo que eles estavam se desviando, momento em que pôde informar o controle da área de Adis Abeba que o voo 961 havia sido sequestrado e estava sendo solicitado a voar para a Austrália, mas não tinha combustível suficiente para chegar lá. Ele também começou a virar o avião em direção à costa, mantendo a direção sul-sudeste de 170˚, mas sem intenção de ultrapassar o oceano.
Enquanto isso, dois dos sequestradores deixaram a cabine e retornaram para a cabine, onde confrontaram os comissários de bordo e exigiram fazer um anúncio aos passageiros. Depois de receberem uma breve introdução sobre como usar o sistema de alto-falantes, os sequestradores anunciaram, em inglês, francês e amárico, que haviam assumido o controle do avião, que eram opositores do governo etíope que haviam escapado ou sido libertados da prisão. (os relatos das testemunhas variam de acordo com a palavra usada) e que eles tinham uma bomba e “não hesitariam em usá-la” se os passageiros tentassem interferir. Notavelmente, eles não mencionaram a intenção de desviar para a Austrália.
Na cabine, o principal sequestrador permaneceu com Leul e agora exigia que ele ligasse para o número de telefone do escritório do agente geral de vendas da Ethiopian Airlines na Austrália, que estava listado em um horário de voo da Ethiopian Airlines. Leul explicou que não havia telefone a bordo e que teria que chamar o controle de tráfego aéreo para retransmitir a mensagem; felizmente, os sequestradores consentiram, o que lhe deu a oportunidade de fornecer mais informações sobre a situação.
Ligando para o centro de Nairobi, como estavam agora no Quénia, Leul disse: “Nairobi, Ethiopian 961”.
“Ethiopian 961, Centro de Nairobi, vá em frente”, respondeu o controlador. Os principais centros de controlo de tráfego aéreo no Quénia já tinham sido informados do sequestro pelos seus homólogos na Etiópia.
“Nairobi, Ethiopian 961, temos uma mensagem para a Austrália, por favor”, disse Leul.
“Vá em frente”, disse o controlador. Não houve resposta imediata, então ele repetiu: “Ethiopian 961, prossiga com sua mensagem”.
Durante quatro minutos, houve silêncio na frequência e então Leul transmitiu: “Todas as estações, todas as estações, tenho uma retransmissão telefônica para a Austrália. Este é o Ethiopian 961, o número de telefone da Austrália é 032647346, o número de telefone da Austrália 022647346 e o Ethiopian 961 seguindo para a Austrália atualmente a caminho de Mike Oscar Victor. Obrigado."
“Ethiopian 961, confirme o número de telefone da Austrália 032647346?” perguntou Nairóbi.
“Negativo, 022647346, 022647346, este é o número de telefone da Austrália”, repetiu Leul. “E estamos no nível de vôo 390, o combustível a bordo está em duas horas agora, o combustível a bordo está em duas horas, indo para Mike Oscar Victor.”
Leul e o controlador de Nairobi confirmaram novamente o nível de voo e o número de telefone, após o que o Centro de Nairobi perguntou: “Ethiopian 961, Centro de Nairobi, confirma que vai aterrar na Austrália?”
“Senhor, não podemos chegar à Austrália”, disse Leul. “Temos apenas duas horas de combustível, não podemos chegar à Austrália – teremos que fazer um pouso na água.”
O voo 961 apresenta uma das transcrições ATC mais estranhas que já encontrei (Ethiopia CAA)
Alarmado com esta reviravolta, o controlador perguntou: “Ethiopian 961, confirma que não pode desviar para Mombaça?”
“Eles se recusaram a pousar em qualquer lugar que não fosse a Austrália, então não temos escolha”, respondeu Leul. “Exceto quando terminarmos o nosso combustível, pousaremos na água”, acrescentou, tanto para os sequestradores quanto para o controle de tráfego aéreo.
“Mas com duas horas de combustível você não consegue chegar à Austrália, por que não desembarca em Mombaça?” o controlador perguntou novamente.
“Ok, só um minuto”, disse Leul. Ele agora ligou o rádio nos alto-falantes da cabine para que os sequestradores pudessem ouvir os dois lados da conversa. Pouco depois, ele anunciou novamente: “Todas as estações, você lê?”
“Vá em frente, disse Nairobi.
“Ok, eu só queria que nossos sequestradores ouvissem o que você está comunicando e se você tiver algo a dizer, vá em frente e conte a eles”, disse Leul.
“Tudo bem, estou avisando que com duas horas de combustível você não conseguirá chegar ao seu destino e provavelmente terá que pousar na água. A melhor solução é você pousar em Mombaça. Vá em frente”, disse o controlador. Trinta segundos depois, sem nenhuma resposta do avião, ele repetiu: “Os sequestradores do Ethiopian 961, se vocês copiaram, sigam em frente”.
“Esperando para conversar, espera”, disse Leul. Momentos depois, ele respondeu: “Tudo bem, eles dizem que não querem conversar, não estão dispostos a negociar quaisquer termos”.
“Roger, Roger, Ethiopian 961, verifique se a Austrália tem mais de seis horas de vôo e você tem apenas duas horas de combustível. Você provavelmente irá cair no oceano. por que você não desembarca em Mombaça e pega mais combustível?” o controlador perguntou novamente.
“Dizem negativo, aqui é o capitão falando, ah…” Leul respondeu
Depois de quase um minuto de silêncio, o controlador ligou novamente. “Ethiopian 961, Centro de Nairobi?”
“Vá em frente”, disse Leul.
“Ethiopian 961, sugerimos que você desembarque em Mombaça e depois pegue combustível para chegar à Austrália. Por favor, pouse em Mombaça, pouse em Mombaça”, disse o controlador.
“Roger, Roger, você tem outra alternativa além da Austrália?” o controlador perguntou.
“Não há outra alternativa senão a Austrália”, repetiu Leul. “Não há alternativa.”
“Avise-nos quando você espera chegar à Austrália. ETA Austrália”, disse o controlador.
“Temos duas horas de combustível, duas horas de combustível”, repetiu Leul.
Durante quatro minutos, não houve mais transmissões. Depois, às 12h18, o controlador perguntou novamente se poderiam pousar em Mombaça, ao que a resposta permaneceu “negativa”. O centro de Nairóbi ligou novamente às 12h25, afirmando: “Ethiopian 961, verifique com o combustível restante, você não conseguirá chegar à Austrália e muito provavelmente irá cair no oceano?”
“Sim, é isso que eles estão dizendo”, disse Leul.
Abandonando momentaneamente sua fraseologia profissional, o controlador perguntou, com um toque dramático: “Confirmam que estão prontos para pousar no oceano e se afogar?” Não houve resposta, então o controlador disse novamente: “Ethiopian 961, você tem outro aeródromo alternativo onde possa prosseguir além da Austrália, qualquer outro aeródromo alternativo, por favor informe”.
“Não tenho aeródromo alternativo, senhor, estou em uma situação muito difícil”, disse Leul.
A bordo do avião, o principal sequestrador decidiu que a discussão já havia durado o suficiente, então arrancou os fones de ouvido e os óculos de sol de Leul. Não haveria mais comunicações entre o voo 961 e o Centro de Nairobi, apesar das repetidas tentativas do controlador de contatar o voo.
No entanto, Leul Abate continuou a dirigir o 767 pela costa leste da África, passando por Mombaça e em direção à ilha de Zanzibar, na Tanzânia, mantendo vários rumos entre 160˚ e 175˚. Os sequestradores pareciam entediados; alguns deles bebiam álcool isento de impostos roubado da cozinha, e o líder estava sentado no assento do primeiro oficial, mexendo preguiçosamente nos controles.
Em algum momento, ele pediu novamente a Leul para ligar para a Austrália, momento em que o capitão tentou retransmitir o pedido via rádio da empresa e depois para o centro ATC em Dar es Salaam, na Tanzânia.
Mas os sequestradores tinham sido claros sobre a inadmissibilidade de falar com o controle de tráfego aéreo, então o principal sequestrador arrancou novamente o fone de ouvido de Leul, após o que nenhum controlador jamais teria notícias do voo 961 novamente.
E para piorar a situação, os sequestradores estavam fartos do que consideravam jogos do capitão Leul: foi nesse momento que, apesar das tentativas de Leul de explicar que estavam quase sem combustível, ordenaram-lhe que desligasse o avião. para o mar.
Se você nunca ouviu falar das Comores, provavelmente não está sozinho, e é por isso que incluí este mapa. Comores apresenta um ambiente de influências suaíli, bantu, francesa e árabe acumuladas ao longo dos séculos, e foi uma colônia francesa antes da independência em 1975. A ilha de Mayotte, uma das quatro principais ilhas do arquipélago de Comores, votou para permanecer parte de França. A população é predominantemente muçulmana. (Imagem de domínio público)
Se tivessem virado o oceano uma hora antes, teria sido uma sentença de morte, mas agora já tinham chegado suficientemente ao sul para que o mar não estivesse mais vazio. A sudeste da Tanzânia, entre a costa africana e a ilha de Madagáscar, existe uma cadeia de ilhas vulcânicas que compreende a nação independente das Comores, um pequeno país com cerca de 850.000 habitantes espalhados por três ilhas montanhosas a meio caminho entre o Equador e o Trópico de Capricórnio.
O capitão Leul afirmaria mais tarde que nunca tinha ouvido falar das Comores antes do voo 961, mas que elas apareciam no seu atlas, e isso era suficiente. O aeroporto da capital das Comores, Moroni, tinha até uma pista longa o suficiente para um 767 – se os sequestradores o deixassem pousar lá, o que era um grande “se”.
Foi por volta desse ponto que a gravação da voz da cabine começou, restando aproximadamente 30 minutos de combustível. Com o avião a caminho das Comores, o capitão Leul estava ocupado discutindo com os sequestradores bêbados e às vezes incoerentes. Pensa-se que dois deles estavam na cabine, com o líder no assento do primeiro oficial, enquanto o terceiro sequestrador montava guarda na cabine.
“Posso transmitir para os passageiros?” Leul pôde ser ouvido perguntando no início da gravação.
“Não”, disse o sequestrador.
“O que eu diria a eles é – sequestrador, olhe aqui – neste exato momento, já que está além da minha responsabilidade, a aeronave está fadada a cair”, disse Leul. Ele esperava que, se não conseguisse pousar, pudesse pelo menos ajudar os passageiros a se prepararem para o inevitável pouso na água.
"Você quer morrer?" o sequestrador ameaçou.
“Vamos morrer de qualquer maneira”, disse Leul.
"Portanto, você quer que matemos você?" o sequestrador respondeu. “A partir de agora estamos de acordo, não estamos? Não há mais conversa. O que dissemos na partida, não quebramos promessas, nunca quebramos, deixamos ir até onde pode chegar, então [ininteligível], não é?”
Seguiram-se várias outras declarações ininteligíveis e depois um período de silêncio. Vários minutos depois, o sequestrador quebrou o silêncio com um lembrete sinistro: “Não se preocupe”, disse ele, “o machado está comigo”.
“Por favor, pelo menos deixe-nos fazer um pouso controlado”, disse Leul.
Ao fundo, dois sequestradores podiam ser ouvidos conversando. "Deixe-me para trás aqui?" um deles perguntou repetidamente.
"Por que? Eu não desembarco. Morrerei junto com ele”, disse o principal sequestrador. “Vou mostrar a ele minha coragem. Não desembarco sozinho, finalizado . Morremos lado a lado.”
Por razões desconhecidas, o principal sequestrador tinha o hábito de inserir a palavra inglesa “terminado” em várias frases, aparentemente para dar ênfase.
“Então deixe-me ir até os passageiros e enfrentar a morte junto com eles”, disse Leul, ainda tentando defender o anúncio dos passageiros.
“Por que não morrer aqui?” o sequestrador perguntou.
“Em vez de morrer de olhos abertos”, continuou Leul.
“De agora em diante, eu disse para parar com essa conversa, terminei , sem falar mesmo enquanto você morre. Você morre silenciosamente terminado . Ele é louco? Foi decidido lá embaixo no chão. Acabou ”, disse o sequestrador.
Cerca de um minuto depois, o sequestrador líder ofereceu a Leul um pouco de álcool. “Isso é um suborno”, disse ele.
"O que é isso?" Leul perguntou, incrédulo.
“Vamos, comece. Será um aperitivo”, disse o sequestrador. “Para evitar o pânico, morra bebendo. O que mais posso fazer por você? Quero dizer, você não deve entrar em pânico.”
"O que?" Leul disse.
"E?"
“Não temos tempo, deixe-me em paz, por favor”, insistiu Leul.
“Você vai beber mais”, disse o sequestrador.
Um minuto se passou. “Perdi a esperança”, disse o sequestrador. “Isso não funciona e diremos a ele [ininteligível].”
Leul disse algo ininteligível em resposta.
"Isso combina com você, hein?" disse o sequestrador.
"Me serve. Prefiro ficar sentado aqui, de braços cruzados”, disse Leul.
"O quê?"
“O que você tem comigo?” Leul perguntou. “Que rancor você guarda de mim?”
“Juntos, juntos”, disse um sequestrador.
“Você perguntou se desembarcaríamos, deixando você para trás”, respondeu o principal sequestrador. “Nós não fazemos isso. Demos-lhe a nossa palavra, morreremos com você. Não pretendemos poupar nossas vidas expondo você ao perigo, não é?”
“Agora, em vez de morrer de olhos abertos, prefiro estar entre os passageiros e morrer ali”, disse Leul.
"Mesmo se você for morrer?" o sequestrador perguntou.
“Eu prefiro isso de qualquer maneira”, disse Leul.
“Você é muito teimoso”, disse o sequestrador. “Deixe-me em paz, ninguém mais consentirá com isso. Imagino que chegaríamos…”
“Pare de brincar”, disse Leul, provavelmente acreditando que a próxima palavra seria “Austrália”.
“Deixe-me jogar o machado então”, disse o sequestrador.
À esquerda, Leul Abate segura um bebê, tirado em 2011; à direita, Yonas Mekuria, visto em 2013 como capitão do Boeing 777 (The Stutzman family and Ethiopian Airlines Fanpage on Facebook)
Naquele momento, um aviso de baixa pressão de combustível soou, enchendo a cabine com um bipe repetitivo. Segundos depois, o motor direito ficou sem combustível e começou a funcionar. Incapaz de manter 39.000 pés com a potência de apenas um motor, o avião começou a descer.
"Por que? Como não pode voar? Quando você morrer, todos nós seremos destruídos? Não brinque”, disse o sequestrador. Então, observando a altitude diminuir lentamente, ele disse: “É menos de mil!”
“O que é menos?” Leul perguntou.
“A altitude”, disse o sequestrador.
“Ele descerá sozinho. Não vou fazê-lo descer”, disse Leul.
“Eu te disse…” o sequestrador começou a dizer.
“Não sou eu quem está descendo”, repetiu Leul.
“Eu disse que estou lhe contando, acabou ”, cuspiu o sequestrador, ficando cada vez mais irritado.
“Quando o motor para, ele desce”, explicou Leul, apontando para o aviso vermelho de “motor apagado” no visor do motor. “Quer você goste ou não, está descendo.”
“Veremos isso”, disse o sequestrador.
Nesse ponto, aparentemente percebendo que realmente estavam caindo, os sequestradores deixaram a cabine para discutir em particular entre si e determinar o próximo movimento.
Aproveitando a oportunidade, Leul iniciou um anúncio de emergência aos passageiros: “Senhoras e senhores”, disse ele, “Este é o seu piloto. Ficamos sem combustível e estamos perdendo um motor neste momento, e esperamos um pouso forçado, e isso é tudo que tenho a dizer. Já perdemos um motor e peço a todos os passageiros que reajam aos sequestradores. Obrigado."
Sua declaração demonstrou uma coragem incrível. Ao pedir aos passageiros que resistissem aos sequestradores, ele também estava colocando a sua própria vida em perigo, mas estava claro que os sequestradores não o deixariam desembarcar em Morôni, a menos que pudessem ser subjugados.
Infelizmente, porém, o seu apelo à acção foi ineficaz. Embora vários passageiros tenham começado a pedir a outros que os ajudassem a enfrentar os sequestradores, a maioria pediu-lhes que não o fizessem, temendo que os sequestradores explodissem o avião ou provocassem a sua queda.
Na cabine vinha sendo desenvolvido um plano para abrir as saídas de emergência e fugir do avião ao pousar - até então acreditavam que iriam pousar - e mesmo após o anúncio de Leul, muitos ainda não reconheceram a gravidade da situação que estavam Além disso, o anúncio foi feito apenas em inglês, e muitos dos passageiros, vindos de 36 países diferentes, podem não ter entendido.
O resultado final foi que os corajosos passageiros que fizeram tentativas frustradas de organizar uma revolta foram forçados a recuar, e os sequestradores logo retornaram à cabine, arrancando o microfone da mão de Leul.
“Foi ouvido”, disse um sequestrador. “Permaneça aí. Estar lá. Estar lá."
“Ele está brincando”, disse outro sequestrador.
"Quem?" Leul perguntou.
“Está descendo”, apontou novamente o sequestrador.
O bipe repetitivo soou novamente – a pressão do combustível estava caindo no segundo motor.
“Nós vamos morrer”, disse Leul novamente. “Esta é a única escolha que tenho.”
“Você verá que homem eu sou”, disse o sequestrador.
“Estamos morrendo”, disse Leul. “A qualquer custo estamos mortos, eu, você e todos nós estamos mortos.”
O sequestrador líder agora estava lutando com os controles, tentando fazer entradas usando o manche e tentando puxar as alavancas de ré. “Vou quebrá-lo”, ele ameaçou.
“Quebre, vá em frente e quebre!” disse Leul. “Não se preocupe, não sou eu quem está fazendo isso.”
“Não se mova, escute, não se mova”, disse o sequestrador.
“Escute, sou um homem morto”, disse Leul. “Já estou farto!”
“Não se mova”, o sequestrador ameaçou novamente.
“Eu sou um homem morto”, repetiu Leul.
“Escute –” o sequestrador começou.
“Não estou aplicando nenhuma moção. A aeronave faz isso sozinha”, explicou Leul, referindo-se à descida.
“Ei, vá”, gritou o sequestrador.
"Oh, por favor, você está fazendo o impossível?" Leul disse, zombando das tentativas do sequestrador de impedir a descida do avião.
“Então, o que devemos fazer?” disse o sequestrador. “O que fazemos é lutar.”
“Não sou eu quem está fazendo isso”, repetiu Leul.
“Desça, desça, eu sei, vou te mostrar, desça, desça”, zombou o sequestrador. “chegou a 34 [mil]. Finalizado.”
“Desceremos até a água, eu lhe disse”, disse Leul.
“Vai, fica aí, quer morrer, está descendo”, disse o sequestrador. “Está descendo!”
"Quem é esse?", Leul perguntou.
“Você está matando todos eles!”, o sequestrador acusou.
Nos dados do voo 961, pode-se observar a luta contra os sequestradores, bem como o primeiro círculo próximo à ilha. Preste atenção especial ao rumo magnético e aos parâmetros de altitude barométrica. Os dados registrados terminam a 15.000 pés, vários minutos antes do impacto (Ethiopia CAA)
A essa altura, estava claro que Leul já estava farto das bobagens dos sequestradores. "Nos estamos mortos. Não há nada nisso. Acabou tudo, vamos cair no oceano”, disse.
“Trinta e um”, disse o sequestrador, lendo novamente a altitude.
“Isso é zero. Isso também está chegando a zero”, disse Leul, apontando para os medidores de combustível.
“Então deixe estar”, disse o sequestrador. “Desça, você é muito ousado, ousado.”
“Isso não é uma questão de ousadia!”, Leul retrucou.
“Desça, eu vou te mostrar. Espere, eu sei, decidi onde vou agir”, disse o sequestrador.
Ao fundo, podia-se ouvir uma comissária de bordo fazendo um anúncio em inglês: “Senhoras e senhores, por favor, sentem-se e apertem os cintos de segurança”, disse ela. “Não entre em pânico, por favor apertem os cintos de segurança.”
Na cabine, o sequestrador agarrou abruptamente os controles e desconectou o piloto automático, fazendo o avião balançar para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, atingindo ângulos de inclinação entre 3,3˚ nariz para cima e 8,3˚ nariz para baixo, bem como ângulos de inclinação entre 47˚ para a direita. e 35˚ à esquerda. Ao puxar o nariz para trás, o avião também começou a subir, mas perdeu velocidade drasticamente e logo começou a descer novamente.
"Descer. Você é um mentiroso”, disse o sequestrador. “Chegou a 29.000 pés.”
“Não estou fazendo nada contra isso”, disse Leul.
"O quê?"
“Vamos pousar na água, pelo menos da mesma forma que pousamos no chão”, implorou Leul.
Neste ponto, a ilha de Grande Comore, onde fica a cidade de Moroni e o Aeroporto Internacional Príncipe Said Ibrahim, era claramente visível da cabine, e o Capitão Leul começou a circular em direção ao sudoeste da ilha.
“Ok, então”, disse o sequestrador. “Nunca pense em pousar naquele país.”
“Você não entendeu. Eu pouso na água, não na terra”, disse Leul.
"OK. Venha aqui. Mova-se, solte-o”, disse o sequestrador, tentando fazer com que Leul desistisse dos controles.
“Não é assim”, disse Leul, lutando contra suas tentativas.
“Solte, solte!” o sequestrador insistiu.
“Não vou”, disse Leul.
“Eu disse para liberar, liberar!”
“Você não entendeu, não é apropriado.”
“Solte, solte, isso é metade do movimento.”
“Estamos caindo agora”, disse Leul.
“Vamos bater, acabou ”, disse o sequestrador. “Todos nós morreremos aqui.”
"OK. Vamos bater”, disse Leul.
“Solte, pronto ”, disse o sequestrador novamente. “Nunca pense no impossível.” Ele então acrescentou: “Desça! Você cairá aos 20”, aparentemente ameaçando matar Leul se a altitude caísse abaixo de 20.000 pés.
“Não sou eu quem está fazendo”.
“Terminado”, interrompeu o sequestrador.
“Não sou eu quem está fazendo isso”, disse Leul novamente.
“Você cairá aos 20”, repetiu o sequestrador.
“Olha, não sou eu quem está descendo”, disse Leul. “À medida que a velocidade cai -”
“Vá em frente, vá em frente, você vai conseguir, finalizado”, o sequestrador interrompeu novamente.
"OK."
“Não tomarei nenhuma atitude até que minha paciência chegue a um certo limite, finalizado ”, disse o sequestrador. “Quer você caia aqui ou ali, você morrerá de qualquer maneira. Portanto, saia daqui.”
“Pelo menos deixe-me levar minha família para a água”, disse Leul.
"Por quê? Saia daqui”, disse o sequestrador. Ele estava puxando os controles novamente, trocando velocidade por altitude, numa tentativa desesperada de permanecer no ar. “Chegou a 23”, disse ele. “Então você está matando todo mundo a seu critério.”
“Não, morreremos com certeza”, disse Leul. "Nós estamos mortos. Agora que, no que me diz respeito, estamos todos mortos. Meu combustível acabou. A aeronave descerá sozinha, não há nada que eu possa fazer a respeito.”
“Deixe-o descer sozinho, não toque nele”, disse o sequestrador. Ao avistar novamente a ilha de Grande Comore, ele perguntou de repente: “Quem é? De forma alguma você pode pousar lá!
“Não vou pousar lá”, insistiu Leul.
“Eu sei”, disse o sequestrador.
“Eu te disse, não vou pousar lá, não vou, pretendo fazer pelo menos algo significativo na água antes que o motor esteja completamente desligado”, disse Leul.
“Tudo bem, diga-me qual é esse país”, insistiu o sequestrador.
“Qual, qual país?” Leul perguntou.
“Aí está, vejo terra ali”, disse o sequestrador. “Então, como é chamado?”
“Eu não sei, realmente, não sei”, disse Leul. "Olhar. Não está no gráfico. Como posso te mostrar? Eu não sei.”
A trajetória de voo do 767 enquanto ele circulava em Grand Comore antes de ficar sem combustível
Apesar das tentativas dos sequestradores de desafiar a gravidade, o avião continuou a descer. “Vinte e um mil”, disse o sequestrador líder, observando a altitude continuar diminuindo inexoravelmente.
“O quê, podemos pousar em solo seco?”, Leul perguntou.
“De jeito nenhum”, disse o sequestrador.
“Discutam entre vocês”, sugeriu Leul.
“Eu disse impossível”, insistiu o sequestrador.
"Cale-se!" alguém gritou, junto com algo ininteligível.
“Não sei”, disse Leul, referindo-se novamente à ilha.
"Isso é tudo?"
“É algum país no Oceano Índico”, disse Leul. “Eu lhe disse, no que me diz respeito, estou morto, não há nada que você possa fazer comigo daqui em diante. Meu combustível acabou. Está lendo zero, zero.”
"E daí? Que se esgote”, disse o sequestrador.
“Isso é tudo, sente-se”, disse Leul. "Você não pode fazer nada comigo de agora em diante."
"O quê?"
“De agora em diante, você não poderá fazer nada comigo!”
"Com você?"
“Sim, estou morto”, disse Leul.
Naquele momento, outro sinal sonoro repetitivo avisou que o motor esquerdo também estava falhando. “Aí está você, o segundo motor também está desligado!” disse Leul.
“Você verá o que posso fazer com você!”, o sequestrador ameaçou.
“É isso”, disse Leul. “Ambos os motores pararam. É isso. Você queria isso, não é!?”
“Sim”, disse o sequestrador.
“Ambos os motores estão desligados. Não há nada que você me defenda”, disse Leul.
"Eu disse para deixar isso sair."
“Portanto, não há nada que você me defenda”, repetiu Leul.
“Pare com isso e siga em frente. Vou te mostrar onde realmente pretendo te matar”, disse o sequestrador.
“Mate-me onde quiser”, disse Leul.
“Concluído”, exclamou o sequestrador.
“Sou um homem morto, só isso”, continuou Leul. “Não devo saber onde ser morto. Sou um homem morto pilotando uma aeronave sem combustível.” Ao fundo, o sinal sonoro de alerta continuou a soar, um “bip... bip... bip” constante, como se a própria aeronave estivesse planando.
“Para o bem da minha responsabilidade, pelo menos os passageiros devem conhecer as condições”, acrescentou Leul.
“Desça, aumente ainda mais a velocidade”, ordenou o sequestrador líder. Tendo aparentemente concluído que Leul não estava blefando, e que eles realmente não tinham mais combustível, ele aparentemente decidiu transformar o vôo em uma missão suicida.
“Não [faz] nenhuma diferença, por favor”, disse Leul. “Mesmo assim, vamos morrer.”
Segundos depois, com o motor esquerdo desligado, o avião perdeu toda a energia elétrica e as duas caixas pretas pararam de gravar.
Abaixo da fuselagem, a turbina de ar comprimido, ou RAT, foi implantada automaticamente, girando na corrente de ar para gerar energia para alguns instrumentos de voo críticos e bombas hidráulicas.
O Aeroporto Internacional Said Ibrahim provavelmente ainda estava ao alcance da aeronave, mas com os sequestradores determinados a impedi-lo de pousar lá, Leul tinha apenas duas opções: tentar combatê-los até a pista ou tentar uma perigosa amaragem sem energia no Oceano Índico.
Quando os gravadores de voo pararam, o avião estava a 15.000 pés e caindo rapidamente. Na cabine, o pânico se instalou quando vários passageiros, temendo um abandono iminente, recuperaram seus coletes salva-vidas e começaram a inflá-los prematuramente, apesar das tentativas de detê-los por outros passageiros, a tripulação de cabine e o primeiro oficial Yonas Mekuria.
Ele e a tripulação de cabine fizeram diversos anúncios tentando explicar que inflar o colete salva-vidas dentro do avião dificultaria ou impossibilitaria a saída nadada, mas os anúncios foram feitos apenas em inglês e acredita-se que muitos passageiros nunca compreenderam o perigo.
Leul tentou transmitir a mensagem com outro anúncio, no qual também ameaçou os sequestradores, lembrando-lhes que os passageiros seriam capazes de identificá-los se sobrevivessem, mas isso também foi apenas marginalmente eficaz.
Ainda lutando com os sequestradores pelo controle da aeronave, o Capitão Leul passou voando pelo extremo norte da ilha e tentou voltar para o sul, com a intenção de chegar o mais perto possível do aeroporto, mas de acordo com seu relato dos acontecimentos , ele perdeu o campo de vista durante a luta e não conseguiu realocá-lo.
Algumas fontes também sugerem que, quando ele ganhou o controle do avião, o aeroporto já estava fora de alcance. No entanto, ele pelo menos recebeu a ajuda muito necessária: não mais intimidado pelos sequestradores, o primeiro oficial Yonas Mekuria forçou seu caminho de volta para a cabine, gritando “Deixe-me ajudar o capitão”, momento em que os dois pilotos começaram a lutar contra ambos. os próprios controles, tornados anormalmente pesados pela limitada potência hidráulica disponível, e com os sequestradores, que continuaram suas tentativas de agarrar o mango do primeiro oficial.
Esta batalha continuou até que estivessem a apenas 50 metros acima da água, altura em que os sequestradores aparentemente recuaram para observar. Na cabine de passageiros, vários “homens grandes” ainda tentavam organizar a resistência contra os sequestradores, mas já era tarde demais.
Local da queda do voo 961 próximo ao Hotel Le Galawa
Chegando rápido e baixo ao largo da costa norte da Grande Comore, viajando a 200 nós, o voo 961 deslizou silenciosamente em direção à costa perto da cidade de Mitsamiouli, antes de fazer uma curva acentuada à esquerda para se alinhar com as ondas do oceano quebrando contra a extensão branca da praia de Galawa.
Outrora a praia mais popular das Comores para turistas internacionais - deve-se notar que esta não é uma barreira difícil de superar - a Praia de Galawa também abrigava o único grande resort turístico de todo o país, o Le Galawa Hotel, que era popular com turistas sul-africanos, especialmente antes da queda do apartheid.
Naquele dia estava uma tarde adorável na praia, e muitos turistas estavam por aí – incluindo, por coincidência, um casal da África do Sul que por acaso tinha uma câmera de vídeo em mãos. Acreditando que estavam testemunhando algum tipo de show aéreo, ligaram a câmera no momento em que o voo 961 começou a tocar a água, momento em que rapidamente perceberam que não se tratava de uma mera demonstração.
Assista às imagens dos turistas de toda a sequência da queda do voo 961. (Imagem original divulgada pela CNN):
A bordo do avião, a última e desesperada tentativa de Leul de se alinhar com as ondas e evitar atingir a costa não deu certo, pois a ponta da asa esquerda subitamente cravou-se na água antes que ele pudesse nivelar.
Enquanto testemunhas atordoadas assistiam com admiração e horror, a ponta da asa esquerda arrastou o resto do avião para baixo, fazendo com que a gigantesca entrada em forma de concha do motor esquerdo afundasse no mar azul-turquesa.
Desacelerando dramaticamente, mas ainda de posse de um impulso considerável, todo o avião girou em torno do motor esquerdo, girando em uma derrapagem seguida por uma cambalhota dramática, enquanto a asa direita subia e sobre a fuselagem emborcada como uma vela imensa, cercada por um imponente coluna de água turbulenta e detritos voadores.
Simultaneamente, a fuselagem atingiu o fundo do poço – literalmente – ao colidir com um recife subaquático, rasgando a cabine em vários pedaços, que tombou no mar por uma curta distância antes de parar a cerca de 500 metros da costa.
A bordo, o enorme impacto matou vários passageiros instantaneamente, e qualquer pessoa que não estivesse amarrada foi atirada violentamente para a morte, incluindo, segundo muitos relatos, todos os três sequestradores. Outros foram despedaçados por destroços, enquanto dezenas de pessoas sobreviveram ao acidente apenas para descobrir que o avião virou de cabeça para baixo e se encheu quase instantaneamente de água.
Mapa de assentos do voo 961 mostrando passageiros e tripulantes mortos e sobreviventes
Na verdade, o mar era tão raso no local do acidente que a barriga virada para cima do 767 permaneceu visível acima da linha d'água, tendo afundado o máximo que podia, mas para aqueles presos lá dentro, isso fez pouca diferença. Somente aqueles que foram atirados para fora do avião, ou que conseguiram nadar entre os escombros, os corpos e as ondas agitadas, escaparam com vida.
Acredita-se que um número desconhecido de passageiros que perderam ou ignoraram os apelos para deixarem seus coletes salva-vidas vazios também se afogaram dentro da cabine, incapazes de nadar até as portas de saída viradas porque seus coletes salva-vidas inflados os prenderam ao chão, que agora era o teto.
No entanto, ao contrário da crença popular, estas vítimas não constituíam a maioria, uma vez que o relatório do acidente constata que mais de metade dos que morreram sofreram lesões traumáticas incompatíveis com a sobrevivência.
A seção central da fuselagem tombada do ET-AIZ foi fortemente danificada (Autor desconhecido)
No entanto, para aqueles que sobreviveram, uma resposta rápida revelou-se fundamental. A escolha do local de amaragem - perto da costa do maior resort do país - foi decisiva, pois dezenas de testemunhas correram imediatamente para o local, muitas delas em barcos, incluindo uma equipa de mergulhadores de uma escola de mergulho anexa, e uma festa de oito médicos franceses hospedados no hotel.
Esses socorristas improvisados começaram a retirar as pessoas da água segundos após o acidente, salvando inúmeras vidas, já que os serviços de emergência enviados de Moroni levaram mais de meia hora para percorrer os 16 quilômetros até o local do acidente ao longo de estradas de terra acidentadas e de pista única.
As vítimas feridas foram posteriormente levadas para hospitais que mal funcionavam em Mitsamiouli e Moroni, onde equipes médicas sobrecarregadas lutaram para tratá-las, mas foi a melhor resposta que a pequena e empobrecida ilha conseguiu reunir.
Quando os mergulhadores vasculharam a área e os navios de salvamento franceses arrastaram os destroços para terra, ficou claro que a maioria das pessoas a bordo do voo 961 não tinha sobrevivido.
No final, das 175 pessoas a bordo, 125 morreram e apenas 50 sobreviveram. Entre os mortos estavam os três sequestradores - dois homens erroneamente considerados sequestradores foram inicialmente detidos, mas foram posteriormente libertados - bem como o famoso cinegrafista queniano Mohamed Amin, que ajudou a chamar a atenção do mundo para a fome na Etiópia durante a década de 1980.
Sete membros da tripulação de cabine também morreram, mas dois sobreviveram, assim como o primeiro oficial Yonas Mekuria e o capitão Leul Abate, que Yonas conseguiu retirar da cabine momentos após o acidente.
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A cauda e o motor do ET-AIZ sobressaem dos disjuntores após o acidente (AP)
Para a pequena nação das Comores, a queda de um avião comercial totalmente carregado foi quase demais para suportar. As autoridades tiveram dificuldade em lidar com o afluxo de atenção e tantos funcionários e jornalistas estrangeiros chegaram à ilha de Grande Comore que o aeroporto principal quase ficou sem espaço para a chegada dos aviões.
Também não havia lugar para guardar os corpos das 125 vítimas, porque a cidade de Morôni não tinha necrotério, nem ninguém com a experiência necessária para identificar os corpos quando começassem a se decompor.
Por sugestão de uma equipa de peritos israelitas, as autoridades acabaram por requisitar vários congeladores comerciais, incluindo alguns que não eram utilizados há vários anos, e esforçaram-se por restaurá-los ao funcionamento numa questão de horas.
Fornecer geradores suficientes para manter os congeladores a funcionar era uma tarefa importante por si só, uma vez que a rede eléctrica das Comores está há muito tempo em mau estado e a empresa estatal muitas vezes lutava apenas para manter as luzes acesas.
Outra instituição que faltava em Comores era qualquer tipo de experiência em investigação de acidentes aéreos. Por essa razão, as Comores e a Etiópia assinaram um memorando de entendimento dias após o acidente que entregou o controlo da investigação à Etiópia, e foi o Departamento de Segurança de Voo da Agência de Aviação Civil da Etiópia que redigiu o relatório final sobre o incidente.
Testemunhas e moradores locais se aproximaram dos restos da cauda do 767 enquanto ele lentamente chegava à costa (Bureau of Aircraft Accidents Archives)
Infelizmente, esse relatório não continha muitas respostas. Forneceu um cronograma básico de eventos, apoiado por transcrições das comunicações da cabine e do ATC, mas não muito mais.
A gravação de voz da cabine capturou apenas os 32 minutos que antecederam a falha do segundo motor, juntamente com os dois minutos imediatamente seguintes, deixando a maior parte do voo sem atestado direto além dos relatos dos sobreviventes, incluindo Leul Abate.
O gravador de dados de voo também apresentou alguma dificuldade, pois descobriu-se que a unidade de codificação de dados codificou os parâmetros recebidos de acordo com um layout de quadro de dados destinado ao Boeing 757, e alguns dados foram perdidos no processo.
Mas, apesar destes contratempos, era bastante óbvio que a causa imediata do acidente foi a insistência dos sequestradores em voar para a Austrália com combustível insuficiente, apesar das tentativas heroicas do Capitão Leul para os convencer do contrário.
Na verdade, um resultado ainda mais terrível foi quase certamente evitado graças às impressionantes tácticas de negociação e engano de Leul, que resultaram na aeronave paralela à costa durante tempo suficiente para que, uma vez finalmente forçado a virar-se para o mar, as Ilhas Comores fornecessem refúgio.
Quanto às identidades e motivações dos sequestradores, pouco se sabe. O governo etíope acabou por identificá-los como três cidadãos etíopes chamados Alemayehu Bekeli Belayneh, Mathias Solomon Belay e Sultan Ali Hussein, observando que dois deles eram desempregados, com ensino secundário e o terceiro era enfermeiro, mas sem fornecer qualquer outra informação.
Dizia-se que um dos três trabalhava no Djibouti, um vizinho francófono da Etiópia, mas mesmo isso pouco explicava por que é que os três sequestradores comunicavam em francês, ao mesmo tempo que pareciam não ter fluência em amárico, uma das principais línguas nacionais da Etiópia.
É claro que a Etiópia tem muitas línguas indígenas além do amárico, o que poderia exigir o uso de uma língua franca comum , mas normalmente seria o inglês e não o francês. Para complicar ainda mais o mistério, o governo etíope afirmou que nenhum dos três homens alguma vez tinha sido membro de um partido político, apesar da sua alegação (verificada por numerosos passageiros sobreviventes) de que eram “oponentes do governo” que possivelmente tinham escapado da prisão.
O capitão Leul lembrou-se dos sequestradores lhe terem dito que tinham amigos na Austrália, o que explicava a escolha do destino, mas ele também não conseguiu definir as suas motivações exatas, exceto que alegadamente “queriam fazer história”.
Dentro da cauda, a cozinha traseira foi fortemente danificada
(Bureau of Aircraft Accidents Archive)
Embora o governo etíope saiba, sem dúvida, muito mais do que aquilo que divulgou, continua a não ser claro se os sequestradores eram refugiados políticos ou apenas buscadores de oportunidades económicas no exterior. Até as suas próprias identidades podem permanecer em questão.
Independentemente disso, a trama deles estava claramente incompleta: de acordo com algumas fontes, a “bomba” deles nada mais era do que uma garrafa fechada de álcool escondida sob algum tipo de cobertura, e eles aparentemente não tinham plano B quando lhes disseram que não poderiam chegar à Austrália.
Embora a princípio os sequestradores acreditassem claramente que Leul estava blefando sobre não ter combustível suficiente, isso se tornou inegável no final do voo, especialmente depois que ambos os motores falharam.
E, no entanto, nessa altura, em vez de deixarem Leul aterrar o avião, apenas intensificaram os seus esforços para o derrubar, ameaçando fazer com que o avião mergulhasse no mar, ou pior, colidisse com o Hotel Le Galawa.
Numa citação citada pelo Washington Post, Leul teria dito: “No início, penso que foi um verdadeiro sequestro, mas quando souberam que isso era impossível, penso que se transformou num suicídio”.
Descrevendo os sequestradores, o Post acrescentou ainda: “[Estes eram] três jovens do Corno de África com um forte rancor, um fraco conhecimento de geografia e, eventualmente, uma prontidão para matar um avião cheio de pessoas inocentes quando os seus planos fracassassem. errado."
Uma publicação da FAA sobre segurança aérea, publicada em 1997, observou que o comportamento dos sequestradores era bastante anômalo em comparação com a maioria dos outros sequestros.
O artigo citava a falta de qualquer motivação política ou religiosa aparente – na verdade, os sequestradores não pareciam se importar com quem estava no avião e, em grande parte, deixavam os passageiros sozinhos – o que contrastava com a sua disposição quase fanática de matar todos a bordo assim que o avião chegasse. ficou claro que suas demandas não seriam atendidas. Tal mal está mais tipicamente associado a uma crença profunda numa causa, mas neste caso, as acções destrutivas dos sequestradores pareciam motivadas por nada mais do que um niilismo profundamente arraigado.
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Pessoas cercam a seção central da fuselagem virada para cima (Bureau of Aircraft Accidents Archive)
A questão da segurança também foi pouco mencionada no relatório etíope. Não se sabe se houve alguma suspeita prévia sobre estes homens e a informação disponível não permite afirmar se houve algum motivo para os ter impedido de embarcar.
Além disso, uma vez a bordo, não havia nada que os impedisse de sequestrar o avião – afinal, a porta da cabine estava destrancada, como era prática padrão antes dos ataques de 11 de setembro, e tudo o que tiveram que fazer para impedir a resistência na cabine foi fazer uma ameaça de bomba vaga e pouco convincente.
A mentalidade entre os passageiros naquela época era que os sequestradores forçariam os pilotos a pousar em algum lugar, momento em que ocorreriam negociações e eles seriam libertados.
Eles não estavam preparados para enfrentar sequestradores que aparentemente estavam empenhados na destruição, e apenas alguns “homens grandes” sequer consideraram organizar um confronto, apesar do apelo de Leul para que os passageiros “reagissem”.
Embora algumas versões afirmem que o cinegrafista Mohamed Amin estava entre aqueles que tentaram resistir, não consegui encontrar nenhum depoimento de testemunha ocular que confirmasse ou negasse isso.
No entanto, desde os ataques de 11 de Setembro de 2001, esta hesitação desapareceu – de facto, a crença de que os sequestradores pretendem colidir com alvos fáceis é agora tão difundida que os passageiros desarmados normalmente atacam imediatamente qualquer atacante.
Esta mentalidade mudou de forma permanente e provavelmente irreversível num período de tempo tão curto que mesmo o quarto avião sequestrado em 11 de setembro, o voo 93 da United, foi impedido de atingir o seu alvo – e este padrão tem sido repetido na maioria dos sequestros desde então, independentemente de as reais intenções dos atacantes.
Portanto, embora o relatório de investigação etíope sugerisse o transporte de “sky marechais” como figuras potenciais para enfrentar os sequestradores, as mortes horríveis de milhares de pessoas acabaram por dar conta do recado.
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Quando a fuselagem foi finalmente puxada para terra, vários corpos ainda foram encontrados presos lá dentro (FlightGlobal)
Olhando agora para trás, a queda do voo 961 ainda oferece algumas lições básicas, mas importantes, tanto para passageiros como para pilotos. Por exemplo, os sequestradores devem ser combatidos; os coletes salva-vidas não devem ser inflados até você sair do avião; e uma atitude calma e respeitosa, mas assertiva, ajuda a evitar que uma situação delicada se agrave.
Mas a escala e a importância das questões não respondidas deixam a narrativa um tanto deficiente, e quase me recusei a revisitar este incidente por medo de não ser capaz de acrescentar algo novo ou profundo a uma história já bastante conhecida.
No entanto, ao ler a transcrição do gravador de voz da cabine, fiquei impressionado com o profissionalismo e a coragem de Leul Abate, e senti que seria um desserviço não reproduzir essa transcrição na sua totalidade, para que os meus leitores pudessem ver por si próprios o que ele realizou.
Durante quatro horas, ele atravessou a linha entre desastres gêmeos, encarando o profundamente irracional e contornando suas tendências destrutivas para encontrar um resultado que salvasse o maior número possível de vidas, mesmo que muitas outras fossem perdidas.
O fato de ele e o primeiro oficial Yonas Mekuria terem sobrevivido para contar a história, enquanto os sequestradores pereceram ao lado de suas vítimas, mostra que mesmo diante de uma imensa tragédia, o universo ainda conseguiu fazer alguma pequena medida de justiça.
O capitão Leul Abate é escoltado para fora de seu avião em uma cadeira de rodas após se aposentar do voo em 2019 (Ethiopiawinet no Facebook)
Quanto às diversas pessoas e lugares envolvidos, a passagem do tempo deixou a sua marca. Embora o povo das Comores não tenha esquecido a tragédia, as suas dificuldades infelizmente não terminaram. O desastre voltou a visitar as ilhas em 2009, quando o voo 626 da Yemenia caiu no mar a poucos quilômetros de onde o voo 961 abandonou 13 anos antes, ceifando a vida de todos os 153 passageiros e tripulantes, exceto um.
E apesar das recomendações dos membros da equipe de investigação das Comores para melhorar as infra-estruturas do país, a situação econômica no arquipélago só continuou a deteriorar-se.
Até o resort Le Galawa, que ajudou a organizar grande parte do esforço de resgate, foi demolido por volta de 2008, a fim de dar lugar a um novo e melhor resort, financiado por uma empresa estatal de desenvolvimento dos Emirados, mas o novo complexo nunca se materializou, roubando Comores do único hotel do país que atende aos padrões internacionais.
Ainda assim, nem todos se saíram tão mal: a Ethiopian Airlines, por exemplo, é hoje uma transportadora muito maior, com mais de 100 aeronaves e, felizmente, poucos sequestros.
Além disso, Leul e Yonas continuaram a voar para a Ethiopian Airlines até sua aposentadoria, e Leul recebeu o prêmio de Profissionalismo em Segurança de Voo da Flight Safety Foundation, embora sempre insistisse que Yonas, que lutou contra os sequestradores enquanto pousava o avião, era o verdadeiro herói. Claro, não há dúvida de que ambos desempenharam um papel – mas há um lugar especial em nossos corações para o corajoso capitão que permaneceu humilde até o fim.