Em 17 de julho de 2007, o pior desastre aéreo da história da América do Sul ocorreu em uma pista escorregadia em São Paulo, Brasil, quando um Airbus A320 da TAM Airlines perdeu o controle ao pousar e colidiu contra um posto de gasolina e um prédio comercial. O acidente violento custou a vida de 199 pessoas e causou comoção em toda a aviação brasileira. Já em crise após uma colisão aérea devastadora no ano anterior, o sistema de transporte aéreo brasileiro enfrentava uma crise existencial ainda maior, com a perda de confiança da população na capacidade das companhias aéreas e dos órgãos reguladores de manter a segurança dos passageiros.
A resolução da crise exigiu que as autoridades encontrassem e corrigissem as falhas que causaram a queda do voo 3054 da TAM em chamas em São Paulo. Os investigadores descobririam que o A320, totalmente carregado, não reduziu a velocidade corretamente após o pouso, saindo do final da pista a quase 100 nós, apesar das tentativas desesperadas dos pilotos de pará-lo. O motivo? De alguma forma, um dos motores do avião ainda estava ajustado para potência de subida, tendo sido deixado lá acidentalmente em um erro chocante do comandante.
Essa descoberta levantou preocupações sobre a qualidade do treinamento de pilotos na companhia aérea, mas também destacou o estresse imposto aos pilotos que pousavam no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, conhecido por sua pista muito curta, falta de tração quando molhado e completa ausência de margens de segurança. E assim, os investigadores foram forçados a considerar uma ironia preocupante: já que os pilotos cometem mais erros quando estão sob estresse, a reputação do aeroporto por pousos perigosos se tornou, neste caso, uma profecia autorrealizável?
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| Passageiros fazem fila em um balcão de informações superlotado durante a crise da aviação brasileira (Fabio Pozzebom) |
Em 2006, o setor aéreo brasileiro entrou em um momento de grande turbulência. No ano anterior, a VARIG, a mais antiga e antiga maior companhia aérea do Brasil, havia entrado em recuperação judicial e entrou com pedido de recuperação judicial, e no verão de 2006 a situação havia se tornado tão grave que a empresa foi forçada a suspender todas as operações.
Então, enquanto as companhias aéreas ainda lutavam para preencher a lacuna resultante no mercado, o desastre aconteceu: em 29 de setembro, um Boeing 737 da companhia aérea brasileira de baixo custo Gol colidiu em pleno ar com um jato executivo sobre a Amazônia, matando todas as 154 pessoas a bordo no que era então o pior desastre aéreo do Brasil. Logo ficou claro que procedimentos e equipamentos obsoletos, agravados por pessoal inexperiente e mal treinado, fizeram com que os controladores de tráfego aéreo colocassem os dois aviões em rota de colisão.
O sistema de controle de tráfego aéreo do Brasil, uma das últimas grandes redes do mundo a ser administrada pelas Forças Armadas, entrou imediatamente em crise. Os controladores militares sentiram que precisavam de melhores equipamentos, treinamento e condições de trabalho, mas foram proibidos de fazer greve, então iniciaram uma redução coordenada do trabalho. A redução, que ocorreu simultaneamente ao pico de viagens de fim de ano, levou ao caos, com milhares de voos cancelados e atrasados, deixando passageiros retidos em aeroportos por todo o país.
No auge da crise, mais da metade de todos os voos no Brasil foram afetados. E, à medida que 2006 dava lugar a 2007, a indignação pública transbordou diante da aparente incapacidade do governo e das companhias aéreas de levar os passageiros aos seus destinos com segurança e pontualidade.
Para a TAM Linhas Aéreas, a segunda maior companhia aérea doméstica do Brasil, a crise afetou todos os aspectos das operações diárias. A companhia aérea vinha se expandindo rapidamente para tentar preencher o buraco deixado pelo declínio da VARIG durante os anos 2000, adicionando novos aviões e novos voos em um ritmo alucinante. Entre 2003 e 2007, o tempo total de voo anual da TAM e o número de pilotos mais que dobraram. Mas o caos no setor também estava cobrando seu preço.
As relações entre a companhia aérea e seus clientes haviam se tornado extraordinariamente amargas, à medida que passageiros descontentes, indignados com os atrasos intermináveis, assediavam pilotos e agrediam funcionários do check-in.
Na tentativa de melhorar o relacionamento com os clientes, a companhia aérea instruiu os pilotos a ficarem na cozinha e cumprimentar os passageiros durante o embarque, uma medida contraproducente que não apenas expôs os pilotos a mais abusos, mas também piorou os atrasos, já que a prática roubava dos pilotos o tempo que eles, de outra forma, teriam gasto preparando seus aviões para a decolagem. Como resultado, o estresse entre as tripulações da TAM estava aumentando, mas a companhia aérea não parecia reconhecer essa realidade, empregando apenas um psicólogo para lidar com mais de 5.000 pilotos.
Em julho de 2007, a crise ainda não havia se resolvido. O governo ainda não havia alocado os fundos adicionais necessários para adequar a infraestrutura aérea do país à demanda e, na ausência de tal ação, não havia como o sistema sobrecarregado lidar com o crescente acúmulo de voos atrasados e cancelados.
Parte do problema era a centralidade do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, na rede de tráfego aéreo brasileira. Como a maior cidade da América do Sul, São Paulo é necessariamente o principal destino de viagens aéreas do Brasil, mas Congonhas, seu principal aeroporto doméstico, estava irremediavelmente mal equipado para esse propósito.
Quando Congonhas foi construído em 1936, a população de São Paulo era de aproximadamente um milhão de pessoas, e o aeroporto estava situado no topo de uma colina a alguns quilômetros da cidade — na verdade, na época, foi criticado por ser muito distante. Mas, em poucas décadas, a população de São Paulo explodiu a tal ponto que, na década de 1970, a cidade já havia alcançado e cercado o Aeroporto de Congonhas antes que pudesse se expandir para atender aos padrões modernos.
Em 2007, com a população de São Paulo ultrapassando os 10 milhões, o pequeno aeroporto, com sua pista principal de 1.900 metros, estava bem no centro da cidade, cercado por densos bairros residenciais e prédios de apartamentos altos.
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| Outra vista do Aeroporto de Congonhas, destacando sua posição no topo de uma colina. (Marcos Ferreira) |
Em 1985, um novo aeroporto, muito maior, foi inaugurado no subúrbio de Guarulhos, em São Paulo, projetado para acomodar voos internacionais que não conseguiam pousar na curta pista de Congonhas.
No entanto, isso não conseguiu corrigir o desequilíbrio entre a capacidade de Congonhas e o tamanho do mercado que atendia. Ironicamente, a posição relativamente próxima do centro da cidade apenas aumentou a demanda por voos para lá, e na década de 1990 ele se tornou o aeroporto mais movimentado do Brasil, forçando as autoridades a desenvolver um sistema rigoroso de slots de pouso para evitar que o aeroporto ficasse irremediavelmente congestionado.
Mesmo assim, na década de 2000, o aeroporto operava rotineiramente com 50% acima de sua capacidade máxima projetada. A construção de um novo terminal, maior, havia começado em 2002, mas em 2007 o projeto ainda não havia sido concluído, agravando ainda mais o problema de superlotação.
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| O final da pista 35L, onde o acidente ocorreria mais tarde, visto aqui no início dos anos 2000 (autor desconhecido) |
Como observado anteriormente, devido à sua localização cercada por bairros, era inviável modernizar a pista do aeroporto à medida que os padrões evoluíam e os aviões ficavam maiores.
Com 1.900 metros, sua pista principal estava entre as mais curtas de qualquer grande aeroporto em qualquer lugar, e sua pista auxiliar paralela era ainda mais curta. Além disso, a pista principal descia abruptamente para as ruas da cidade em ambas as extremidades, sem qualquer área de ultrapassagem.
Embora os padrões internacionais exigissem uma área de ultrapassagem mínima de 90 metros, simplesmente não havia espaço para instalar uma. E como se isso não bastasse, a superfície da pista também era notoriamente escorregadia, com características de atrito ruins e uma tendência desagradável de acumular água parada durante períodos de chuva forte. Todos esses fatos deram a Congonhas a reputação de um aeroporto sem margem para erros, onde não parar na pista provavelmente seria uma sentença de morte para todos a bordo.
Até 2007, não havia ocorrido nenhum acidente grave com invasões de pista, mas quem voava para lá e quem morava nas proximidades concordava que tal acidente era provavelmente inevitável.
De fato, desde que um Fokker 100 da TAM Airlines colidiu com casas após a decolagem de Congonhas em 1996, matando 99 pessoas, moradores locais vinham pressionando pelo fechamento total do aeroporto. Infelizmente, as pressões econômicas e estruturais para manter o aeroporto em operação superaram em muito quaisquer preocupações com a segurança, especialmente após o início da crise da aviação em 2006, tornando qualquer redução na capacidade do aeroporto mais movimentado do país potencialmente catastrófica.
Foi nesse contexto que o voo 3054 da TAM Linhas Aéreas se preparou para decolar de Porto Alegre, na região sul do país, com destino a Congonhas, no dia 17 de julho de 2007. O Airbus A320 estava lotado: todos os seus 174 assentos para passageiros estavam ocupados, além de duas crianças de colo, além de todos os 11 assentos da tripulação, cinco dos quais ocupados por funcionários da TAM fora de serviço, enquanto os quatro comissários de bordo e dois pilotos ocupavam os outros seis. No total, 187 pessoas estavam amontoadas no avião.
No comando do voo naquela noite estava o Capitão Henrique Stefanini Di Sacco, de 53 anos, um piloto veterano com mais de 30 anos de experiência e 13.600 horas de voo. Seu copiloto era outro comandante, Kleyber Aguilar Lima, de 54 anos, cuja experiência era ainda maior, com 14.000 horas, embora fosse relativamente novo no A320. Embora essa prática seja geralmente evitada no setor, a formação de duplas de comandantes em vez de um comandante e um primeiro oficial não era incomum na TAM, pois a companhia aérea não controlava adequadamente a proporção de tripulantes seniores e juniores.
Quando o voo 3054 decolou de Porto Alegre, às 17h19, os pilotos já estavam preocupados com o pouso iminente em Congonhas. Para começar, o avião estava operando desde 13 de julho com um reversor de empuxo inoperante. Os reversores de empuxo redirecionam a potência do motor para a frente no pouso para ajudar a desacelerar o avião, mas eles representam menos de 10% da potência de parada de uma aeronave em condições normais e, portanto, é legal voar com um reversor indisponível.
Neste caso, os mecânicos desconectaram o reversor de empuxo direito devido a um vazamento no atuador hidráulico, deixando apenas o esquerdo até que a companhia aérea pudesse adquirir as peças e o tempo de inatividade necessários para realizar um reparo.
No entanto, o reversor de empuxo inoperante adicionaria algumas dezenas de metros à distância de parada, e esse não era o único ponto de preocupação. A chuva caía em Congonhas nos últimos dois dias e ainda caía intermitentemente quando o voo 3054 partiu de Porto Alegre.
Devido à tendência da pista principal de ficar escorregadia quando molhada, desde janeiro de 2007 o aeroporto vinha fechando a pista sempre que os pilotos começavam a relatar más condições de frenagem, reabrindo-a somente após um inspetor confirmar que não havia água parada.
No dia anterior, o tráfego havia sido forçado a parar várias vezes, incluindo naquela tarde, quando um hidroavião bimotor ATR-42 da Pantanal Airlines saiu da pista e girou para a grama, atingindo uma caixa de serviços públicos e um poste. Ninguém ficou ferido no incidente, mas o avião ficou danificado além do reparo.
Os pilotos do voo 3054, cientes tanto das frequentes paradas quanto do acidente do dia anterior, não estavam nada animados com a perspectiva de tentar pousar em Congonhas. Teriam que enfrentar uma pista escorregadia à noite, com tempo chuvoso, com um reversor de empuxo inoperante e um peso de pouso próximo ao máximo para o aeroporto. O estresse na cabine, compreensivelmente, estaria alto.
Cinco minutos após a decolagem, o controlador de Porto Alegre informou que Congonhas havia fechado novamente devido a relatos de frenagem inadequada. Era uma má notícia, mas não inesperada, e a pista provavelmente reabriria em breve. E assim o voo 3054 seguiu rumo a São Paulo sem interrupções, até que às 18h03 os pilotos souberam que a pista estava de fato reaberta.
Às 18h43, o voo 3054 iniciou a descida em direção ao aeroporto, à noite e sob densas nuvens. O pouso era a principal preocupação do Capitão Stefanini Di Sacco. "Lembrem-se, temos apenas uma marcha à ré", disse ele.
“Sim… só a esquerda”, disse o Capitão Aguilar Lima.
Embora não tenha dito nada a respeito, parece que o Capitão Stefanini Di Sacco havia planejado com antecedência um desvio aparentemente insignificante do procedimento padrão. A partir de janeiro daquele ano, o procedimento adequado para pousar com um reversor de empuxo, conforme descrito na Lista de Equipamentos Mínimos da aeronave, era exatamente o mesmo para pousar com ambos os reversores: o piloto simplesmente reduz o empuxo para marcha lenta e, em seguida, move ambas as alavancas de empuxo para a posição de reverso, como de costume, mesmo que um dos reversores não funcionasse.
No entanto, usar esse procedimento requer adicionar 55 metros ao cálculo da distância de pouso. O problema está na maneira como as entradas da alavanca de empuxo são convertidas em empuxo real do motor. Quando as alavancas de empuxo do A320 são movidas de volta da posição de marcha lenta para a posição de ré, a quantidade de empuxo produzida pelos motores na verdade aumenta, mas é mecanicamente desviada para a frente pelo sistema de reverso para desacelerar o avião.
Consequentemente, comandar o empuxo reverso em um motor com um reversor de empuxo inoperante fará com que esse motor experimente momentaneamente um aumento no empuxo para a frente, devido à ausência da deflexão mecânica, antes que um sistema de segurança intervenha para corrigir a situação. Embora durasse apenas uma fração de segundo, esse aumento no empuxo adicionou algumas dezenas de metros à distância necessária para parar o avião.
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| A diferença entre o novo procedimento e o antigo para pouso com um reversor de empuxo (Mayday + trabalho próprio) |
Já preocupado com o risco de pousar na pista curta e escorregadia de Congonhas com apenas um reversor de empuxo, o Capitão Stefanini Di Sacco aparentemente sentiu que sua margem de segurança seria melhorada ao usar um procedimento antigo que estava em vigor até 2007.
Nesse procedimento, o piloto move ambas as alavancas de empuxo para marcha lenta, mas então move apenas a alavanca de empuxo do motor com o reversor funcionando para a posição reversa. Ao evitar a aplicação momentânea de empuxo para frente em um motor, esse procedimento resulta em uma distância de parada menor.
Embora usar o procedimento antigo fosse considerado um desvio, Stefanini Di Sacco claramente considerou que a troca valeria a pena, considerando as consequências catastróficas de ultrapassar a pista mesmo em apenas 55 metros.
À medida que o voo 3054 se aproximava de Congonhas, tudo parecia correr conforme o planejado. A tripulação conseguiu se conectar ao sistema de pouso por instrumentos, configurou o avião para o pouso e rompeu as nuvens a tempo de avistar a pista. Agora era o momento da verdade.
“Pergunte a ele sobre as condições da chuva, as condições da pista e se ela está escorregadia”, disse Stefanini Di Sacco a Aguilar Lima, que estava trabalhando no rádio.
Aguilar Lima acionou o microfone e disse ao controle de tráfego aéreo: "TAM em aproximação final, a duas milhas de distância. Pode confirmar as condições?"
"Está molhado e escorregadio", relatou o controlador. "Vou reportar três, cinco, à esquerda, livre, três, zero, cinco, quatro."
"Molhado e escorregadio!", reclamou Stefanini. Era exatamente disso que ele temia.
Enquanto Aguilar Lima anunciava sua velocidade e altitude, o voo 3054 desceu 500 pés, depois 300, depois 200, depois 100. Os motores foram ajustados para aumentar a potência a fim de manter o voo na configuração de pouso de baixa velocidade e alto arrasto, mas, sentindo que o avião estava prestes a pousar, uma voz automatizada começou a gritar "RETARD, RETARD", lembrando os pilotos de reduzir o empuxo para marcha lenta para o pouso.
Em resposta aos chamados, o Capitão Stefanini Di Sacco estendeu a mão para reduzir o empuxo, como normalmente fazia nessa fase do voo. Considerando cuidadosamente o reversor inoperante e seu plano para lidar com a situação, ele agarrou a alavanca de empuxo esquerda e a moveu para a posição de marcha lenta. As rodas tocaram a pista com um solavanco, e ele moveu a alavanca de empuxo ainda mais para trás, para a posição de reverso.
"Só o reverso número um", disse ele. O reversor esquerdo ganhou vida com um rugido, como ele esperava. Ele não tinha ideia de que acabara de cometer um erro terrível: deixara a alavanca de propulsão direita na potência de subida.
Com o motor direito ainda produzindo empuxo de subida, não havia como parar o avião na pista. Os spoilers de solo, que normalmente se estendem automaticamente no toque para reduzir a sustentação e forçar o avião a entrar na pista, não foram acionados, pois ambas as alavancas de empuxo precisam estar em marcha lenta ou abaixo dela para que isso ocorra.
Consequentemente, os freios automáticos, que só são ativados quando os spoilers de solo são acionados, também não foram acionados. O não acionamento dos spoilers por si só causou uma redução de 60 a 80% na eficácia da frenagem, mesmo sem considerar o empuxo extra do motor direito. Nessas condições, mesmo com a frenagem manual máxima, o avião precisaria de cerca de três vezes mais distância para parar do que a realmente disponível.
Três segundos após o pouso, Aguilar Lima percebeu que algo estava errado ao avistar um aviso de spoiler. "Spoilers, nada!", exclamou.
"Aiii, olha isso!", disse Stefanini. O avião mal havia desacelerado. Seria porque os spoilers não haviam sido acionados? Talvez estivessem aquaplanando? Seis segundos após o pouso, os dois pilotos pisaram no freio com toda a força, mas não foi o suficiente.
“Devagar, devagar!”, disse Aguilar Lima, cada vez mais alarmado.
"Não pode, não pode!", gritou Stefanini. "Meu Deus! Meu Deus!"
O fim da pista se aproximava rapidamente, as luzes da cidade se elevavam até preencherem o para-brisa. O avião oscilava de um lado para o outro enquanto os pilotos lutavam para superar o empuxo assimétrico, que os empurrava com força para a esquerda.
"Vai, vai, vai, vira, vira, vira!", gritou Aguilar. "Vira, vira, não, vira, vira!"
O avião começou a sair do lado esquerdo da pista, atropelando as luzes de borda da pista antes de avançar ruidosamente pela grama e cruzar uma pista de taxiamento.
"Oh, não!", gritou alguém. O gravador de voz da cabine capturou o som de uma comissária de bordo gritando de terror.
E então o avião, ainda viajando a 96 nós — 178 km/h — despencou do penhasco no final da pista. Por uma fração de segundo, o A320 continuou em direção ao espaço, ultrapassando por pouco dez faixas de tráfego na Avenida Washington Luís e sua avenida adjacente, antes de colidir com uma fileira de prédios no lado oposto.
O avião esmagou parte de um posto de gasolina Shell, matando clientes em seus carros, antes de colidir diretamente com um prédio de escritórios de concreto de quatro andares pertencente ao serviço de carga expressa da TAM Linhas Aéreas.
Uma enorme explosão consumiu os dois prédios e o avião; destroços voaram em todas as direções enquanto o A320 se desintegrava completamente em um piscar de olhos, levando consigo as vidas de todos os 187 passageiros e tripulantes.
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| Esta animação CGI de Mayday: Temporada 11, episódio 1 “Deadly Reputation” retrata os momentos finais do voo 3054 da TAM |
Infelizmente, a carnificina também foi extensa entre os transeuntes. Várias pessoas morreram no posto Shell e mais no prédio da TAM Linhas Aéreas, onde o fogo se alastrou pelos corredores, cortando escadas e forçando as pessoas a pularem das janelas para escapar.
Os bombeiros, que atenderam à ocorrência, conseguiram resgatar alguns, mas outros não tiveram a mesma sorte. Os bombeiros levaram 24 horas para apagar o incêndio no prédio parcialmente desabado, e só então puderam começar as buscas pelas vítimas.
Passariam-se dias até que as autoridades confirmassem a morte de 12 pessoas em terra, elevando o número total de mortos para 199 — o pior acidente aéreo já ocorrido no Brasil e, na verdade, em toda a América do Sul.
O acidente representou imediatamente um golpe devastador para a já debilitada indústria aérea brasileira. O Aeroporto de Congonhas suspendeu temporariamente as operações, causando ainda mais atrasos em cascata por todo o sistema, mesmo com as companhias aéreas — assustadas com o acidente — agravando o problema ao tomar precauções prudentes, como recusar-se a pousar em condições climáticas adversas ou suspender o voo de aeronaves com defeitos mecânicos.
Os passageiros desistiram de viajar de avião em desespero e se aglomeraram nos terminais de ônibus. As pessoas imploravam para que algo fosse feito, mas o governo parecia mal ter noção do que estava acontecendo. E, como vinham fazendo desde o acidente anterior, os três órgãos envolvidos no transporte aéreo — a Infraero, a autoridade de infraestrutura aérea; a ANAC, a agência reguladora da aviação civil; e a Força Aérea — pareciam mais interessados em culpar uns aos outros pela crise do que em encontrar uma solução.
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| O estabilizador vertical e a empenagem estavam entre as únicas partes reconhecíveis do avião (The Guardian) |
Enquanto isso, investigadores militares do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) do Brasil começaram a descobrir a causa do acidente. Ficou imediatamente evidente que o avião havia decolado da pista em altíssima velocidade, muito mais alta do que em um acidente normal de invasões de pista.
Imagens de câmeras de segurança do aeroporto confirmaram isso, revelando que o avião cruzou de um lado do quadro para o outro em apenas três segundos, em comparação com onze segundos em condições normais. Isso imediatamente descartou as teorias de que a aeronave havia feito um pouso normal, apenas para perder o controle devido à água na pista — algo mais deve ter dado errado.
Era verdade, no entanto, que a própria pista representava um perigo. Em uma linha paralela de investigação, os investigadores descobriram que a pista principal havia sido fechada entre 14 de maio e 28 de junho para recapeamento, na tentativa de resolver problemas de baixa tração que atormentavam o aeroporto há anos.
Mas quando a pista foi reaberta em 29 de junho, o trabalho não estava concluído: sob pressão para fazer o tráfego fluir por Congonhas novamente, a Infraero decidiu abrir a pista principal antes de esculpir sulcos de drenagem de águas pluviais em sua superfície. Sem esses sulcos, a água poderia se acumular na pista, aumentando o risco de aquaplanagem. Essa foi a causa do acidente do ATR-42 em 16 de julho, mas não explicou o devastador acidente do A320 no dia seguinte. No entanto, levantou questões preocupantes sobre quais outros cantos poderiam ter sido cortados para atender à demanda por rotatividade de passageiros.
| Máquinas pesadas foram trazidas para limpar os destroços depois que os bombeiros extinguiram o incêndio (AP) |
Ao examinar o conteúdo das caixas-pretas, os investigadores descobriram que o motor direito do voo 3054 estava gerando potência de subida durante todo o pouso, até o avião colidir com o prédio. Isso levou à especulação de que os pilotos teriam tentado impedir o pouso e decolar novamente, apenas para falhar, mas à medida que mais evidências surgiam, essa possibilidade parecia cada vez mais improvável.
Em vez disso, parecia que o Capitão Stefanini Di Sacco pretendia pousar seu avião e pará-lo, mas inexplicavelmente deixou o motor direito em alta potência. Isso não apenas prejudicou a desaceleração, mas também impediu o acionamento automático dos spoilers de solo e dos freios automáticos, reduzindo significativamente a potência de frenagem do avião, já comprometida. Nesse ponto, mesmo uma pista seca com excelente aderência teria sido insuficiente para evitar o acidente.
A causa desse erro catastrófico está na tentativa da Stefanini de usar um procedimento desatualizado para pouso com um reversor de empuxo. A possibilidade desse erro específico foi, de fato, a razão pela qual a Airbus mudou o procedimento em primeiro lugar. O ato de mover ambas as alavancas de empuxo para marcha lenta e, em seguida, mover apenas uma delas para reverso, preparou os pilotos para mover apenas uma alavanca de empuxo durante a parte mais importante do procedimento. Quando sob estresse, isso ocasionalmente fazia com que os pilotos se esquecessem de mover a outra alavanca de empuxo.
Em 1998, essa mesma sequência de eventos levou à queda de um A320 da Philippine Airlines na cidade de Bacolod (mostrado abaixo) depois que o piloto acidentalmente deixou uma alavanca de empuxo em alta potência durante um pouso com um único reverso. O avião saiu da pista e colidiu com casas, matando três pessoas no solo, embora todos os 130 passageiros e tripulantes tenham sobrevivido.
Seis anos depois, em 2004, outro A320 saiu da pista em Taipei, Taiwan, em circunstâncias semelhantes, embora ninguém tenha se ferido gravemente naquele incidente. Acidentes semelhantes também ocorreram em outros tipos de aeronaves, com destaque para a queda de um Airbus A310 da S7 Airlines em Irkutsk, Rússia, em 2006, após o capitão acidentalmente acelerar um motor durante o pouso com um reversor inoperante. O acidente ceifou a vida de 125 dos 203 passageiros e tripulantes.
Em resposta aos acidentes envolvendo o A320, a Airbus alterou o procedimento aplicável a fim de remover qualquer diferença entre as posições das duas alavancas de empuxo ao pousar com um reversor. Como observado anteriormente, isso reduziu o perigo de um ajuste incorreto de potência, mas adicionou 55 metros à distância de pouso.
No voo 3054, o Capitão Stefanini Di Sacco, preocupado em parar seu avião totalmente carregado na pista escorregadia de Congonhas, decidiu reverter para o procedimento antigo para economizar aqueles 55 metros, reintroduzindo no processo o potencial de erro que a Airbus havia tentado eliminar. Que esta foi uma decisão consciente e não um lapso de memória foi comprovado pelo fato de o Capitão Stefanini Di Sacco ter usado o novo procedimento corretamente quando pousou em Porto Alegre no trecho anterior do voo.
Com os pilotos sob grande estresse no momento do pouso e o procedimento antigo novamente em uso, as condições estavam propícias para que esse erro perene se repetisse. O nível básico de estresse já era alto devido à turbulência no setor e na companhia aérea; além disso, eles estavam pousando no aeroporto mais famoso do Brasil, com um avião próximo ao peso máximo de pouso, à noite, em uma pista molhada e escorregadia, no dia seguinte a outro avião que quase caiu em circunstâncias idênticas.
O capitão Stefanini Di Sacco tornou-se hiperfocado em parar o avião com segurança após o pouso e planejou realizar isso, em parte, movendo apenas uma alavanca de propulsão para a posição de ré. Nessa condição de visão de túnel induzida pelo estresse, ele simplesmente se esqueceu de mover a segunda alavanca de propulsão para a posição de marcha lenta. E assim, embora o estado da pista não tenha desempenhado nenhum papel direto no acidente, a reputação de perigo da pista criou o estresse que levou ao erro do capitão, tornando-se uma profecia autorrealizável, sombria e irônica.
Uma vez cometido esse erro, os pilotos não tiveram muito tempo para corrigi-lo antes que o desastre se tornasse inevitável. Em primeiro lugar, os investigadores notaram que localizar uma alavanca de propulsão na posição errada teria sido difícil, a menos que os pilotos a estivessem procurando especificamente, devido ao ambiente escuro da cabine e ao tamanho reduzido da alavanca.
Em segundo lugar, os alertas automáticos de "RETARD", destinados a lembrar o piloto de reduzir a propulsão para marcha lenta, cessaram quando um motor entrou em reversão, eliminando um possível sinal de que o outro motor não havia sido revertido. E, finalmente, o único aviso que os pilotos receberam foi uma notificação de que os spoilers de solo não haviam sido acionados.
Essa falha foi resultado da configuração de alta potência no motor direito, mas o aviso não deu nenhuma indicação sobre o motivo pelo qual os spoilers não foram acionados, potencialmente levando os pilotos a uma conclusão incorreta sobre a causa de suas dificuldades. Portanto, parece bastante provável que, enquanto o avião acelerava pela pista, os pilotos acreditaram incorretamente que não poderiam parar porque os spoilers haviam falhado e a aeronave estava aquaplanando.
Simulações posteriores mostrariam que o acidente poderia ter sido evitado se os pilotos tivessem reconhecido o problema e reduzido a potência do motor direito sete segundos após o toque. As simulações também revelaram que, se os pilotos tivessem cancelado o empuxo reverso no motor esquerdo e tentado decolar novamente — uma violação do procedimento adequado — a decolagem resultante teria sido bem-sucedida a qualquer momento dentro de 15 segundos após o toque. No entanto, os investigadores tiveram o cuidado de observar que tal manobra não é recomendada, porque tentativas anteriores de impedir um pouso após o acionamento dos reversores de empuxo às vezes terminaram em desastre .
Os investigadores também questionaram se o próprio A320 poderia ter feito mais. Todos os aviões possuem alertas que alertam a tripulação sobre diversas configurações incorretas durante a decolagem ou o pouso, mas, com pouquíssimas exceções, a posição incorreta da alavanca de propulsão não é uma delas. Normalmente, isso ocorre porque a posição da alavanca de propulsão — especialmente a ré ou a decolagem/arremetida (TOGA) — é o parâmetro usado pela maioria desses sistemas de alerta para determinar a intenção do piloto e, se essa configuração estiver incorreta, a aeronave também interpretará erroneamente a intenção do piloto.
No entanto, os investigadores notaram que, neste caso, os sensores de peso sobre rodas detectaram que o avião estava no solo, os spoilers de solo estavam armados, os pilotos estavam acionando os freios e o motor nº 1 estava em marcha à ré, todas pistas que indicariam fortemente a um observador humano que o piloto pretendia pousar, e ainda assim a contínua não ativação dos spoilers de solo e dos freios automáticos mostrou que a lógica do software do A320 ponderou a presença de um motor em potência de subida acima de todas essas evidências contraditórias.
Essa lógica simples de software que inibe o acionamento dos spoilers e dos freios automáticos, a menos que ambas as alavancas de empuxo estejam em ou abaixo da potência de marcha lenta, visa impedir que os spoilers sejam acionados em voo e armazená-los automaticamente em caso de um pouso frustrado ou arremetida. Mas, na opinião do CENIPA, uma lógica mais avançada poderia ser desenvolvida para levar em conta mais parâmetros. Se tal lógica existisse, levando ao acionamento automático dos spoilers de solo e dos freios automáticos, o acidente teria sido muito menos grave.
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| Guindastes foram trazidos para começar a remover os destroços assim que os corpos das vítimas foram recuperados (Reuters) |
Outro recurso que poderia ter evitado o acidente, na verdade, já existia. Após os incidentes anteriores nas Filipinas e em Taiwan, a Airbus desenvolveu um novo sistema de alerta para o A320 que soaria um alarme e dispararia uma mensagem de cuidado se uma alavanca de propulsão fosse ajustada acima da marcha lenta durante o pouso.
A Airbus emitiu um boletim de serviço explicando como instalar o alarme, mas não tinha autoridade para torná-lo obrigatório — isso exigiria ação dos órgãos reguladores na forma de uma Diretriz de Aeronavegabilidade. No entanto, nenhuma Diretriz de Aeronavegabilidade foi emitida, e a TAM Airlines, sendo avessa a custos excessivos, recusou-se a instalar o alerta. Investigadores franceses, participando da investigação em nome da Airbus, mais tarde refutariam algumas das críticas do CENIPA à empresa, observando que a Airbus havia disponibilizado a tecnologia que teria evitado esse tipo de acidente e não poderia ser responsabilizada pelo fato de a TAM Airlines ser barata demais para comprá-la.
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| Um motor parou dentro do segundo andar do prédio da TAM Express (Bureau of Aircraft Accidents Archives) |
Ao investigarem o próprio aeroporto, os investigadores encontraram outro ponto em que o acidente poderia ter sido evitado. Em abril de 2006, representantes de diversas partes interessadas organizaram uma reunião para discutir o problema de água parada na pista principal de Congonhas. Durante a reunião, um representante da ANAC sugeriu diversas medidas mitigadoras, uma das quais era exigir que as aeronaves em pouso tivessem dois reversores de empuxo funcionando quando a pista estivesse molhada.
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| Na foto acima, o grooving (as ranhuras) sendo aplicado na pista do Aeroporto de Congonhas em 25 de julho de 2007, portanto, após o acidente |
Posteriormente, em dezembro daquele ano, um rascunho contendo recomendações para operações de jatos em pistas molhadas, incluindo a exigência de reversores de empuxo, foi publicado no site da ANAC. No entanto, ele foi misteriosamente retirado algumas semanas depois, e nenhuma exigência semelhante foi estabelecida pelas autoridades aeroportuárias. Se tivessem feito isso, o acidente do voo 3054 não teria acontecido porque o avião não teria sido autorizado a pousar em Congonhas em primeiro lugar.
Outra oportunidade semelhante perdida surgiu em fevereiro de 2007, quando preocupações com as condições da pista levaram um tribunal distrital a proibir jatos Boeing, Fokker e Airbus de pousar em Congonhas. No entanto, a proibição foi rapidamente anulada em recurso porque, na opinião do juiz, as preocupações com a segurança apresentadas ao tribunal não compensavam as consequências econômicas da proibição da maior parte do tráfego do aeroporto mais movimentado do Brasil.
Este incidente evidenciou o problema fundamental do sistema aéreo brasileiro: ele era econômico, mas tolo. A curto prazo, fechar Congonhas teria consequências econômicas drásticas, mas a longo prazo teria salvado vidas e estimulado o desenvolvimento de mais aeroportos que poderiam atender melhor às necessidades da população.
O mesmo poderia ser dito da TAM Linhas Aéreas. À medida que buscava expandir-se rapidamente para preencher a lacuna deixada pela VARIG, a administração da companhia aérea prestou pouca atenção aos riscos inerentes a essa estratégia.
Os investigadores constataram que os pilotos da TAM estavam recebendo menos horas de treinamento em simulador do que o recomendado pela Airbus, pois, de outra forma, o processo não seria capaz de acompanhar o ritmo de contratação. Um item não abordado no treinamento foi o pouso com um reversor de empuxo, fato que se refletiu na presença de nada menos que cinco técnicas diferentes de acionamento do reversor registradas no gravador de dados de voo da aeronave acidentada durante os 28 pousos que antecederam o acidente. Apenas uma dessas cinco técnicas estava correta.
Os problemas na TAM não paravam por aí. A estrutura organizacional da companhia aérea deixava muito a desejar, com vários departamentos espalhados por São Paulo com interação mínima entre si.
O Departamento de Segurança mal se comunicava com o departamento de treinamento, impedindo que as lições de segurança aprendidas durante as operações fossem incorporadas ao currículo de treinamento. Além disso, o Departamento de Segurança empregava apenas 21 funcionários qualificados, um número irrisório para uma companhia aérea com 19.000 funcionários. Devido à falta de pessoal, o departamento não conseguia fornecer feedback aos pilotos que enviavam relatórios de segurança, o que fazia com que muitos pilotos acreditassem que ninguém os estava lendo.
Consequentemente, os pilotos pararam de enviar os relatórios, e o Departamento de Segurança teve a falsa impressão de que a segurança estava melhorando. Esse tipo de incompetência também se estendia à estrutura do sistema de relatórios de segurança "anônimos", que só podia ser usado a partir de uma rede de computadores da empresa que exigia um login com o nome real, tornando o sistema de forma alguma anônimo.
Temendo as consequências por relatar eventos relacionados à segurança, os pilotos raramente se preocupavam em fazê-lo. E a lista continuou: a companhia aérea empregava apenas um psicólogo para 5.000 pilotos, não mantinha um controle adequado da proporção de capitães para primeiros oficiais e, talvez o mais preocupante, a gerência estava pressionando indiretamente os pilotos para evitar desvios de voos, a fim de dissipar a reputação de impontualidade da empresa.
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| Em poucos dias, o tráfego em direção ao norte na Avenida Washington Luís foi reaberto, mesmo com as obras continuando no local do acidente (The New York Times) |
Essa cultura de caos e incompetência chegou ao topo da indústria da aviação brasileira. O CENIPA reservou duras críticas à recém-criada ANAC, que, segundo ela, era lenta demais para implementar reformas e não coordenava suas ações com a Infraero, a Força Aérea ou as companhias aéreas. Investigadores observaram que a regra final que exigia que dois reversores de empuxo em funcionamento pousassem em pista molhada, originalmente elaborada em abril de 2006, só foi implementada em maio de 2008, bem depois do acidente. E para piorar a situação, quando o CENIPA solicitou documentos à ANAC como parte de sua investigação sobre o acidente, a agência levou mais de um ano para responder!
De certa forma, porém, a crise da aviação brasileira pode ter sido inevitável. Durante a década de 2000, a demanda por viagens aéreas crescia 15% ao ano, um ritmo insustentável para qualquer país, e mais ainda para um onde o dinheiro alocado para infraestrutura muitas vezes parece desaparecer em um buraco negro.
Mas a corrupção arraigada, aliada a altos funcionários que haviam conquistado seu "território" e se recusado a compartilhá-lo, tornou até mesmo reformas básicas impossíveis, e assim o Brasil continuou a mergulhar de cabeça nessa explosão de viagens aéreas, usando uma infraestrutura projetada para o número de passageiros da década de 1980.
Em 2007, os brasileiros tinham a impressão de que as autoridades que deveriam manter as viagens aéreas seguras e eficientes, na verdade, não tinham ideia do que estavam fazendo. A falta de resposta do governo talvez tenha sido melhor resumida pelas palavras da ministra do Turismo, Marta Suplicy, que disse aos passageiros enfurecidos para simplesmente "relaxar e aproveitar" os atrasos.
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| Uma plataforma de contenção de materiais de engenharia em construção em Congonhas, vista aqui no Google Street View em 2021 (Google) |
Nos anos seguintes ao acidente, o papel central do Aeroporto de Congonhas na rede de tráfego aéreo brasileira foi reduzido, com muitos voos para São Paulo migrando para o Aeroporto de Guarulhos, que é maior. Mesmo assim, Congonhas continua sendo o segundo aeroporto mais movimentado do Brasil, depois do de São Paulo-Guarulhos.
Hoje, ele continua tão apertado quanto sempre foi, e os aviões continuam pousando nas mesmas pistas, semelhantes às de porta-aviões. No entanto, em 2021, foi iniciada a construção de um Sistema de Suspensão de Materiais de Engenharia, um sistema caro, mas altamente eficaz, projetado para impedir que aviões em alta velocidade atolem em cascalho especialmente projetado. O sistema, construído na pista 35L, próximo ao local onde o voo 3054 caiu, certamente ajudará os pilotos a se sentirem menos estressados com o pouso em Congonhas.
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| Um A320 da TAM sobrevoa o memorial às vítimas do acidente, localizado no antigo local dos prédios destruídos no desastre (Leonardo Soares) |
Quanto à crise da aviação, ela acabou se resolvendo, lenta e dolorosamente, ao longo dos dois anos seguintes. Melhorias na infraestrutura foram finalmente feitas, embora claramente não tantas quanto poderiam ter sido, dada a contínua falta de margens de segurança em Congonhas.
A inflexibilidade continua sendo um problema sério, com quase dois terços do mercado doméstico brasileiro dividido entre apenas duas companhias aéreas: a TAM, agora conhecida como LATAM desde sua fusão com a LAN Chile; e a companhia aérea de baixo custo Gol. No entanto, a segurança melhorou, já que nenhuma das principais companhias aéreas brasileiras sofreu um acidente fatal desde a queda do voo 3054, sem dúvida em parte graças às 82 recomendações de segurança emitidas pelo CENIPA para evitar que um desastre semelhante se repita.
Esse histórico de segurança é motivo suficiente para sermos otimistas de que a aviação brasileira não afundará novamente nas profundezas que atingiu durante os anos sombrios de 2006 e 2007. Em vez disso, vamos lembrar daquela era caótica e das vidas que ela custou, como um conto de advertência sobre o colapso sistêmico e as consequências de adiar a decisão. Como o Brasil descobriu da pior maneira possível, a modernização — tanto da infraestrutura quanto da mentalidade — é melhor empreendida antes que seja tarde demais. Só podemos esperar que essa lição tenha sido aprendida.
Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu (site Desastres Aéreos) com Admiral Cloudberg







































