A rota escolhida pela Air France e seguida pelo comandante Marc Dubois no voo 447 foi a Aerovia UN873. Ela é bastante usada em voos que partem do Brasil com destino à Europa, por ser o caminho mais curto para cruzar o Oceano Atlântico nesse trajeto. Ao longo da rota, radares localizados no Recife, em Fernando de Noronha, Ilha do Sal (em Cabo Verde) e Dacar (no Senegal) monitoram o deslocamento das aeronaves. Mas os radares não cobrem toda a extensão da UN873. Durante um trecho de 450 quilômetros, os aviões que seguem a rota ficam “invisíveis”. Para que o controle do tráfego aéreo seja eficiente mesmo nessa área cega, as aeronaves devem manter contato por rádio com as torres de controle. “As comunicações são constantes ao longo do trajeto todo”, diz Bemildo Ferreira, consultor de tráfego aéreo especialista em Segurança Operacional de Sistema Crítico de Aviação.
A troca de informações entre controladores e pilotos permite compartilhar o conhecimento mais preciso e atual possível sobre as condições de voo e do clima. Qualquer problema detectado pelo Centro de Controle de Tráfego Aéreo é informado ao piloto. Se ele decidir fazer uma manobra para desviar de uma tempestade, deve informar os controladores, que orientarão o procedimento para evitar colisão com outras aeronaves que possam passar pelo local. Mesmo que não haja necessidade de comunicar qualquer anormalidade, o plano de voo prevê que o piloto faça contato com o centro de controle em pontos virtuais predeterminados da rota. Esses pontos recebem nomes como Intol (a 565 quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte), Selpu, Oraro e Tasil (esse, exatamente na divisa entre o controle do espaço aéreo do Brasil e do Senegal). A partir das informações recebidas dos pilotos em cada um desses pontos, os controladores de tráfego aéreo podem precisar a posição da aeronave e garantir a segurança dos voos.
Para contornar falhas dos rádios, controladores afirmam já ter se comunicado com pilotos usando seus celulares
O último centro de controle de tráfego aéreo a fazer contato com o voo 447 foi o Cindacta III, no Recife. O avião desapareceu antes de fazer o contato previsto para ocorrer às 23h20, na passagem pelo ponto virtual Tasil (leia abaixo). Três dúvidas permanecem:
1) os controladores do Cindacta III foram questionados pela tripulação da aeronave francesa sobre a situação meteorológica que encontraria na região do acidente?
2) os controladores repassaram as informações para a tripulação do avião?
3) as informações eram precisas o suficiente para orientar o piloto a desviar da tempestade? Um controlador que teve acesso aos relatórios sobre os contatos entre o Cindacta III e o avião da Air France afirma que as condições de comunicação durante o voo 447 eram normais e o sinal de radar funcionava.
Um controlador é responsável por monitorar vários aviões ao mesmo tempo. Cada um é representado numa tela por uma sequência de letras e números que o identificam, apontam sua direção, informam velocidade, altitude real e altitude pretendida. O controlador precisa interpretar corretamente esses dados, que mudam a cada momento. E traduzi-los em instruções para os pilotos. Além da comunicação por rádio, há um sistema digital de mensagens de textos codificados específicos para instruções aeronáuticas (CPDLC, na sigla em inglês). Nenhum desses sistemas é imune a falhas. Em maio de 2007, o Centro de Controle de Voo do Atlântico, no Recife, ficou quatro horas sem contato com as aeronaves devido a uma pane nos radares. Para escapar de uma tempestade, pilotos tiveram de fazer desvios por conta própria. Controladores ouvidos por ÉPOCA afirmam já ter se comunicado tanto por voz quanto por mensagens de texto usando os próprios celulares via satélite.
Mesmo que toda a comunicação entre avião e controle de voo entre em colapso, o piloto tem outros recursos para se manter informado. Uma frequência de rádio é sempre usada para alertar sobre riscos. Os equipamentos internos do avião também mantêm o piloto alerta, não só sobre as condições de voo, como do próprio equipamento, corrigindo eventuais problemas. Em aviação, o termo “erros honestos” é usado para descrever falhas técnicas, deficiências de projeto e de manuseio. É possível que tenha sido isso que ocorreu com os sistemas de informação ou com sua interpretação.
Onde e como o avião faz contato
Fonte: Wálter Nunes e Celso Masson (Revista Época)
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