domingo, 7 de junho de 2009

Depois da tragédia

O drama da companhia Air France após o maior acidente de sua história e o vazio gerencial das organizações que perderam seus líderes

A notícia de um avião "desaparecido" na rota Rio- Paris, na segunda-feira de manhã, era o prenúncio de que a ligação entre as duas cidades mais famosas de cada lado do Atlântico seria para sempre, a partir de agora, associada à tragédia do voo 447. O Airbus A 330-200, com 228 passageiros e tripulantes a bordo, caiu perto de Fernando de Noronha, na madrugada de domingo, em condições que devem continuar misteriosas por algum tempo, na avaliação de autoridades e especialistas que investigam as causas do acidente.

As hipóteses levantadas durante a semana falam em turbulência forte, raio, pane elétrica e até uma suspeita de bomba, embora seja pouco provável, na análise das autoridades. Foi o pior acidente de duas das principais empresas do setor, a Air France, líder europeia em aviação, e a Airbus, segunda maior fabricante de aviões do mundo.

A Air France já tinha sofrido um acidente grave em 2000, quando um Concorde explodiu dois minutos depois da decolagem, no aeroporto Charles de Gaulle, matando 113 pessoas. Como sempre acontece, o episódio abalou a imagem da empresa nos primeiros meses, mas a Air France se recuperou e é uma das poucas sobreviventes da grave crise que abateu o setor de aviação nos últimos anos. A aeronave que ela usa, o Airbus, já registrou 19 acidentes graves desde 1990.

Um deles foi um voo da TAM, que em julho de 2007 se chocou contra um edifício quando tentava pousar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O acidente deixou 199 vítimas, 187 deles dentro do avião. Ainda é cedo para avaliar os danos às imagens das empresas. As ações caíram nos primeiros dias, mas o prejuízo mais temido pelas companhias aéreas é a queda dos passageiros. Com reputação de bons serviços e voos diários ligando São Paulo e Rio de Janeiro à Europa, a Air France é uma das empresas preferidas pelos passageiros brasileiros e europeus em viagens ao Brasil.

Acidentes fazem parte do dia a dia de uma empresa e todas as empresas sérias sabem que, mesmo seguindo os mais rigorosos manuais de segurança, um dia podem ter que lidar com esse tipo de ocorrência, que é a mais temida do setor. Com a globalização das empresas, aumentou também a necessidade de empresários se movimentarem entre vários países. É praticamente inevitável que cada um desses voos carregue sempre vários executivos. Por isso, além do luto das famílias e dos colegas, muitas empresas também tiveram que lidar na semana passada com o vazio gerencial e as dificuldades de uma sucessão ou substituição feita às pressas.

Uma das empresas que ficaram de luto na semana passada foi a Michelin, maior fabricante de pneus do mundo. O chefe de operações para a América do Sul, Luís Roberto Anastácio, e o diretor de informática, Antonio Gueiro, estavam no voo que os levaria para uma reunião na França, sede da empresa. Na filial carioca, o clima é de consternação. Os dez diretores que eram diretamente subordinados a Anastácio estão fazendo o trabalho que cabia ao presidente. Por enquanto, o trabalho é em grupo, sem um líder definido. A sucessão só deve começar a ser discutida nesta semana, depois da formalização de que os passageiros, que nos primeiros dias eram dados como desaparecidos, estão mesmo mortos.

A Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), joint venture entre a Vale e a ThyssenKrupp, dona do maior projeto industrial em construção no País, perdeu o presidente, o sul-africano Erich Walter Meine. Além do projeto em Santa Cruz, ele era responsável pela construção de uma planta no Alabama, nos Estados Unidos. Num primeiro momento, os vice-presidentes dividem as atribuições que eram de Meine. Já a operadora Oi perdeu sua diretora de roaming internacional, Letícia Chem, que buscaria novas parcerias na França. A mineradora Vale ficou sem o diretor de manganês, Marco Mendonça.

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Muitas empresas já estão preparadas para esse processo e para evitar o vazio gerencial que se segue ao desaparecimento súbito de executivos importantes para a empresa. "O tamanho do impacto de perdas súbitas em uma empresa depende de sua cultura. Quanto menos centralizado é o poder de decisão, mais fácil é a adaptação da empresa aos novos tempos", disse à DINHEIRO Jordan Nassif Leonel, pesquisador do núcleo de negócios internacionais da Fundação Dom Cabral. Mas, mesmo que a substituição se dê entre executivos igualmente capazes e talentosos, a simples mudança no estilo pode afetar a empresa por algum tempo, diz o consultor Peter Anderson, da ARC Executive Talent Recruiting. "É preciso ter um plano prevendo essa situação para tornar o dia a dia menos traumático", disse ele à DINHEIRO.

Um dos cuidados básicos, adotados pela maioria das empresas grandes, é evitar que mais de um diretor viaje no mesmo avião. As empresas mais cuidadosas evitam o deslocamento conjunto até mesmo por via terrestre. Se vários diretores tiverem que comparecer a uma reunião fora da sede, cada um vai num carro.

Algumas empresas - e não apenas as familiares - chegam a explicitar como deve ser a sucessão em caso de morte ou incapacidade do líder. É o caso do comandante Rolim Amaro, fundador da TAM, que por ironia do destino morreu num acidente de helicóptero em julho de 2001, na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero. Ele foi substituído, em apenas 48 horas, pelo cunhado, Daniel Mandelli Martin. De lá para cá, muita coisa mudou na TAM, que hoje é tocada por executivos profissionais, que se revezam na presidência.

Outra empresa que teve que lidar com a ausência súbita dos principais dirigentes depois de uma tragédia foi o grupo Caltabiano - proprietário de uma das maiores redes de concessionárias do País. Primeiro foi a morte dos irmãos João e Pedro Caltabiano no acidente do Airbus A-320, da TAM, no fim de julho de 2007. Pela tevê, o pai Bruno - fundador da empresa - viu o incêndio se alastrar no avião que virou uma bola de fogo, em vez de pousar em Congonhas. O trágico episódio obrigou Bruno a retomar a direção da empresa, que, por oito anos, era conduzida pelos filhos. O regresso durou pouco. Em janeiro de 2009, Bruno faleceu de um ataque cardíaco.

Coincidentemente, o acidente da TAM que vitimou os filhos de Caltabiano deixou também muitas empresas sem seus diretores e executivos. A Medabil, do ramo construtivo metálico, perdeu seu fundador, Attilio Bilibio, 62 anos. Uma semana antes, ele havia comemorado 40 anos de empresa com o lançamento da autobiografia "Como Começar uma Indústria - Com Pouco Dinheiro e Muita Paixão".

A Cooperativa Vinícola Aurora ficou sem o diretor-superintendente Carlos Gilberto Zanotto depois de 32 anos. Vitacir Paludo, da holding Paludo Participações, também era uma das vítimas. Um diretor e um engenheiro da Companhia de Tecidos Norte de Minas (Coteminas), empresa do vice-presidente, José Alencar, estavam também entre as vítimas. Morreram o diretor da unidade de Montes Claros (MG), Fábio Vieira Marques Júnior, e o engenheiro Rospierre Vilhena. Se não é possível evitar ou mesmo prever uma tragédia dessas, as empresas podem ao menos se preparar para minimizar a ausência no dia a dia da empresa.

Fonte: Luciana de Oliveira (IstoÉ Dinheiro)

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