Os quatro sargentos e um suboficial indiciados pela FAB poderão ser presos, suspensos ou até expulsos da carreira
IPM também aponta falhas de pilotos do Legacy, mas neste caso não há conseqüências legais, por se tratar de inquérito militar
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
Antes mesmo do anúncio do relatório técnico final das investigações sobre o choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, que matou 154 pessoas, o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, encaminhou à Justiça Militar o IPM (Inquérito Policial Militar) indiciando cinco controladores de vôo por "materialidade e indícios de autoria de crime" no acidente.
O resultado do IPM, ao qual a Folha teve acesso, indica por que falharam as mais de 20 tentativas de comunicação entre o avião e o controle aéreo de Brasília: a freqüência que o Legacy usava, 125.05 MHz, não funcionava no setor aeronáutico em que o avião voava na região do acidente.
O IPM só indicia controladores e poderá influenciar o processo na Justiça comum que irá determinar as responsabilidades pelo acidente e a discussão sobre indenizações. O comportamento dos pilotos do Legacy, apontado até aqui como um dos fatores principais do acidente, é citado, mas sem conseqüências legais, pois trata-se de um inquérito militar.
O texto, confidencial, foi enviado por Saito à juíza auditora da 11ª Circunscrição Judiciária Militar, Zilah Petersen, em 19 de julho passado. O encarregado do IPM foi o coronel aviador Luiz Claudio Ribeiro da Silva.
Os cinco controladores indiciados estão sujeitos a enquadramento no Código Penal Militar e, portanto, a prisão, suspensão e expulsão da carreira.
São eles os sargentos Felipe dos Santos Reis, Jomarcelo Fernandes dos Santos, Lucivando Tibúrcio de Alencar e Leandro José dos Santos Barros, do Cindacta-1 (o controle aéreo de Brasília), além do suboficial João Batista da Silva, de São José dos Campos (SP), de onde decolou o Legacy.
O relatório, de 77 páginas, reproduz em detalhes e analisa todos os episódios que desembocaram no choque do Boeing com o Legacy em 29 de setembro de 2006, e usa termos como "displicência", "relaxamento", "falta de diligência" e "demora excessiva" para classificar a atuação de controladores.
Pilotos do Legacy
Nas conclusões, foram listados 11 "fatores preponderantes" desencadeados pelos controladores ou pelos pilotos norte-americanos do Legacy, Joe Lepore e Jan Paladino.
Há referências à "conduta omissiva" dos pilotos, além da citação de normas aeronáuticas para afirmar que o Legacy estava sob "vigilância radar", não sob "vetoração radar", e isso significa que "a responsabilidade de navegação é do piloto em comando da aeronave".
Ou seja: apesar dos erros dos operadores, deveriam corrigir altitude e freqüência, além de notificar a inoperância do transponder (equipamento que informa a posição do avião ao controle e a outros aviões, acionando sistemas anticolisão).
O primeiro erro é do sargento Felipe dos Santos Reis, de Brasília. Não conhecia o plano de vôo, que previa três altitudes até Manaus, e passou a orientação para a torre de São José sem dados importantes sobre rota e nível, dando só a primeira altitude (37 mil pés).
O suboficial João Batista, de São José, conhecia o plano, mas não questionou a orientação de Brasília e a repassou para os pilotos do Legacy citando apenas 37 mil pés e o aeroporto de Manaus. Ele havia sido convocado no IPM como testemunha, mas foi indiciado pois "foi verificado que contribuiu, sobremaneira, para o evento que culminou com a queda do Gol".
A autorização incompleta produziu nos pilotos a "compreensão de que estariam autorizados a voar em 37 mil pés até Manaus", mas eles erraram ao não questioná-la, já que divergia do plano de vôo. Ao passar por Brasília, quando o avião deveria ter baixado para 36 mil pés, porque a altitude na direção Manaus é obrigatoriamente par na chamada aerovia (o Boeing vinha na "contramão" ímpar), nem os pilotos desceram, nem o sargento Jomarcelo ordenou a descida.
Jomarcelo afiançou equivocadamente para seu substituto de turno, Lucivando, que o Legacy estava em 36 mil pés, como no plano de vôo, quando estava, de fato, em 37 mil e na "contramão". Segundo o IPM, ele "teve todas as condições de verificar que a aeronave voava em 37 mil, até que perdesse o sinal do transponder".
Registro alterado
Um dado considerado importante no relatório é que, às 16h26, o sargento Lucivando alterou o registro do nível de vôo autorizado a partir da posição Teres da carta aeronáutica: deveria ser de 38 mil pés, mas ele mudou para 36 mil.
O transponder não emitiu sinais por cerca de 55 minutos e não houve comunicação entre o controle e o Legacy entre 18h51 e 19h48, sem que nenhum dos lados observassem os procedimentos previstos.
Jomarcelo teve "um série de indicações" da inoperância do transponder, como o fim da circunferência que fica na tela do controle quando o aparelho está funcionando, variação de indicação de altitude e surgimento da letra Z entre a altitude real e a autorizada. Nada fez.
Também houve "excessiva demora" de Lucivando em tentar contato com o Legacy. Foram mais de 7 minutos até a 1ª tentativa e, mesmo diante de seis tentativas infrutíferas, levou "nada menos que 19 minutos" para fazer a sétima.
A transferência do controle de Brasília para Manaus, feita pelo sargento Barros, transcorreu "como se nenhuma anormalidade estivesse ocorrendo com a aeronave". Exemplo: disse que o Legacy iria chamar em seguida, quando sabidamente havia falha de comunicação.
Fonte: Folha de S.Paulo
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