É possível imaginar, por exemplo, que alguém possa deixar uma muleta ou uma cadeira de rodas e sair de viagem caminhando tranquilamente? Ou que um cego deixe para trás sua bengala antes de embarcar? Embora intrigante, a situação não representa milagre, mas um tipo de distração que acontece no dia a dia de terminais mundo afora. Há um mês, no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, Região Metropolitana de Belo Horizonte, uma mulher desembarcou e somente deu pela falta do filho de 8 anos quando chegou em casa. Em setembro de 2008, até um coração foi deixando no banheiro masculino do aeroporto, dentro de um recipiente de vidro. O desmemoriado passageiro mobilizou um aparato policial, diante da suspeita de tratar-se de órgão humano. Do Instituto Médico Legal (IML) veio a constatação de que não se estava diante de um crime, mas de esquecimento: o coração era de boi. Apenas nos últimos quatro meses, 4 mil objetos foram deixados no terminal, a maioria em dezembro, quando o movimento de passageiros é maior. A média de devolução é de 45%. E nem todos os itens abandonados são mera curiosidade, como o órgão bovino: há peças valiosas, como computadores de última geração.
Mas a maior preocupação no aeroporto é com explosivos nas bagagens esquecidas. Em alguns casos, como o de uma maleta deixada junto a um dos vasos sanitários do terminal, o local foi isolado e as polícias Civil, Militar e Federal, acionadas. Em outra bolsa suspeita havia vários cordões em ouro, passaporte, moedas estrangeiras e US$ 16 mil. O dono já estava em João Monlevade, Vale do Aço, quando foi avisado e retornou. “Muitas vezes, as pessoas esquecem suas bagagens porque chegam cansadas de viagens internacionais, onde há fuso horário, e também ficam emocionadas quando reencontram seus parentes, por felicidade ou tristeza, pois há também muitos que chegam para o funeral de algum familiar”, diz o gerente de segurança de Confins, Milton Campos Siqueira.
O militar reformado da aeronáutica Hélio Martins Ramos, de 74, trabalha há 25 anos no setor de achados e perdidos de Confins. “Houve um religioso do Sul do país que deixou uma mala cheia de camisinhas e estimulantes sexuais”, recorda. Computadores portáteis também são figuras fáceis na lista de achados em Confins. Um engenheiro de Porto Alegre escondeu R$ 3 mil no notebook dele, mas o esqueceu no saguão. “Depois, ele mandou buscar”, conta Hélio. Quando alimentos são encontrados, são destruídos em 48 horas, pois são perecíveis e há risco de estarem envenenados.
Hélio também recorda o caso de uma comissária de bordo que saiu de casa de madrugada para pegar um voo e, na pressa, não viu seu cão poodle entrar no carro e se esconder. Depois, no estacionamento do aeroporto, pessoas perceberam o cão agitado e chamaram os bombeiros para abrir o veículo. A dona foi identificada pela placa do carro, mas àquela altura já estava no Sul do país.
Bola fora
Na lista de curiosas histórias deixadas por passageiros em Confins está também a do zagueiro do América, Wellington Paulo, que ficou com a roupa do corpo quando sua mala foi esquecida no saguão do aeroporto. Em junho passado, ele conta que estava indo com o time para o Mato Grosso, jogar contra o Mixto, pela série C do Campeonato Brasileiro. Como sempre fazia, deixou sua bagagem sob a responsabilidade de dois funcionários do clube. “Quando cheguei a Cuiabá, fui informado de que a minha mala não tinha chegado. Fizemos protocolo na empresa área e na Infraero e fiquei aguardando a mala chegar no dia seguinte, só que ela não havia sido despachada. A viagem durou três dias e precisei tomar roupa emprestada dos meus colegas”, disse o zagueiro. “Fiquei sem a mala, mas ganhamos o jogo de um a zero com um gol meu”, disse o jogador.
No Aeroporto da Pampulha, os objetos mais comumente esquecidos são necessaires, óculos e celulares, deixados principalmente nos banheiros. “A gente faz uma lista do material e ela fica anexada no saguão por 30 dias. Todos são catalogados numa rede nacional da Infraero”, conta o coordenador de Operações, Pedro Paulo e Silva. A peça não reclamada é encaminhada à Justiça para doação. “Já aconteceu de um deputado esquecer uma mala com uma grande quantidade de dólares, que ele conseguiu recuperar”, disse Pedro Paulo, sem dar mais detalhes sobre o personagem.
Confira onde reclamar objetos perdidos em Minas Gerais
TÁXIS – Posto da BHTrans no setor de desembarque da rodoviária. Telefone (31) 3277-6500.
METRÔ – Posto de Achados e Perdidos, na Estação Santa Efigênia, das 8h às 12h e das 13h30 às 17h30. Telefone: (31) 3250-4231.
TREM VITÓRIA- MINAS – Procurar qualquer estação ao longo da linha ou telefonar para o Alô Ferrovia: 0800-285-7000. O setor de achados e perdidos fica em Vitória (ES)
RODOVIÁRIA – Procurar a administração, no mezanino, ou telefonar para (31) 3277-4525
AEROPORTO DE CONFINS – Setor de Achados e Perdidos no mezanino do aeroporto. O passageiro deve informar claramente o que há entre seus pertences. Contatos pelo telefone (31) 3689-2089 ou 3689-2039
AEROPORTO DA PAMPULHA – Achados e Perdidos no mezanino. Lista de objetos encontrados nos últimos 30 dias fica anexada no saguão. Telefone de contato: (31) 3490-2121
Fonte: Pedro Ferreira (Estado de Minas) - Foto: Cristina Horta (EM/DA Press)
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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Viajantes distraídos enchem setor de achados e perdidos
Época de férias sempre foi sinônimo de viagens. E tantas idas e vindas provocam um efeito colateral na maior parte das vezes invisível. Ou esquecido, para usar palavra mais apropriada: é o período em que mais objetos são largados em aeroportos, rodoviárias, estações e vagões de trem e metrô, assim como em táxis e ônibus. Em Belo Horizonte, a extensa lista abrange itens que vão de dentaduras a bicicletas, passando por acessórios eróticos e algemas coloridas. Aparelhos de rádio, mudas de bananeira e de coqueiro, animais de estimação, galinhas, aves da fauna silvestre e até uma cama king size, sem contar uma panela de pressão, achada com feijão cozido, compõem o divertido rol de itens que abarrotam seções de achados e perdidos e demonstram como a memória, ou a falta dela, e a correria fazem passageiros deixarem para trás partes importantes de suas vidas.
Milton Siqueira, gerente de Segurança do aeroporto de Confins, coleciona histórias curiosas e mostra que há itens de valor abandonados por passageiros
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