terça-feira, 6 de outubro de 2009

Saiba mais: Os voos da morte durante a Ditadura Argentina

Os "voos da morte" (Vuelos de la muerte) foram um selo atroz da Guerra suja na Argentina, durante o chamado Processo de Reorganização Nacional (1976-1983). Mediante os "voos da morte" milhares de detidos-desaparecidos foram atirados ao mar vivos e drogados, de aviões militares.

Fokker F 28 da Marinha da Guerra argentina no aeroporto militar do Aeroparque - Foto: Pepe Robles

As constâncias

As evidências sobre o assassinato de opositores arremessando-os de aviões são inquestionáveis e não há controvérsia sobre isso. Já em 1977, durante o regime militar apareceram vários corpos nas costas dos balneários atlânticos de Santa Teresita e Mar del Tuyú, cerca de 200 km a sul da Cidade de Buenos Aires. Os cadáveres foram enterrados como “NN” no cemitério de General Lavalle, mas previamente os médicos policiais que intervieram informaram que por causa de morte fora devida ao “choque contra objetos duros desde grande altura”.

Em 1995, o ex repressor da ESMA Adolfo Scilingo, contou cumpridamente, ao jornalista Horácio Verbitsky, a metodologia de extermínio ao que os próprios verdugos referiam-se como voos. O testemunho foi logo publicado como livro, com o título de “O voo”. Scilingo, nos seus testemunhos, detalha o procedimento, a autorização da Igreja católica, a utilização de injeções anestésicas, o tipo de aviões (Electra], Skyvan; p.30), a ampla participação dos oficiais, a utilização do aeroporto militar que se encontra em Aeroparque (cidade de Buenos Aires).

Shorts SC.7 Skyvan da Prefeitura, usado para os voos da morte - Foto: J-P Kärnä

"Qual foi o seu primeiro conhecimento sobre os voos da morte da Esma?"

"-Os voos foram comunicados oficialmente por Mendía (vice-almirante da Armada) poucos dias depois do golpe militar de Março de 1976. Informaram que o procedimento para o manejo dos subversivos na Armada seria sem uniforme. Foi explicado que na Armada não se fuzilariam subversivos, já que não se queria ter os problemas sofridos por Franco na Espanha e Pinochet no Chile. Também não se podia ir contra o Papa, mas a hierarquia eclesiástica foi consultada e foi adotado um método que a Igreja considerava cristão, quer dizer, pessoas que despegam num voo e não chegam ao destino. Ante as dúvidas de alguns marinhos, aclarou-se os subversivos seriam atirados em pleno voo. Logo dos voos, os capelães tratavam de os consolar recordando um preceito bíblico que fala de "separar a erva má do trigal". (Entrevista realizada por Martín Castellano a Adolfo Scilingo a 4 de Outubro de 1997)

Sem bem existem poucos dados, o desaparecimento dos cadáveres dos detidos-desaparecidos atirando-os no mar desde aviões parece que foi um método generalizado, além das tumbas clandestinas. Além da ESMA, há referências aos mesmos em El Olimpo, em La Perla , em El Campito (Campo de Maio). Neste último, o Centro clandestino de detenção (CCD) foi instalado próximo ao aeródromo precisamente para facilitar o translado dos detidos aos aviões. A Força Aérea uruguaia reconheceu em 2005 que eram realizados voos da morte em combinação com as Forças Armadas argentinas (Operação Condor). Scilingo declarou também frente do juiz espanhol Baltasar Garzón que foram recolhidos prisioneiros na base que a Marinha da Guerra possui em Punta Indiano (Província de Buenos Aires).

O CCD conhecido como "Quinta de Funes" em Rosário encontrava-se situado a 400 metros do aeroporto e há constâncias de que detidos ali foram arremessados ao mar, na zona da Baía de Samborombán (província de Buenos Aires).

Em Novembro de 2004 a Equipa Argentina de Antropologia Forense (EAAF) descobriu que os restos de uma pessoa enterrada como NN no cemitério de General Lavalle (Província de Buenos Aires) correspondia a um desaparecido. Procederam então a revisar os livros do cemitério e descobriram que essa pessoa e outras cinco foram encontradas nas praias entre os dias 20 e 29 de Dezembro de 1977, suspeitando então que poderiam ser todas vítimas de um mesmo voo da morte. Poucos dias depois os corpos foram exumados. No lapso duns meses foi-se estabelecendo que se tratavam dos restos das mães da Praça de Maio, Esther Ballestrino, María Eugenia Ponce, Azucena Villaflor, a militante Angela Auad, e a monja francesas Léónie Duquet. Em Abril de 2006 esperava-se encontrar também a Alice Domon, a outra monja francesa seqüestrada e torturada com o grupo.

O aeroporto militar que se encontra no extremo sul (esq) do Aeroparque era utilizado para os voos da morte - Foto: Darío Crusafón

"É a primeira vez que são recuperados corpos do mar, são identificados e ligados claramente à detenção, posterior desaparecimento e reclusão num centro clandestino de detenção, neste caso a Escola de Mecânica da Armada (ESMA)." (Ana María Careaga, filha de uma das vítimas)

A Equipa Argentina de Antropologia Forense determinou também que os corpos apresentavam "fraturas múltiplas nos membros superiores e inferiores no crânio, compatíveis com a queda desde altura contra uma superfície dura que poderia ser o mar".

Todas elas agiam na Igreja da Santa Cruz, no bairro de San Cristóbal, foram seqüestradas de 8 a 10 de Dezembro de 1977, levadas para a ESMA, torturadas durante uns 10 dias, deslocadas em avião e arremessadas vivas ao oceano, à altura do balneário turístico de Santa Teresita, por volta de 20 de Dezembro de 1977. Os seus corpos foram arrastados pelas correntes até a praia e enterrados rapidamente pela polícia local como NN, não sem antes fazer constar que a morte fora produzida por uma queda desde grande altura. A descoberta fecha um capítulo importante da reconstrução da memória histórica durante a Guerra Suja na Argentina.

Fonte: Wikipédia



Leia também:

- Uruguay:A força aérea admite que houve voos da morte (em espanhol)
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Nunca Mais (em espanhol)
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Secretaria de Direitos Humanos da Nação Argentina; ESMA: espaço para a memória (em espanhol)
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Horácio Verbitsky: O voo (em espanhol)
- Processo de Reorganização Nacional
- Desaparecidos pela ditadura argentina

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