sábado, 20 de março de 2010

Mudanças que não decolam

Desmilitarização do controle aéreo, discutida há três anos, só deve ser iniciada em 2017

A desmilitarização do controle aéreo - proposta que surgiu em meio à crise que parou aeroportos brasileiros e deixou milhares de passageiros sem voo - está cada vez mais distante.

Controladores fizeram, em 2007, paralisações que levaram os aeroportos do país a superlotarem de passageiros

Três anos depois do caos, o governo deixou de lado as promessas feitas durante as negociações. Projeto apresentado aos operadores de voo aponta que o início desse processo só será feito em 2017. Primeiro, nos destacamentos (torres de controle). E, depois, em 2025, nos Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindactas). A data não foi escolhida por acaso. A partir daquele ano, o controle aéreo mundial será feito por satélites e o Brasil é signatário do acordo de implantação do sistema Comunicações, Navegação, Vigilância e Tráfego Aéreo (CNS/ATM).

A troca de militares por civis continua sendo a maior reivindicação dos controladores brasileiros. De acordo com a assessoria de imprensa do Comando da Aeronáutica, até o fim do ano, 4 mil militares estarão em atividade no país. A remuneração prevista é de R$ 3,1 mil e a preparação dura até dois anos. A nota não informa quantos foram contratados após o apagão. Além da desmilitarização, o acordo com os profissionais, feito pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, em 2007, prometia não punir participantes do movimento que suspendeu pousos e decolagens no país.

Depoimentos

Na semana passada, a Auditoria Militar da 11ª Região, espécie de primeira instância da Justiça Militar, começou a ouvir os 51 controladores do Cindacta I, em Brasília, denunciados pelo Ministério Público Militar (MPM). Até agora, apenas três falaram. Os demais permaneceram em silêncio.

Na denúncia, a procuradora militar Ione de Souza Cruz diz que o acidente com o avião da Gol 1907, que se chocou contra um jato Legacy, foi a brecha que os controladores encontraram para pôr em pauta suas reivindicações. Segundo o relatório do MPM, "apesar da comoção causada pela grande tragédia, 154 vidas e respectivas famílias e amigos inconsoláveis com a irrecuperável perda, os controladores de tráfego aéreo perceberam a oportunidade para alavancar um movimento classista".

De acordo com a procuradora, os militares reverteram normas de hierarquia e promoveram a indisciplina, colocando em risco a vida de milhares de brasileiros. Muitos deles, inlcusive, que não poderiam deixar de fazer uso desse meio de transporte. Ela afirma que a data da rebelião foi escolhida com antecedência e por motivos pontualmente analisados, como a ausência, em Brasília, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Defesa.

Gravações no processo

Apesar das negativas dos controladores, o Ministério Público Militar utiliza gravações feitas no dia do motim para defender a tese de que tudo foi planejado. Em uma das gravações obtidas pela Justiça, o controlador Cristiano Cavalcanti Lopes diz em 30 de março de 2007: "Até que se prove o contrário, ganhamos a primeira batalha". As escutas revelam como o movimento foi ganhando corpo e como a situação ficou fora de controle. Em outra ligação, o controlador Alberto diz para Edivaldo, apontado pelo MPM como um dos líderes do movimento: "A gente tá suspendendo todas as decolagens no centro de Brasília". A partir daí, começaram os intervalos de 30 minutos entre pousos e decolagens. O Comando da Aeronáutica não quis comentar o projeto de desmilitarização e disse que o Brasil é modelo de integração da aviação civil e militar.

Lula - Certa da condenação no tribunal, a defesa dos controladores vai aguardar o caso chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF) e quer acionar judicialmente o presidente Lula por crime de responsabilidade administrativa. "Foi feito um acordo que não foi cumprido", diz o advogado da Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo (ABCTA), Roberto Sobral, em referência à minuta de negociação de 30 de março de 2007 que garantia não haver punição para os manifestantes.

No tribunal militar, não são apenas juízes togados que decidem o futuro dos réus. O Conselho Permanente de Justiça para a Aeronáutica, que muda trimestralmente, também vota. Eles não são necessariamente formados em direito e o objetivo é considerar a experiência militar. É como um tribunal do júri. A presença de um coronel e três capitães é criticada pelos controladores. A Justiça Militar de Manaus e Curitiba já condenou os controladores envolvidos no apagão naqueles estados. Os processos seguem para o Superior Tribunal Militar (STM). Na capital, o MPM ainda quer incluir na denúncia outros 38 controladores.

Fonte: Alana Rizzo (Diário de Pernambuco) - Foto: Marcos D. Paula/AE

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