terça-feira, 26 de outubro de 2021

Passageiras relatam 'sensação de morte' e trauma após turbulência severa em voo

Rota da companhia aérea Azul saiu de Campinas e ia para Presidente Prudente, mas foi alterada para São José do Rio Preto, em razão das condições climáticas. A Azul ainda não comentou sobre o relato das passageiras.

Rota virou um 'zigue-zague' para tentar contornar as condições meteorológicas
(Foto: Reprodução/Flightradar24)
Terror em terra e terror no céu. Durante o temporal que atingiu o Oeste Paulista na noite do último sábado (23), passageiros de um avião que pousaria no Aeroporto Estadual de Presidente Prudente (SP) tiveram cerca de 1h30 de tensão devido a uma turbulência severa.

Quem estava no voo AD5069, da companhia Azul Linhas Aéreas, considerou traumatizante a tentativa da aeronave de passar pela camada de tempestade.

O avião, que havia saído do Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), não conseguiu desembarcar no destino final da rota, em Presidente Prudente, e precisou fazer um desvio para descer em São José do Rio Preto (SP). Os passageiros tiveram de enfrentar uma viagem rodoviária de quase 300km de distância, em ônibus, entre as duas cidades.

Apesar do susto, turbulências, mesmo as mais intensas, não costumam causar maiores prejuízos ao avião (leia mais no fim da reportagem).

O g1 solicitou nesta segunda-feira (25) um posicionamento à Azul Linhas Aéreas sobre o assunto e sobre os relatos apresentados pelas passageiras ouvidas pela reportagem, mas ainda não obteve resposta.

No domingo (24), a companhia divulgou uma nota oficial na qual disse que os seus clientes e tripulantes "receberam todo o atendimento necessário" (veja a íntegra no fim da reportagem).

Passageiras relatam pavor


O avião decolou às 22h17, no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, com horário de pouso em Presidente Prudente estimado para as 23h40, mas a rota virou um "zigue-zague” para tentar contornar as condições meteorológicas, e foi tomada por “angústia e pânico”.

Ainda tentando relaxar, uma passageira de 32 anos, que pediu para não ser identificada, afirmou ao g1 que foi “muito assustador, muito pesado” o período que viveu no voo. A mulher, que, inclusive, já atuou como piloto comercial, também questionou as atitudes da companhia aérea.

Ela mostrou as voltas realizadas no voo e afirmou que os procedimentos duraram cerca de 1h30, com “turbulências severas”.

“Eu realmente achei que o avião ia cair. A comissária que estava em pé distribuindo água bateu a cabeça no teto e caiu no chão. Logo se levantou com a ajuda dos passageiros e sentou em um banco”, disse.

Ainda segundo relato da passageira, havia crianças, idosos e gestantes no voo, e o piloto só deu um recado para os passageiros:

“Estamos passando por uma área de turbulência, fiquem com os cintos afivelados, vamos tentar passar essa camada e pousar”.

Ela ressaltou que a tentativa de perfurar a camada de turbulência estendeu-se por 1h30. “No aeroporto de Presidente Prudente, a chuva estava fraca, o aeroporto estava sem vento, mas, pra chegar nesse momento de descida, ele tinha que passar por essa tempestade”, relatou.

De acordo com a passageira, durante o “filme de terror”, ela só pedia para Deus dar força e discernimento ao piloto, para que ele conseguisse sair da situação em que estavam.

“Eu vi um pai debruçado em cima do filho, segurando o filho dele, e, de repente, o avião inteiro, todos os passageiros juntos começaram a orar. Essa oração deu força e um pouco de acalento a todos. Ficamos rezando sem parar durante essa 1h30", contou.

Rota virou um 'zigue-zague' para tentar contornar as condições meteorológicas
(Foto: Reprodução/Flightradar24)
Segundo a passageira, o piloto pediu desculpas e mudou a rota.

“Enfim, ele não conseguiu pousar em Presidente Prudente e decidiu alternar para São José do Rio Preto. Aí ele, o piloto, nos fez um comunicado falando que era uma tempestade muito severa, que ele tentou por inúmeras vezes perfurar aquela camada e não conseguiu. Pediu desculpas pela turbulência severa que passamos e que iríamos alternar para São José do Rio Preto”, disse.

A rota de São José do Rio Preto até o pouso foi calma, conforme a passageira, porém, todos ainda estavam muito assustados. “Os comissários e mais ninguém se levantou. Foram passando água de trás para frente até chegar nas primeiras poltronas, pelos próprios passageiros. O pouso em São José do Rio Preto foi à 0h57”, contou.

Uma senhora falou que foi a fé que segurou o avião e a oração que os passageiros fizeram juntos, contou ainda.

“Quando o avião pousou, todos os passageiros estavam sem força, mas foi uma alegria muito grande quando o avião pousou e a gente estava seguro no chão. Foi 1h30 de voo muito tenso, turbulência muito pesada”, afirmou ao g1.

Segundo a passageira, os funcionários não sabiam o que fazer, não havia preparo para a situação no aeroporto de São José do Rio Preto. Integrantes do Corpo de Bombeiros estiveram no local para prestar socorro aos que passaram mal.

“Alguns passageiros foram encaminhados diretamente para o hospital, muitas pessoas ficaram ali no chão respirando, tomando ar. A Azul não ofereceu água para nós em momento nenhum, eu estava com muita sede porque eu fiquei uma hora e meia rezando sem parar, minha boca estava seca. Eu pedi água e um segurança do aeroporto falou onde tinha um bebedouro”, declarou.

De acordo com a mulher, não tinha lanchonete aberta e a companhia Azul “não tinha nada pra oferecer”. “Os passageiros fizeram fila nesse bebedouro, todos traumatizados para tomarem água”, lembrou.

Então, foi citado pela companhia que um ônibus seria disponibilizado para o transporte rodoviário de São José do Rio Preto a Presidente Prudente.

Mais medo


Um pouco depois de pouso começou a chover muito forte em São José do Rio Preto. Um ônibus leito chegou ao aeroporto por volta das 2h20, já do domingo (24).

“Como estava chovendo muito forte e a gente estava com medo da chuva, ia pegar muita chuva na estrada e a estrada não é boa, muitos passageiros pediam para não embarcar nesse ônibus por conta da chuva, por estar à noite, e pediram para ser acomodados num hotel para os funcionários da Azul para no dia seguinte decidir como viriam pra Prudente”, contou ao g1.

A companhia, segundo a passageira, disse que a única opção do momento era o ônibus, pois não tinha hotel disponível para todos.

Segundo a mulher, uma passageira que estava com criança, alterada, pedia a todos que não aceitassem. “Porque o risco que a gente correu no voo a gente podia sofrer no ônibus também, que a gente estava se colocando em risco entrando naquele ônibus”, falou.

Os passageiros pegaram a alternativa rodoviária, entraram no ônibus e receberam um voucher da Azul de R$ 200 para compras na empresa. “Eu até falei para eles que esses R$ 200 não pagam o sofrimento que eu tive e a angústia, e a sensação de morte que eu tive, que eu realmente achei que esse avião ia cair”, salientou.

A viagem de ônibus começou por volta das 2h20. Os passageiros chegaram às 6h30 ao Aeroporto Estadual de Presidente Prudente. A mulher relatou que o motorista foi bem devagar porque estava forte a chuva.

A viagem, que começou com a decolagem do avião às 22h17 do sábado (23), em Campinas, só terminou às 6h30 do domingo (24), em Presidente Prudente.

“E eu me pergunto: até quanto vale o destino final, a vida das pessoas?", questionou a passageira.

Ela afirmou que ainda está "em choque" sem entender as decisões que foram tomadas durante o voo. Além disso, salientou que sua família "está muito assustada".

“A Azul não deu assessoria nem pra nossa família, que estava sem notícia e desesperada no aeroporto esperando a gente”, disse a mulher.

Ela afirmou que foram os próprios passageiros que em determinado momento avisaram aos familiares sobre a situação pela qual passavam e que não pousariam em Presidente Prudente.

‘Despencava e voltava’


A designer de interiores Caroline Langhi Martins de Lima, de 30 anos, também passageira do mesmo voo, contou que depois de meia hora da decolagem começou a turbulência e a aeromoça que recolhia os copos bateu a cabeça e caiu no chão. Passageiros a ajudaram a se acomodar numa poltrona vazia.

“A partir desse momento, a gente passou por muitas e muitas turbulências, a gente não teve sossego, eu até perdi a noção do tempo que a gente ficou passando por isso”, destacou ao g1.

Segundo Caroline, “o avião despencava e voltava, despencava e voltava, a gente sentia que o avião acelerava muito em alguns momentos, subia e descia, às vezes desligava tudo e ficava em silêncio, aí caía de novo”.

“Foi muito, muito, muito desesperador, foi uma sensação de morte absoluta, foi uma coisa horrível, todo mundo gritando de desespero”, declarou.

A designer afirmou que não tem palavras para descrever a situação e disse que não houve comunicação da cabine com os passageiros. Depois de muito tempo, o comandante falou com os passageiros sobre as várias tentativas e que desviaria a rota para o pouso em São José do Rio Preto, segundo ela.

Caroline também citou que percebeu que o piloto tentava passar pela situação, mas as condições meteorológicas não permitiam.

Durante o trajeto, ela conseguiu mandar mensagem para o marido avisando a situação e ele relatou o fato aos demais que esperavam pelo voo, que estavam sem notícias, em solo.

“Quando nós pousamos, finalmente, em Rio Preto, depois de todo o pesadelo e filme de terror, todo mundo desabou, estava em choque, muita gente passando mal. Quando a gente estava fazendo as orações, a gente escutava as crianças também. Foi muito desesperador. Realmente foi um milagre a gente ter sobrevivido, foi um milagre esse avião não ter caído. É porque não era nossa hora”, declarou

“Só quem passou por isso sabe, sente; quando a gente fecha os olhos, revive tudo”, disse, ainda.

Quando chegaram, os passageiros queriam descansar da tensão, mas, de acordo com Caroline, foram “obrigados” a embarcar no ônibus para seguirem ao destino final, “com sede, com fome, e sem assistência”.

“A gente se sentiu maltratado. Ninguém se preocupou com o que a gente estava passando psicologicamente naquele momento e dar algum tipo de assistência”, afirmou ao g1.

Caroline também disse que a companhia fez um comunicado no qual "parecia" que os passageiros se sentiram inseguros para prosseguir com o voo e, por isso, tomaram outra rota. "Mas isso é uma mentira. Até porque como iríamos comunicar nossa 'insegurança' ao comandante?", questionou.

“Nossas vidas foram colocadas em risco desnecessariamente, já que era nítido que não seria possível aterrissar naquelas condições climáticas. Todos estamos traumatizados pelo acontecimento”, finalizou a passageira.

O que diz a Azul


O g1 solicitou nesta segunda-feira (25) um posicionamento à Azul Linhas Aéreas sobre o assunto e sobre os relatos apresentados pelas passageiras ouvidas pela reportagem, mas ainda não obteve resposta.

No domingo (24), a companhia divulgou a seguinte nota oficial:

“Em relação ao voo AD5069, que fazia hoje (24) o trajeto entre Campinas e Presidente Prudente, a Azul informa que o mesmo teve sua rota alternada para o aeroporto de São José do Rio Preto devido às condições climáticas no aeroporto de destino. Durante o trajeto, houve uma forte turbulência e alguns Clientes e Tripulantes não se sentiram bem. O pouso e o desembarque aconteceram normalmente e os Clientes e Tripulantes que desembarcaram em São José do Rio Preto receberam todo o atendimento necessário da equipe local da Azul, sendo reacomodados via terrestre até Presidente Prudente”.

O que é uma turbulência?


De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), uma turbulência "é o movimento irregular do fluxo de ar que pode acarretar agitações ascendentes e descendentes sobre uma aeronave em voo".

Em outras palavras, a turbulência na aviação acontece quando a aeronave "balança" ao passar por uma zona em que o fluxo do ar é menos estável.

Turbulências são classificadas na Anac como leves, moderadas, severas ou extremas. Na imensa maioria dos casos, esses fenômenos são leves e moderados e não causam maiores problemas.

Na turbulência severa, o avião sobe e desce com maior velocidade. A situação exige mais destreza do piloto porque pode haver uma perda momentânea do controle da aeronave e há possibilidade de danos à estrutura do avião. Ainda assim, os pilotos são treinados para esse tipo de situação.

É para evitar esse tipo de turbulência que os pilotos ficam de olho em áreas onde há tempestades ou outros fenômenos atmosféricos. Ainda assim, há as turbulências de céu claro — ou seja, aquelas que não são tão previsíveis.

Seja qual for a intensidade da turbulência, o maior risco é que uma pessoa dentro do avião fique ferida com a abrupta movimentação da aeronave. Por isso, é MUITO importante que os passageiros fiquem com os cintos afivelados sempre que sentados e que respeitem a sinalização.

Via g1 Presidente Prudente

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