domingo, 10 de janeiro de 2010

Fracasso das agências de inteligência dos EUA em impedir embarque de nigeriano demonstra vulnerabilidade a atentado

Analistas reconhecem perigo da Al-Qaeda e aconselham prevenção compartilhada

Um homem é retirado do voo após gritar ameaças contra os judeus, outro paralisa um aeroporto ao invadir uma área restrita para beijar a namorada, um terceiro se torna suspeito ao não permitir que sua bagagem de mão fosse revistada. Oito anos depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, os norte-americanos voltam a enfrentar o medo de serem alvos de extremistas islâmicos. O temor foi potencializado pela recente tentativa de explosão do voo 253 da Northwest Airlines e pelo pronunciamento do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, na noite de quinta-feira. “Como presidente, eu tenho a solene responsabilidade de proteger nossa nação e nosso povo e, quando o sistema falha, é minha a responsabilidade”, admitiu o mandatário.

A falha à qual Obama se referiu ocorreu no setor de inteligência, uma área considerada nevrálgica para a segurança interna. A incapacidade de o governo vislumbrar uma ameaça terrorista permitiu que o nigeriano Umar Farouk Abdulmutallab acionasse os explosivos dentro do avião que fazia a rota Amsterdã-Detroit. Mas o serviço secreto dos EUA também incorreu em uma série de erros que levaram à destruição das torres gêmeas do World Trade Center e de parte do Pentágono.

“Não há dúvidas de que os Estados Unidos fracassaram em agir em relação a Abdulmultallab. Mas eu acharia ainda mais problemático se as autoridades não tivessem qualquer informação sobre o terrorista”, afirmou ao Correio, por e-mail, o norte-americano Edward Alden, especialista do Council on Foreign Relations — com sede em Washington — e autor de The closing of the american border (O fechamento da fronteira americana). De acordo com ele, o maior medo é que um atentado ocorra sem qualquer tipo de alerta. “No caso de Abdulmutallab, tivemos muitos sinais de que algo estava para ocorrer”, disse. Alden acredita que o desafio para os EUA é continuar a aprimorar suas capacidades, para agir mediante as informações e deter potenciais extremistas, antes que tenham sucesso.

Alden desqualifica o uso do termo “paranoia”. Na opinião dele, a ameaça do terrorismo claramente existe. “A rede Al-Qaeda pretende golpear os Estados Unidos e matar civis norte-americanos e de outros países”, reconhece. Ele considera problemático o fato de a ação de Abdulmutallab ter remetido ao atentado fracassado do britânico Richard Reid, que ganhou a alcunha de “homem do sapato-bomba”. Em 22 de dezembro de 2001, ele quase detonou os explosivos escondidos no calçado, no voo 63 da American Airlines entre Paris e Miami. “Os EUA e outras nações têm feito um esforço imenso para tentar prevenir justamente esse tipo de ataque”, observa.

Ameaça global

Por sua vez, o britânico MJ Gohel, especialista em terrorismo pela Asia Pacific Foundation (em Londres), admite o caráter transnacional do perigo apresentado pela Al-Qaeda e por grupos islâmicos afiliados. No entanto, não põe em xeque a capacidade de resposta das autoridades norte-americanas à ameaça. “Os serviços de inteligência e de segurança dos EUA estão totalmente preparados e têm sido muito eficientes na prevenção de ataques terroristas. Eles possuem uma compreensão muito boa sobre a Al-Qaeda e o movimento da jihad (guerra santa) global”, comentou.

Exatamente por isso, Gohel recebeu com perplexidade o primeiro discurso de Obama após o incidente — o presidente qualificou o ato como isolado. “Esse foi um complô altamente sofisticado, para perpetrar uma grande atrocidade sobre o solo dos EUA”, alertou. O analista da AP Foundation sustenta que nenhum país é capaz de garantir um nível de 100% de segurança. Em parte, por culpa da democracia. “Infelizmente, essas nações são abertas e tolerantes. Elas se abrem para ataques de elementos que utilizam de uma liberdade excessiva para destruir”, concluiu.

De acordo com ele, todos os países mantêm uma teia eficiente de dependência no compartilhamento de informações e de inteligência. “No caso da tentativa de atentado contra o voo da Northwest Airlines, os serviços de inteligência dos EUA dependiam dos serviços de segurança do aeroporto de Amsterdã para assegurar que todos os passageiros haviam sido monitorados”, explica Gohel. Por sua vez, Amsterdã dependia do aeroporto de Lagos (Nigéria). “Outro problema é que muitos aeroportos transferiram a responsabilidade da vigilância para empresas privadas. Na busca do lucro, essas companhias tendem a contratar funcionários mais baratos e nem sempre bem treinado”, acrescenta Gohel, que se opõe à terceirização desse tipo de serviço.

Falhas letais

Como a incapacidade da inteligência norte-americana de entender ameaças provocou o maior atentado da história e quase permitiu nova tragédia

11 de setembro de 2001

Movimentação financeira

Os 19 terroristas que explodiram as torres gêmeas do World Trade Center e parte do Pentágono gastaram cerca de US$ 270 mil nos Estados Unidos para a obtenção de passaportes e vistos, entre outras providências. Usaram bancos diferentes e abriram contas no próprio nome. As autoridades não desconfiaram de nada

Os serviços de inteligência sabiam que, entre 8 e 9 de setembro, o egípcio Mohammed Atta sacou, em um banco da Flórida, dinheiro depositado por um representante de Osama bin Laden nos Emirados Árabes Unidos. Atta devolveu o dinheiro não usado à mesma conta nos Emirados. Ninguém suspeitou dele

Aulas de pilotagem

Os extremistas Mohammed Atta, Khalid Al-Mihdhar, Nawaf Al-Hazmi, Waleed Al-Shehri, Wail Al-Shehri, Abdulaziz Alomari, Marwan Al-Shehhi e Ziad Samir Jarrah receberam instruções de voo dentro dos Estados Unidos. Foram os responsáveis por pilotar os quatro aviões sequestrados

Documentos forjados

Os conspiradores usaram identidades falsas para dificultar o rastreamento das autoridades. As agências de segurança também confundiram os nomes de suspeitos, por falta de domínio do idioma árabe

Aeroportos

Os terroristas conseguiram burlar a segurança dos aeroportos de Boston, Washington e Newark e entraram nos aviões com facas e estiletes

25 de dezembro de 2009

Denúncia na embaixada

O pai de Oumar Farouk Abdulmutallab procurou funcionários da Embaixada dos EUA, em Abuja (Nigéria), em 18 de novembro passado. Alegou que o filho recebia influências de extremistas e que ele pretendia viajar ao Iêmen. As autoridades não perceberam uma ameaça

Visto

Mesmo constando da lista de possíveis suspeitos de terrorismo, os EUA emitiram visto em nome de Abdulmutallab

Embarque em Amsterdã

As autoridades norte-americanas tinham informações suficientes sobre Abdulmutallab, inclusive o fato de ele ser um provável terrorista da organização Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP). Ainda assim, o nigeriano conseguiu embarcar no voo 253 da Northwest Airlines, em Amsterdã

Erro de inteligência

Os EUA tinham informações fragmentadas sobre Abdulmutallab, entre meados de outubro e fim de dezembro de 2009. As agências de inteligência sabiam que a AQAP preparava ataques iminentes contra americanos e interesses americanos no Iêmen. Mas falhou em ligar os pontos

Fonte: Rodrigo Craveiro (Correio Braziliense)

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