sexta-feira, 12 de junho de 2009

Indenização é tema tabu para as famílias em casos de acidentes aéreos

Discutir o assunto indenização costuma ser constrangedor para os familiares de vítimas de acidentes aéreos. Um sentimento que pode ser resumido pela fala de Maria Estela Otor Teixeira, dona de casa e mãe de Douglas Henrique, morto na queda do avião da TAM em Congonhas, em 2007: "Meu filho não estava à venda. É uma coisa extremamente desagradável esse negócio de indenização. A gente está em busca de verdade, para que se tenha mais segurança em voo."

Quando ocorrem acidentes que comovem o público, como é o caso da queda do voo 447 da Air France, no dia 31 de maio, há quem, inclusive, não queira receber nenhuma indenização.

Essa ideia é combatida pelas associações de vítimas por dois motivos: um de ordem prática, porque a morte implica perdas econômicas imediatas e futuras; outro, de ordem política: a indenização teria o efeito de penalizar instituições e empresas economicamente e forçá-las a buscar mais segurança.

"As empresas precisam sentir arduamente", diz Angelita de Marchi, que perdeu o marido, Plínio Luiz de Ciqueira Júnior, no voo 1907 da Gol e tornou-se uma das lideranças entre as famílias de vítimas do acidente ocorrido em 29 de setembro de 2006. "Infelizmente, hoje em dia é mais barato pagar a indenização do que manter um avião parado quando há um problema em alguma peça", diz a presidente da Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo 1907.

"Até porque não tem dinheiro que pague uma vida, sobre esse tema a gente não gosta de falar", resume o engenheiro Archelau Xavier, pai de Paula Masseran, de 23 anos, que morreu no mesmo acidente que Douglas Henrique.

Xavier, que é vice-presidente da associação de vítimas do acidente do voo 3054, afirma, por outro lado, que, num acidente dessas proporções, morrem muitas pessoas que são responsáveis pelas despesas da casa. "No dia seguinte, têm pessoas lá que já estão preocupadas com o que vão de alimento para os filhos."

Para as questões mais urgentes, de acordo com as convenções internacionais, há uma espécie de seguro obrigatório, que deve ser liberado de forma mais rápida. O valor para dele, para casos de morte, é de cerca de US$ 140 mil por passageiro, em caso de voos internacionais.

Normalmente o pagamento desse seguro começa semanas após a emissão do atestado de óbito - o que pode atrasar no caso do voo AF 447, para os passageiros cujos corpos não forem achados ou identificados. O voo da Air France, que saiu do Rio de Janeiro, seguia para Paris com 228 pessoas a bordo - 216 passageiros e 12 tripulantes - quando caiu no meio do Oceano Atlântico, no dia 31 de maio.

Em alguns casos, porém, o pagamento desse seguro pode atrasar também caso haja problemas para a identificação do beneficiário - por exemplo, se a pessoa tiver filhos com mais de uma relação.

Para além deste seguro, as famílias têm direito a indenizações por danos morais e patrimoniais que costumam envolver valores maiores.

O maior acidente aéreo no país antes da queda do AF 447, o acidente do voo TAM 3054 em Congonhas, em julho de 2007, em que morreram 199 pessoas, tem resultado em acordos de indenizações por danos morais e patrimoniais de pouco mais de US$ 1 milhão, em média, segundo apurou o UOL Notícias.

Há, no entanto, casos com valores bem maiores, de até US$ 6,5 milhões. Como são negociados em segredo de Justiça, é impossível chegar a dados exatos e saber quem recebeu que quantia. As famílias também, como regra, não divulgam os valores, como forma de preservar a privacidade e a segurança.

O cálculo para se chegar a esses valores envolve não apenas a perda imediata do parente, mas também a perda futura que a morte representa. Assim, as contas expressam fatores como renda mensal do passageiro, idade e expectativa de vida, número de dependentes (filhos e cônjuge, por exemplo) e mesmo de ascendentes vivos - pai e mãe. Por isso, as comparações têm de ser sempre aproximadas.

Demora

A questão da indenização é, além de um tabu, um problema complexo, que algumas das famílias têm de enfrentar mais rapidamente do que gostariam. Mas a solução final dos casos pode levar anos.

Segundo Sandra Assali, presidente da Associação Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes Aéreos, os últimos casos pendentes do acidente do Fokker 100 de 1996 foram encerrados, pela Justiça, no final do ano passado. A Gol informa que fechou acordos com parentes de 111 passageiros do voo de 2006. A TAM, por sua vez, diz que, do voo 3054, de 2007, foram fechados acordos relativos a 178 vítimas.

Comumente, as indenizações de vítimas de acidentes aéreos se resolvem por meio de negociações entre as famílias e as empresas que garantem os seguros contratados pelas companhias aéreas. Não é propriamente a companhia aérea que indeniza os passageiros, mas uma grande companhia de seguros internacional especializada em garantir os seguros das empresas do setor.

O alto número de acordos relativos ao voo da TAM é resultado, também, da criação pelo Ministério da Justiça de uma Câmara de Indenização após o acidente de 2007. De 60 famílias que procuraram a câmara, 58 chegaram a um acordo.

Um documento a que o UOL Notícias teve acesso indica que a câmara chegou a algumas regras gerais, mas flexíveis, que orientaram os acordos. Para os danos morais, por exemplo, ficou estabelecido um teto de 1.500 salários mínimos por vítima para o "núcleo central" (pais, filhos, cônjuges ou companheiros) e de 500 mínimos para o "núcleo colateral" (irmãos). Também ficou acertado que uniões homoafetivas, devidamente comprovadas, seriam indenizadas.

"As famílias estão fragilizadas com a perda de uma pessoa muito querida, muito amada. Então elas vão conversar sobre indenização com pessoas que são altamente experientes, que são pessoas da seguradora", diz Archelau Xavier. "A seguradora tem profissionais fantásticos, que têm de usar todas essa capacidade e competência para baixar o custo."

Ou seja, as discussões sobre as indenizações começam antes que outro ciclo, o das investigações sobre as causas dos acidentes, se encerrem. Assali, que perdeu o marido, o médico José Rahal Abu Assali, em 1996, afirma que as famílias devem evitar fechar acordos muito rapidamente não apenas para por conta da questão emocional, mas também porque novos fatos podem surgir durantes as investigações.

"No caso do Concorde, durante as investigações, descobriu-se que uma parte de um outro avião, um DC-10 da empresa norte-americana Delta Airlines, havia caído na pista", lembra Assali. O relatório final da investigação, que ficou pronto em 2002, apontou a peça como a principal responsável pelo acidente que levou à queda do avião supersônico em Paris, em julho de 2000. Esse fato permitiu que as famílias das vítimas acionassem não apenas a Air France, que operava o Concorde, mas também a Delta.

País da ação

No caso do voo 3054 da TAM, vários acordos foram assinados envolvendo também a Justiça dos EUA, porque a fabricante da turbina e a responsável pela manutenção do avião tinham sede nos Estados Unidos.

Ações na Justiça norte-americana podem ocorrer no caso do voo 447 Air France, especialmente se confirmada a tese de que uma falha no tubo de pitot (sensor externo que mede a velocidade da aeronave) tenha sido um fator para a queda da aeronave, pois a peça do Airbus A340 é fabricada nos Estados Unidos.

Nesta terça-feira, o Ministério Público Estadual do Rio instaurou um inquérito para que a Air France e TAM criem um cronograma para a troca dos sensores de velocidades de suas aeronaves.

Se o acidente aéreo chegar à Justiça norte-americana, as indenizações, no entanto, podem ser até 50% maiores do que as adotadas no Brasil e na França. Mas isso também varia de acordo com o Estado em que corre a ação.

No entanto, o fato de o sensor de velocidade ser fabricado nos EUA pode não ser considerado suficiente. No caso da queda do Boeing da Gol, após o choque com um jato Legacy, da Embraer, a Justiça de Nova York decidiu que o caso devia ser analisado pela Justiça brasileira.

No acidente do voo da TAM de 2007, havia quatro grandes empresas do setor envolvidas mais diretamente: além da companhia aérea, também foram alvo direto de processos a própria Airbus, a Goodrich Corp., fabricante do sistema de freios, e a International Aero Engines, fabricante da turbina.

Para o advogado Luiz Roberto de Arruda Sampaio, especialista em casos envolvendo acidentes aéreos, as prováveis indenizações às famílias das vítimas do voo AF 447 devem ser semelhantes se os acordos ou decisões judiciais ocorrerem no Brasil ou na França, envolvendo brasileiros ou pessoas de outras nacionalidades.

No maior acordo envolvendo vítimas do Concorde, famílias de 92 mortos receberam, no conjunto, por volta de 120 milhões de euros - o que dá, aproximadamente, US$ 1,83 milhão por vítima.

Para Arruda Sampaio, esses valores indicam que Brasil e França indenizam os danos de forma próxima. Entre os casos em que o advogado atuou, encontram-se os dois grandes acidentes da TAM e o da Gol.

Embora os números do voo do Concorde sejam superiores, isso decorre, acredita Arruda Sampaio, de perfis de passageiros diferentes: o voo da TAM, no meio das férias, tinha mais crianças e adolescentes, o que tende a reduzir as indenizações por danos patrimoniais; no sentido inverso, os passageiros do Concorde, um voo supersônico normalmente utilizado por executivos, com passagens mais caras que a média praticada pela aviação comercial, tenderiam a ter rendimentos maiores.

Fonte: UOL Notícia

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