Morte de autor de 'O pequeno príncipe' é mistério desde a 2ª Guerra Mundial.
A primeira pista surgiu em setembro de 1998. O mergulhador Luc Vanrell segura uma foto de um modelo de avião igual ao que Antoine de Saint-Exupery pilotava Depois do desaparecimento de Amelia Earhart, a morte de Antoine de Saint-Exupery durante uma missão de reconhecimento na 2ª Guerra Mundial permaneceu por muito tempo na lista dos grandes mistérios da aviação. Agora, graças à persistência e sorte de dois arqueólogos amadores, as últimas peças do quebra-cabeça parecem finalmente se encaixar.
A história originada do desaparecimento de Saint-Exupery, aviador francês, escritor e refugiado de Vichy (França), revelou-se repleta de diversas narrativas, dotada de uma complexidade que provavelmente teria agradado o autor de tantos livros de aventuras sobre aviação e da encantadora obra "O pequeno príncipe", sobre um pequeno viajante interestelar, além de profunda manifestação de princípios.
Em 31 de julho de 1944, Saint-Exupery decolou da ilha de Córsega a bordo do caça Lockheed Lightning P-38 para um vôo de reconhecimento. Ele foi um dos inúmeros pilotos franceses que colaboraram com os esforços de guerra norte-americanos. Saint-Exupery nunca retornou. Com o passar dos anos, surgiram diversas teorias para explicar o que teria acontecido, como a de que ele havia sido derrubado, perdido controle do avião e até de que havia cometido suicídio.
A primeira pista surgiu em setembro de 1998, quando pescadores próximos a essa cidade portuária do Mediterrâneo, ao puxar as redes, fisgaram também uma pulseira prateada. O objeto tinha gravado o nome de Saint-Exupery e de sua editora de Nova York. Outras buscas realizadas por mergulhadores recuperaram destroços totalmente danificados do avião do escritor, embora o corpo do piloto jamais tenha sido encontrado.
"Eu tinha acabado de assistir ao filme 'Titanic' e depois de alguns goles de licor, comecei a pensar: 'Vamos fazer um filme e ficar ricos'", afirmou Jean-Claude Bianco, 63, que estava a bordo do barco de pesca quando a pulseira foi encontrada.
O filme não chegou a ser produzido, mas as notícias sobre a pulseira levaram Luc Vanrell, 48, instrutor de mergulho e arqueólogo marítimo, a investigar mais de perto alguns destroços marinhos que ele havia observado anos atrás, enterrados na areia a 52 metros de profundidade perto dos destroços do avião de Saint-Exupery. Verificou-se que um número de série do motor e um símbolo da Skoda, empresa tcheca que foi obrigada a se tornar fornecedora dos alemães, era de um motor de avião Daimler-Benz V-12.
Em 2005, superados os atrasos e as burocracias, Vanrell e outro mergulhador, Lino von Gartzen, içaram o motor e o enviaram para Monique para que fosse analisado por especialistas alemães. Pela análise, concluiu-se que o motor fazia parte de um lote produzido no início de 1941 – a vela de ignição mais antiga era de março de 1941. Foi modificado em 1943 com a instalação de uma bomba de injeção de combustível da Bosch.
Os pesquisadores deduziram que ele havia equipado um avião de caça Messerschmitt, parte de uma unidade de treinamento baseada no sul da França de 1942 a 1944. Havia sido pilotado pelo príncipe Alexis von Bentheim und Steinfurt, de 22 anos, que foi derrubado por aviões norte-americanos no final de 1943, em seu primeiro e último vôo solo. A lenda poderia ter acabado nesse ponto, com a morte do príncipe e do autor de Pequeno Príncipe. Mas Von Gartzen não se deu por satisfeito. Consultando arquivos e obtendo ajuda da equipe da Jaegerblatt, revista de veteranos da Luftwaffe, ele conseguiu levantar as listas de veteranos que haviam pilotado na unidade de Von Bentheim, a Jagdgruppe 200. Entrou em contato com centenas de ex-pilotos, a maioria hoje com seus 80 e tantos anos; outras centenas de pilotos já haviam morrido.
Então, em julho de 2006, ele ligou para um ex-piloto em Wiesbaden, Horst Rippert, explicando que procurava informações sobre Saint-Exupery. Sem hesitar, Rippert respondeu, "Pode parar de procurar. Eu derrubei Saint-Exupery."
Rippert, que completará 86 anos em maio, trabalhava como repórter esportivo de televisão depois da guerra. Somente dias depois de ele ter derrubado um P-38 com cores francesas próximo a Marselha ele veio a saber do desaparecimento de Saint-Exupery.
Estava convencido de que o havia derrubado, embora só tenha confiado sua certeza a um diário. Em 2003, sua suspeita foi confirmada quando soube que o avião de Saint-Exupery havia sido localizado. Mas ainda assim, não declarou nada publicamente.
Ao longo dos anos, a idéia de que ele teria matado Saint-Exupery perturbou Rippert. Quando jovem, na década de 1930, tinha idolatria pelo aviador e, posteriormente, escritor e havia devorado todos os seus livros, começando por "Correio do Sul", de 1929, uma história de aventuras escrita quando Saint-Exupery percorreu a rota de Casablanca a Dakar.
Quando a identidade de Rippert finalmente veio a público em março, a avalanche de pedidos de entrevista e tentativas de contatá-lo foi tão imensa que ele decidiu se recolher. "Esses últimos dias têm sido terríveis, com telefone e campainha tocando dia e noite", declarou a esposa, por telefone, antes de desligar.
Faltam provas que corroborem a versão de Rippert, já que os documentos, como registros de vôos, foram destruídos na guerra. Mas Rippert descreveu detalhadamente para Von Gartzen como, no verão de 1944, o radar alemão alertou seu esquadrão de combate em Marignane, perto de Marselha, sobre um grupo de aviões aliados de reconhecimento sobrevoando o Mediterrâneo. Rippert, na época com 22 anos, localizou um P-38 com cores francesas e o derrubou.
Ele descreveu as acrobacias aéreas estranhas e hábeis de Saint-Exupery, que na época tinha 44 anos, estava acima do peso e sentia dores devido às fraturas sofridas em tantos acidentes aéreos. Dias depois, quando a rádio alemã interceptou repórteres americanos sobre uma busca de Saint-Exupery, ele suspeitou que tivesse matado seu ídolo. Quando Rippert lhe contou de quando soube que Saint-Exupery estava desaparecido, "ele tinha lágrimas nos olhos", disse Von Gartzen.
A ausência de provas, além das circunstâncias, fizeram com que algumas pessoas demonstrassem descrença sobre o relato, e uma delas é Von Gartzen. "Isso extrapola os princípios normais da probabilidade", disse ele, acrescentando: "Contudo, não deixa de ser uma hipótese bem fundamentada."
Em Paris, o sobrinho-neto de Saint-Exupéry, Olivier d'Agay, porta-voz da família, disse que a versão de Rippert sobre os eventos é plausível. "Tudo que ele disse foi que atingiu e derrubou um P-38 naquela região no dia 31 de julho. Ele nunca disse que derrubou Saint-Exupery", declarou d'Agay. "Claro que ele se perguntou se isso era verdade, embora tenha mantido a dúvida para si mesmo."
"Rippert disse que muitas vezes se sentia desesperado", disse ele. "Se ele soubesse o que estava fazendo, jamais teria continuado."
Fontes: G1 / New York Times - Foto: Nigel Dickinson (NYT)