Para que serve um drone? Ele é mais ou menos como a esponja metálica de mil e uma utilidades. É usado no agronegócio, para entregar pizza ou remédios, para limpar os vidros externos de prédios e também para fazer a guerra.
O drone, veículo não tripulado e operado por controle remoto, é a mais recente incorporação às invenções da indústria bélica, que há 70 anos deu os caças a jato e que no Vietnã popularizou o helicóptero como meio de transporte da infantaria.
A ideia frequente é a de que um operador de drone militar, por permanecer distante do inimigo e não se expor ao seu alcance de tiro, é um profissional frio que não se envolve emocionalmente com aquele a quem ataca. Não é bem assim. Ao menos para Peter Lee, ex-capelão da RAF (força aérea britânica) e hoje professor de ética na Universidade de Portsmouth, no Reino Unido.
Ele publicou um livro em 2018 sobre o assunto e, bem depois, participou de um podcast na instituição em que leciona. Sua tese é de que o operador de drone militar sofre uma barbaridade por matar um semelhante e enfrenta os mesmos problemas psicológicos e a mesma exaustão de um combatente que lança mísseis de um avião ou bombas, no campo de batalha, a partir de um veículo blindado.
Essa analogia traumática entre a guerra presencial e a guerra a distância não faz parte do enfoque predominante na recente história do drone, que é indevidamente considerado como uma "arma limpa" —porque a limpeza é um atributo de quem o opera, não de quem sofre seus efeitos.
Acontece que a tecnologia necessária para aumentar a eficácia bélica de um drone é a mesma que permite que seus operadores, por meio da alta definição da imagem nas telas dos computadores, tenham uma visão perfeita do estrago que estão provocando.
Em geral, diz Lee –e sua experiência é a da Royal Air Force–, os operadores trabalham em dupla. Há o piloto que tem o dedo no gatilho e que lida com os instrumentos de navegação que levam a pequena aeronave até seu alvo e há, ao lado dele, o navegador, que é quem, por exemplo, "transporta" por telecomando um míssil até o local, em terra, onde o inimigo está em seu veículo ou instalação militar.
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Lee deu assistência religiosa a equipes da RAF que faziam escalas num hospital do Chipre depois de trabalharem presencialmente em conflitos como o da Síria ou o do Iraque. Também conheceu operadores de drone que lutaram contra extremistas do Estado Islâmico e do Talibã no Afeganistão.
Foram estes últimos, com 25 de suas mulheres ou companheiras, que ele exaustivamente entrevistou. Disse que os sintomas de estresse são semelhantes aos de tripulantes embarcados em caças ou em blindados que enfrentam frontalmente o inimigo. Por exemplo, os cabelos se arrepiam com a visão de um homem com o corpo despedaçado e as lágrimas saem dos olhos em momentos de forte emoção.
Lee cita o exemplo de uma missão no Afeganistão, em que os dois tripulantes estavam a 4.500 quilômetros de distância e o drone estacionou no céu a 4.500 metros de seu alvo. O piloto era um rapaz e a navegadora, uma moça. Por quatro vezes o alvo, um terrorista, não pudera ser atingido por estar rodeado de civis.
Na quinta tentativa, a navegadora identificou uma criança pequena na garupa da bicicleta que o terrorista utilizava e não deixou o piloto atirar. Descumpriu uma ordem de tiro também dada por um supervisor. O terrorista chegou ao esconderijo e pegou no colo a criança que transportava na garupa. Naquele dia, escapou incólume. E os tripulantes que comandavam o drone respiraram aliviados por não terem matado o pequeno acompanhante do inimigo.
Tanto com um drone quanto com um voo tripulado prevalece, segundo Lee, a dimensão da tragédia humana na guerra. A euforia pelo combate e pela destruição física de um inimigo são estados patológicos ou de ficção. Quem atinge também sofre, embora o faça bem menos do que aquele que foi fisicamente ferido.
Outro engano frequentemente cometido é aquele que atribui ao drone, em comparação a um avião de combate, o estatuto de algo automático ou autônomo. Não é. Todo e qualquer movimento do drone é telecomandado, e seu operador é responsável, para o bem ou para o mal, por toda destruição que a pequena aeronave possa produzir.
Nesse tipo de guerra nada se assemelha à atividade lúdica de um videogame. É guerra com sangue, com morte e luto de órfãos e viúvas como qualquer outra guerra.
Finalmente Peter Lee acredita que as mortes provocadas por drones são objeto de um espalhafato por parte da mídia, o que não ocorre quando se mata maciçamente sem a alta tecnologia. O exemplo que ele cita é o do genocídio de Ruanda, em 1994. Morreram 850 mil pessoas, abatidas em sua maioria com armas brancas que deveriam ser usadas apenas como ferramentas agrícolas.
Via João Batista Natali (Folha de S.Paulo) - Fotos: Reprodução
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