domingo, 4 de setembro de 2022

Por dentro do Flightradar24, o site que segue todos os aviões no céu

Boeing C-40C que transportou Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, levanta voo do aeroporto de Taipei Songshan em 3 de agosto de 2022, um dia após o voo SPAR19 se ter tornado o voo mais rastreado de todos os tempos
Num dia normal, levantam voo e aterrissam mais de 200.000 aviões em todo o mundo. Este número inclui aviões comerciais, fretados e de carga - que representam cerca de metade do total -, assim como jatos comerciais, aeronaves privadas, helicópteros, ambulâncias aéreas, aeronaves governamentais e militares, drones, balões de ar quente e planadores.

A maioria está equipada com um transponder, um dispositivo que comunica a posição da aeronave e outros dados de voo ao controlador de tráfego aéreo, e esse sinal pode ser captado com recetores de baixo custo que têm por base uma tecnologia chamada ADS-B, sigla em inglês de Supervisão-Transmissão Dependente Automática. Resumidamente, é isto que fazem os sites de rastreio de voos, oferecendo aos utilizadores uma imagem em tempo real de tudo o que está no ar (com algumas exceções).

Um recetor ADS-B fabricado pela Flightradar24 (Foto: Cortesia da Flightradar24)
Atualmente, estes utilizadores vão muito para além dos entusiastas da aviação. Quando um avião da Força Aérea dos EUA que transportava a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, aterrou em Taiwan no início de agosto, mais de 700.000 pessoas testemunharam este acontecimento ao vivo, através do serviço de rastreio de voos Flightradar24.

O avião, uma versão militar do Boeing 737 denominada C-40, partiu de Kuala Lumpur, na Malásia, antes de iniciar uma trajetória sinuosa até Taiwan, de forma a evitar encontros com as forças armadas chinesas, acrescentando horas de voo. Isso fez com que não ficasse imediatamente óbvio qual seria o destino final, desencadeando conversas online à medida que o avião se dirigia lentamente para Norte em direção à ilha. Por isto, foi o voo mais rastreado de todos os tempos no Flightradar24, com 2,92 milhões de pessoas a seguir pelo menos uma parte da viagem de sete horas.

O site, que faz parte de um grupo de populares serviços de rastreio de voos, juntamente com o FlightAware e o Plane Finder, foi fundado na Suécia em 2006 “completamente por acidente”, diz o diretor de comunicações da FlightRadar24, Ian Petchenik, como uma forma de direcionar utilizadores para um serviço de comparação de preços de voos.

Obteve reconhecimento global pela primeira vez em 2010, quando a erupção de um vulcão islandês deixou em terra milhares de aviões e atraiu quatro milhões de visitantes. “Essa foi certamente a nossa primeira incursão em eventos internacionais, e a primeira vez que a exibição do tráfego aéreo ao público em tempo real foi capaz de influenciar aquilo que as pessoas estavam a pensar sobre as notícias do mundo”, diz Petchenik. “O número de visitantes que recebemos teria deitado abaixo o site, mas a nossa salvação foi que não havia nada para mostrar a não ser um buraco.”

Interesse em alta


Antes do voo de Pelosi, o recorde do voo mais rastreado no Flightradar24 pertencia à viagem do líder da oposição russa Alexei Navalny de regresso à Rússia, onde deveria ser detido. O voo de janeiro de 2021 foi rastreado por 550.000 pessoas, batendo um recorde anterior estabelecido em abril de 2020, quando quase 200.000 utilizadores observaram um Boeing 777 a desenhar os símbolos do crescente e da estrela presentes na bandeira nacional turca nos céus por cima de Ancara, para comemorar o 100.º aniversário da soberania da Turquia.

Antes disso, em setembro de 2017, milhares de pessoas observaram um corajoso Delta Boeing 737 a atravessar o furacão Irma para aterrar em Porto Rico e descolar 40 minutos depois para o aeroporto JFK, posicionando-se cuidadosamente nos intervalos entre os braços do furacão.

"Onde outros deram meia-volta, o Delta DL431 avança. #Irma", tweetou a Flightradar24.


No entanto, fora dos grandes eventos, o número de pessoas que rastreiam voos está constantemente em ascensão. “Vemos muitas pessoas a usarem o site para rastrear um ente querido, para rastrearem o próprio voo ou para encontrarem o voo em que irão embarcar mais tarde nesse mesmo dia, para garantirem que o avião chega mesmo”, diz Petchenik.

“Outro cenário de utilização são as pessoas com um grande interesse em aviação, ou que gostam bastante de seguir certos tipos de aeronaves. Também podem ir ao aeroporto, abrir a aplicação e ver o que está a chegar. Depois temos pessoas que estão implicadas profissionalmente na indústria da aviação, porque possuem uma aeronave e alugaram-na, ou porque têm uma frota de aeronaves e querem mantê-las sobre controlo. Por fim, temos as pessoas que têm um interesse profissional em ter uma grande quantidade de dados de voos. Nestas incluem-se as companhias aéreas, aeroportos, fabricantes de aeronaves que estão a usar grandes conjuntos de dados para obter informações sobre a indústria.”

Como os dados são recolhidos


Para reunir os dados, a Flightradar24 construiu a sua própria rede de recetores ADS-B, que segundo os próprios é atualmente a maior do mundo com cerca de 34.000 unidades, cobrindo até áreas remotas como a Antártida.

A Flightradar24 tem recetores em todo o mundo, incluindo locais remotos como a Antártida
(Foto: Cortesia da Flightradar24)
Cerca de um quarto dos receptores foram construídos pela própria Flightradar24, mas a maioria são desenvolvidos por entusiastas que fornecem os dados de forma voluntária. Dado que construir um receptor é relativamente económico - os componentes custam, no total, cerca de 100 dólares - muita gente se tem inscrito desde que a Flightradar24 abriu a sua rede ao público em 2009.

É essencial existir uma grande variedade de recetores para rastrear voos a nível global, mas existe um problema óbvio com os oceanos, onde a rede se torna escassa. Então como se faz a cobertura em alto mar?

“Encontrando ilhas onde for possível e assegurando aí a colocação de um recetor”, diz Petchenik. “Mas, mais recentemente, voltámo-nos para os recetores ADS-B via satélite, para poder rastrear melhor as aeronaves sobre o oceano. No entanto, a fonte de dados mais predominante continua a ser a nossa própria rede terrestre.”

Ter uma quantidade de dados tão detalhados e localizados pode ser útil para obter uma visão inicial de situações de emergência e acidentes. “Nós armazenamos tudo o que entra nos nossos servidores e, se necessário, podemos voltar a um recetor específico e extrair os dados em bruto. Isso normalmente só acontece se houver um acidente ou se recebermos um pedido da parte de um prestador de serviços do setor da navegação aérea ou de uma agência de investigação de acidentes”, diz Petchenik.

Ocasionalmente, os dados podem revelar a causa de um acidente mesmo antes da investigação oficial. No caso do voo 9525 da Germanwings, que foi deliberadamente pilotado contra uma montanha pelo copiloto em 24 de março de 2015, os dados indicaram uma imagem muito clara. “Um dos parâmetros que surge no conjunto de dados mais completo, ao qual tivemos acesso no caso do voo da Germanwings, é algo chamado MCP ALT - esse é o manípulo que é acionado para dizer ao piloto automático da aeronave a que altitude voar. Ao olhar para os dados daquela aeronave, esse valor de altitude estava definido para zero.”

No entanto, nem todos os dados estão disponíveis para todas as aeronaves, isso depende do tipo de transponders e recetores envolvidos.

Os proprietários ou operadores de aeronaves também podem decidir impedir que os seus dados sejam exibidos publicamente, o que acontece mais frequentemente com aviões militares, governamentais ou privados. Por exemplo, eles podem inscrever-se num programa como o LADD, para “Limiting Aircraft Data Displayed” [Limitar Dados da Aeronave Expostos], que é mantido pela Administração Federal de Aviação. “Nós respeitamos essa lista”, diz Petchenik.

“Ela permite que os operadores vejam os seus dados serem exibidos de forma diferente, anónima ou, em alguns casos, não serem de todo exibidos. Do número total de aeronaves que rastreamos diariamente, cerca de 3% possuem algum tipo de ajuste na exibição dos dados.”

Via CNN Portugal

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