domingo, 22 de maio de 2022

Empresa aérea suspeita de prestar serviço a garimpo ilegal tem contrato com a Funai

'Comunidade indígena de Sikamabiú afirma que esta mesma empresa faz transporte logístico para os garimpos da região', diz relatório do MPF.

Vista de aldeia ianomâmi durante operação contra garimpo ilegal (Foto: Bruno Kelly/Reuters)
Fundada por um empresário acusado de ser dono de garimpos ilegais no Pará, a Piquiatuba Táxi Aéreo assinou contratos com o governo federal que, somados, chegam a R$ 16,1 milhões. Um deles foi firmado com a Funai para levar agentes e produtos como remédios a territórios indígenas. Mas, segundo o Ministério Público Federal, aviões da empresa também foram usados para transportar garimpeiros e alimentos a áreas de exploração ilegal na Amazônia.

A Funai contratou os serviços da Piquiatuba em julho do ano passado, por R$ 500 mil. Antes, a partir de 2019, a Secretaria Especial de Saúde Indígena firmou seis contratos com a mesma empresa, cinco com dispensa de licitação, justificada pela pandemia de Covid-19. O maior deles, de R$ 8,6 milhões, foi para atender aos ianomâmis, em Roraima, uma das etnias mais ameaçadas pelo garimpo ilegal.

Operação em 2020


O acordo com a Funai prevê o uso por até 100 horas de dois aviões para atender às demandas da Coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema, no norte do Pará. A frente é responsável por fiscalizar a mesma área onde fica o garimpo do Limão, cujo ouro, segundo o Ministério Público Federal, foi explorado ilegalmente pelo fundador da Piquiatuba, o empresário Armando Amâncio da Silva. Uma investigação apontou que aviões da empresa fizeram pelo menos 182 voos entre 2015 e 2018 à região.

Amâncio morreu em 2020 de câncer, dias depois de uma operação da Polícia Federal ter apreendido 44 quilos em barras de ouro em um cofre em sua casa, em Santarém. O ouro foi avaliado em quase R$ 15 milhões. De acordo com a PF, foi retirado da Reserva Biológica Maicuru.

As investigações apontaram que foi desta terra indígena no Pará que Amâncio extraiu a fortuna que o levou a se tornar empresário de aviação. Os filhos do empresário comandam a Piquiatuba atualmente.

O advogado Paulo Emílio Catta Preta, que defende os donos da empresa, nega que a Piquiatuba preste serviços a garimpeiros e reforçou que os aviões são utilizados exclusivamente para o transporte de pacientes e de servidores da Funai. Mas em uma investigação aberta pela própria fundação, em conjunto com o Exército, indígenas disseram ter reconhecido um aparelho da empresa de táxi aéreo como o mesmo que foi usado por garimpeiros em atividade nas regiões dos rios Mucajaí e Couto Magalhães, que atravessam o território ianomâmi em Roraima.

Sem pesquisa de sócios


Segundo relatório do caso, ao qual o GLOBO teve acesso, em agosto de 2019 um avião da Piquiatuba aterrissou na aldeia Sikamabiú, enquanto militares interrogavam mulheres da comunidade sobre o garimpo ilegal. “Pousou hoje, por volta de 10:00h um avião do tipo PT contratado da SESAI, para trazer e levar pessoal e material. Nos foi informado que esta empresa de transporte aéreo é nova (foi contratada recentemente) e a comunidade indígena de Sikamabiú afirma que esta mesma empresa faz transporte logístico para os garimpos da região. A aeronave foi identificada com o prefixo: PR-BAP, de cores branca e azul. O nome da empresa é Piquiatuba”, diz o relatório.

O Ministério da Justiça, pasta a qual a Funai é vinculada, afirmou que, antes da contratação da Piquiatuba, “foram consultadas todas as certidões públicas vinculadas à empresa”. Mas as buscas não incluíram pesquisa sobre os sócios, “o que inviabiliza a informação a respeito da investigação dos empresários”.

“Não compete ao órgão a realização de investigações criminais de empresários supostamente vinculados às empresas contratadas pela Administração Pública”, informou o ministério.

Com 17 aviões e lucro de R$ 1,2 milhão, a Piquiatuba transportou de março de 2019 a fevereiro deste ano insumos, servidores, pacientes e cargas perigosas a comunidades indígenas de Roraima, Amazonas e Amapá. O Ministério da Saúde informou que, no momento da assinatura do contrato, a Piquiatuba “cumpria todos os requisitos legais”.

Por Bruno Abbud (O Globo)

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