quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Aconteceu em 8 de setembro de 1994: Acidente com o voo 427 da USAir - Mergulho Fatal


O dia 8 de setembro de 1994 marcou a USAir como o seu pior momento. Nessa data, o voo 427, operado pelo Boeing 737-3B7, prefixo N513AU (foto abaixo), caiu minutos antes do pouso em Pittsburgh, na Pennsylvania (EUA). Aquele fim de tarde encerrava um claro e lindo dia de verão. 

A temperatura era amena. A visibilidade era ilimitada e os ventos sopravam calmamente. A tripulação técnica estava relaxada, a atmosfera a bordo era de total calma. Ouve-se até, em determinado momento na gravação da caixa-preta, o comandante bocejar. Um voo que seria pura rotina, até que subitamente, tudo mudou.

O Boeing 737-3B7, prefixo N513AU, da USAir, envolvido no acidente
O voo 427 da USAir era um voo regular do Aeroporto Internacional O'Hare, de Chicago, em Illinois, para o Aeroporto Internacional de Pittsburgh, na Pennsylvania, com destino final em West Palm Beach, na Flórida.

A tripulação de voo consistia no Capitão Peter Germano, 45, que foi contratado pela USAir em fevereiro de 1981, e no Primeiro Oficial Charles B. "Chuck" Emmett III, 38, que foi contratado em fevereiro de 1987 pela Piedmont Airlines (que se fundiu com a USAir em 1989) 

Ambos eram considerados excelentes pilotos e muito experientes: Germano registrou aproximadamente 12.000 horas de voo, incluindo 4.064 no Boeing 737, enquanto Emmett registrou 9.000 horas de voo, 3.644 no 737. 

Os comissários de bordo Stanley Canty e April Slater foram contratados em 1989 pela Piedmont Linhas aéreas. A comissária de bordo Sarah Slocum-Hamley foi contratada em outubro de 1988 pela USAir.

Vamos entrar a bordo da cabine de comando do Boeing no exato instante em que faltam dezoito minutos para o fim do voo 427. O primeiro-oficial está pilotando o Boeing 737, o comandante está ajudando na operação e cuidando do contato com o solo via rádio.

Comissária: Vocês querem beber alguma coisa?

Comandante: Ah, sim, eu poderia beber alguma coisa que ainda esteja aberta. Ou uma água ou um suco.

Primeiro-oficial: Ah, eu divido com ele o que tiver sim. Eu bebo o mesmo que ele.

Comissária: Querem que eu prepare meu coquetel frutado especial?

Comandante: Quão frutado ele é?

Comissária: Por que você não apenas experimenta?

Primeiro-oficial: Ok, eu serei a cobaia.

A porta se fecha enquanto a comissária volta para a galley para preparar seu coquetel. O voo 427 é instruído a reduzir sua velocidade para 210 nós e manter 10.000 pés de altitude. Em seguida, o voo é instruído a contatar a frequência de aproximação de Pittsburgh em 121.25.

Comandante: Ele disse 210?

Primeiro-oficial: 210? Eu entendi 250.

Comandante: Acho que me enganei então.

Centro de aproximação de Pittsburgh: USAir 427, curva à esquerda, proa 100.

Transmissão de rádio do comandante ao solo: Curva a esquerda proa 100, USAir 427.

A porta se abre: é a comissária que retorna com seu coquetel.

Comissária: Aqui está.

Comandante: Ok.

Primeiro-oficial: Ah, ótimo, obrigado, obrigado.

Comissária: Eu não provei, não sei se ficou bom ou não.

Comandante: Mmm, está ótimo.

Primeiro-oficial: Está mesmo ótimo.

Comissária: Então está ótimo.

Primeiro-oficial: É diferente. E ficaria ainda melhor se você colocasse um pouquinho de rum nele.

Comissária: Com certeza.

Centro de aproximação de Pittsburgh: USAir 427, proa 100, vetoração para ILS da pista 28 direita, velocidade 210.

Primeiro-oficial: Qual a velocidade?

Transmissão de rádio do comandante ao solo: Ok, estamos reduzindo para 210, proa 160, descendo para 10.000 pés, USAir 427.

Comandante: Que pista ele disse?

Primeiro-oficial: 28 Direita.

Comandante: (dirigindo-se à comissária) - Muito bom seu coquetel. Vai grapefruit nele?

Comissária: Não.

Primeiro-oficial: Framboesa?

Comissária: Você adivinhou pela cor.

Comandante: E o que mais?

Primeiro-oficial: Ahn, Sprite?

Comissária: Diet Sprite.

Primeiro-oficial: Ah!

Primeiro-oficial: Ficaria melhor se você fizesse com Sprite normal.

Comandante: Sim. E leva mais alguma coisa?

Comissária: Mais uma.

Primeiro-oficial: Suco de laranja?

Comissária: Adivinhou!

Primeiro-oficial: Ah!

Comissária: Suco de framboesa, Sprite e suco de laranja.

Primeiro-oficial: Muito bom.

Comissária: É diferente.

Comandante: Eu sempre misturo suco de laranja com framboesa. Eu gosto.

Comissária: Ok, de volta ao trabalho.

A comissária sai da cabine de comando. A porta se fecha e os pilotos retomam a concentração na operação da aeronave.

Primeiro-oficial: Eu acho que vamos pousar pelo lado direito.

Centro de aproximação de Pittsburgh: USAir 427, desça e mantenha 6.000 pés.

Transmissão de rádio do comandante ao solo: Descendo e mantendo 6 mil, USAir 427.

Primeiro-oficial: Minha mulher iria gostar muito desse coquetel.

Comandante: Suco de framboesa, Sprite e suco de laranja.

Primeiro-oficial: Ok, vamos iniciar o check?

Os dois pilotos iniciam os checks pré-pouso. O controle solicita uma curva à esquerda na proa 140, e redução de velocidade para 190 nós. O comandante aciona o flap e liga o sinal de "apertar cintos". Então ele se lembra que não fez seu "speech" final.

Comandante: Uh, ainda não dei tchauzinho para os passageiros.

Transmissão do comandante aos passageiros e comissários: Amigos, aqui é o comandante novamente. Nós devemos pousar em mais 10 minutos. Céus azuis, temperatura 75ºF (aprox. 24ºC). Ventos sopram de oeste com 10 milhas de intensidade. Nós apreciamos muito a escolha de vocês por voarem com a USAir e esperamos que o voo tenha sido agradável. Esperamos vê-los em breve em um de nossos voos. Agora gostaria de pedir aos nossos comissários que preparem a cabine para o pouso. E por favor, verifiquem se os cintos de segurança estão afivelados. Obrigado.


Transmissão de rádio do comandante ao solo: Controle, você autorizou a pista 28 esquerda para o USAir 427?

Centro de aproximação de Pittsburgh: USAir 427, pista 28 direita.

Transmissão de rádio do comandante ao solo: Vinte e oito direita, obrigado.

Primeiro-oficial: Vinte e oito direita, a que nós esperávamos. Já armei o auto-brake para o pouso.

Comandante: Descendo de sete para seis mil pés.

Primeiro-oficial: De sete para seis.

Comandante: Rapaz, eles (controle de aproximação de Pittsburgh) sempre retardam muito as chegadas por aqui, não?

Primeiro-oficial: Esse sol vai estar bem na nossa cara, como naquela decolagem de Cleveland, ontem. Eu vou fechar meus olhos. (Risos). Você grita quando estivermos perto do chão.

Comandante: Okay. (Risos)

Centro de aproximação de Pittsburgh: USAir 427, curva à esquerda proa 100. Você terá tráfego à duas horas, um Jetstream a seis milhas, no rumo norte, subindo de 3.300 pés para 5 mil pés.

Transmissão de rádio do comandante ao solo: Tráfego avistado, girando proa 100, USAir 427.

Primeiro-oficial: Ah, sim, estou avistando o Jetstream.

Os gravadores de cabine captam o som dos motores aumentando potência. O Boeing inicia uma curva suave, de 15 graus, girando dois graus por segundo. Porém, nesse exato momento, o voo 427 entra na esteira de turbulência gerada por um Boeing 727-200 da Delta Air Lines, que havia passado por aquela mesma posição 69 segundos antes. No segundo seguinte, o comandante solta um rápido palavrão. Um voo até então absolutamente normal começa a se transformar em tragédia.

Comandante: Merda!

Primeiro-oficial: O que?

A asa esquerda do Boeing afunda 18º abaixo da linha do horizonte em apenas 3 segundos. O primeiro-oficial aplica sobre o manche um comando contrariando esse afundamento de asa. Exatamente às 19h03:01, a asa esquerda estava a 30º abaixo da linha do horizonte. Nesse instante, o nariz do 737 começa a afundar. O Boeing inicia um giro rapidíssimo em seu eixo longitudinal. Numa questão de segundos, o Boeing vira de dorso, de barriga para cima e seu nariz afunda. São 19h03:07. A asa esquerda já está a 70º da vertical e o nariz a 20º abaixo do horizonte. O Boeing está a 1.200m de altura sobre o terreno quando estola.

Os microfones de cabine captam agora o som do alarme de piloto-automático sendo desligado pela ação do primeiro-oficial. Os sons de ambos os pilotos arfando e grunhindo pela surpresa e pelo esforço necessário para buscar equilíbrio também é captado. O jato já mergulha rumo ao solo, a uma velocidade de 300 milhas por hora e acelerando. Faltam nesse instante 16 segundos para o voo 427 encontrar seu destino final.

Comandante: Ôoooa! Se segura! Se segura!

Primeiro-oficial: Ah, merda!

Os microfones registram os alarmes de altitude soando e o som do stick-shaker, o dispositivo de proteção de estol entrando em ativação. A cabine do Boeing passa a ser um lugar infernal, com vários alarmes soando juntos ao mesmo tempo. Em segundos, o voo 427 passa da rotina ao pavor. Os dois pilotos na cabine de comando estão tão surpresos quanto assustados.

Comandante: Que diabos...

Primeiro-oficial: Oh.

Comandante: Oh, Deus, oh, Deus.

Centro de aproximação de Pittsburgh: USAir...

Transmissão de rádio do comandante ao solo: 427, emergência!

Primeiro-oficial: (gritos)

Comandante: Puxe!

Primeiro-oficial: Oh!

Comandante: Puxe! Puxe!

Primeiro-oficial: Deus!

Comandante: (gritos)

Primeiro-oficial: Nãoooo!

19h03m25s - Fim da gravação.

O Boeing bate num descampado na comunidade de Aliquippa, na Pennsylvania, num ângulo de 83º em relação ao horizonte, ou seja, praticamente na vertical. A velocidade no momento do impacto era de 299 milhas por hora.


No local em que o Boeing colidiu contra no solo, criou com sua inércia uma cratera de mais de 3 metros de profundidade, de onde milhares de pequenos fragmentos fumegantes seriam resgatados nos dias seguintes. A desintegração foi praticamente total, e um violento incêndio seguiu-se à queda, carbonizando as poucas partes ainda reconhecíveis da estrutura do jato.

As investigações subsequentes mostraram que o Boeing 737-300 estava configurado com flap 1; slats, reversores dos motores e trens de pouso estavam guardados, numa condição compatível com a fase de voo em que se encontrava. O Boeing, matrícula N513US, levava 127 passageiros, dois pilotos e três comissários. Todos os ocupantes tiveram morte instantânea.


O National Transportation Safety Board investigou o acidente. Pela primeira vez na história do NTSB, os investigadores foram obrigados a usar roupas de risco biológico de corpo inteiro enquanto inspecionavam o local do acidente. 

Como resultado da gravidade do impacto do acidente, os corpos dos passageiros e da tripulação foram gravemente fragmentados, levando os investigadores a declarar o local um risco biológico, exigindo 2.000 sacos para os 6.000 restos humanos recuperados.

A USAir teve dificuldade em determinar a lista de passageiros do voo 427, enfrentando confusão em relação a cinco ou seis passageiros. Vários funcionários do Departamento de Energia dos EUAtinha passagens para voos posteriores, mas as usou para voar no voo 427. Uma criança não tinha passagem. Entre as vítimas do acidente estava o neuroetologista Walter Heiligenberg.


Pelos três meses subsequentes à tragédia, nada foi divulgado. E o NTSB, National Transportation Safety Board, órgão responsável pela investigação de acidentes aeronáuticos, levaria ainda três longos anos estudando o acidente, para chegar à conclusão de que o desastre do voo USAir 427 "não teve sua causa definida". Foi a primeira vez, ao longo de décadas de investigações, que as causas de um desastre aéreo de grandes proporções foram oficialmente consideradas como "indefinidas."

A primeira hipótese teria sido o encontro com a esteira de turbulência de uma aeronave Boeing 727-200. Essa esteira teria desequilibrado o Boeing e provocado seu mergulho. No entanto, a aeronave mais próxima encontrava-se 4 e meia milhas distante, e voando 1.500 pés acima do voo 427. O NTSB trabalhou então com outra teoria: a de que o encontro com a esteira de turbulência gerada por outra aeronave teria sido exacerbado por um movimento abrupto do leme da aeronave. Esse movimento abrupto teria desestabilizado o Boeing, que então teria entrado no mergulho de onde não mais sairia.


Outra hipótese levantada seria a de uma falha de projeto do sistema de compensação no leme do Boeing, que teria inadvertidamente defletido a superfície, com tal severidade, que seria capaz de desestabilizar o jato. O Boeing, no entanto, estava a 2.000 metros de altura quando o controle foi perdido. O NTSB acredita que haveria altitude e tempo para uma correção. O porque dos pilotos não haverem conseguido restabelecer o controle do Boeing também permanece motivo de dúvida e especulação.

No momento do acidente, o voo 427 foi o segundo acidente mais mortal envolvendo um Boeing 737 (todas as séries). Em 2020, era classificado como o nono mais letal. Foi também o sétimo desastre de aviação mais mortal da história dos Estados Unidos e o mais mortal nos Estados Unidos envolvendo um 737. Em 2020, ele ocupava o décimo primeiro lugar. O acidente marcou a quinta queda da USAir no período de 1989 a 1994. A Comunidade da Pensilvânia gastou aproximadamente US$ 500.000 em recuperação e limpeza do local do acidente.


A FAA discordou do veredicto de causa provável do NTSB e Tom McSweeney, o diretor de certificação de aeronaves da FAA, emitiu uma declaração no mesmo dia em que foi emitido o relatório do NTSB que dizia: "Acreditamos, tanto quanto estudamos esta aeronave e este sistema de leme, que as ações que tomamos garantem um nível de segurança compatível com qualquer aeronave."

No entanto, a FAA mudou sua atitude depois que uma força-tarefa especial, o Conselho de Teste e Avaliação de Engenharia, relatou em julho de 2000 que havia detectado 46 falhas e congestionamentos potenciais no sistema de leme 737 que poderiam ter efeitos catastróficos. Em setembro de 2000, a FAA anunciou que queria que a Boeing redesenhasse o leme para todas as iterações do 737, afetando mais de 3.400 aeronaves apenas nos Estados Unidos.


A USAir submeteu ao NTSB que os pilotos deveriam receber treinamento em relação à velocidade de cruzamento de um avião e recuperação da deflexão total do leme. Como resultado, os pilotos foram avisados ​​e treinados como lidar com a autoridade insuficiente de aileron a uma velocidade no ar igual ou inferior a 190 nós (352 km/h), anteriormente a velocidade de aproximação usual para um Boeing 737.

A Boeing manteve que o A causa mais provável do acidente foi que o co-piloto inadvertidamente desviou o leme na direção errada enquanto estava em pânico e por razões desconhecidas manteve essa entrada até o impacto com o solo. 


A Boeing concordou em reprojetar o sistema de controle do leme com um backup redundante e pagou para reformar toda a frota mundial de 737. Seguindo uma das principais recomendações do NTSB, as companhias aéreas foram obrigadas a adicionar quatro canais adicionais de informações aos gravadores de dados de vôo para capturar os comandos do pedal do leme do piloto, e a FAA estabeleceu um prazo de agosto de 2001 para que as companhias aéreas o cumprissem. 

Em 2016, o ex-investigador John Cox afirmou que o tempo provou que o NTSB estava correto em suas descobertas porque nenhum incidente de reversão do leme ocorreu desde o redesenho da Boeing. 


Após a resposta da companhia aérea ao acidente com o voo 427, o Congresso dos Estados Unidos exigiu que as companhias aéreas tratassem com mais sensibilidade as famílias das vítimas. 

A USAir parou de usar o voo 427 como um número de voo. O acidente foi o segundo acidente fatal da USAir em pouco mais de dois meses, após o acidente do voo 1016 de 2 de julho no Aeroporto Internacional Charlotte-Douglas que matou 37. Os acidentes contribuíram para a crise financeira que a USAir estava enfrentando na época.


O fato é que o Boeing 737 continua sendo a aeronave a jato mais vendida da história. Se, de fato houve um problema de projeto no leme dos 737, então muitos milhões terão de ser gastos em exames e eventuais reparos dessa imensa frota da jatos 737 em operação. Até lá, a tragédia de Aliquippa continuará sem nenhuma explicação definitiva.

Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu (com Acidentes e Desastres Aéreos / Jetsite, Wikipedia, ASN, Martial Herald e baaa-acro)

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