O avião que operava o voo era o Lockheed L-049 Constellation, prefixo PP-PCG, da Panair do Brasil (foto acima), fabricado em meados de 1945, na planta de Burbank, na Califórnia. A aeronave, que havia sido encomendada pela Pan American World Airways e receberia o registro NC88862, não chegou a prestar serviços para a companhia norte-americana.
A aeronave foi enviada para a Panair do Brasil (na época controlada pela Pan Am, mas já em processo de transferência de ações para controladores brasileiros), onde receberia o prefixo PP-PCG. Fez a inauguração do Voo Brasil-Itália, no dia 3 de outubro de 1946, entre o Rio de Janeiro e Roma, com escalas em Recife, Dakar e Lisboa, perfazendo 5339 milhas ao longo de 24 horas.
O Constellation transportava 44 passageiros (muitos dos quais em férias no Rio de Janeiro, que havia sediado a Copa do Mundo de 1950) e seis tripulantes, sendo pilotado pelo comandante Eduardo Martins de Oliveira (prestes a completar 10 mil horas de voo em sua carreira, era conhecido como Comandante Edu, um dos fundadores e porta estandarte do famoso Clube dos Cafajestes).
O Clube se notabilizava por suas extravagâncias boêmias, pela vida “dissoluta” e pelas bebedeiras homéricas em que seus membros pregavam peças memoráveis uns nos outros – e em qualquer outra pessoa também.
Segundo boletins meteorológicos, havia uma frente fria estacionária entre Porto Alegre e Florianópolis, causando grandes turbulências e chuva leve na capital gaúcha.
Após algum atraso em rota, causado pelas condições climáticas desfavoráveis, o Constellation iniciou os procedimentos de aproximação para pouso na Base Aérea de Canoas às 18h45min. O pouso, porém, foi abortado, seguindo-se uma arremetida.
Durante a segunda tentativa de aterrissagem, perdeu-se contato com a torre, seguindo-se nova arremetida. Na sequência, o Constellation chocou-se contra o Morro do Chapéu (localizado atualmente entre os municípios de Gravataí e Sapucaia do Sul), por volta das 19h25min, explodindo logo em seguida, vitimando todos os tripulantes e passageiros.
Lista dos passageiros vítimas do acidente |
As turmas de resgate – militares, policiais, médicos, enfermeiros, voluntários, curiosos, repórteres – que seguiram para o local da tragédia seguiam por caminhos íngremes, escuros, tortuosos e escorregadios, abaixo de uma chuva inclemente. Eles foram guiados pelo agricultor Emilio Cassel, um dos proprietários daquelas terras e conhecedor da área.
A forte cerração atrapalhava a visibilidade, o que só foi possível solucionar com os poderosos geradores de eletricidade e refletores trazidos pelos militares do Décimo Nono Regimento de Infantaria de São Leopoldo. Os praças imediatamente fizeram um cordão de isolamento.
No comando da operação estava o coronel Olimpio Mourão Filho – que, em 1964, saindo de Juiz de Fora com suas tropas rumo ao Rio de Janeiro, deflagraria o Movimento militar que depôs o presidente João Goulart. Também estava presente – orientando o resgate – o major Jefferson Cardim de Alancar Osório, comandante do primeiro Batalhão do Sexto Regimento de Obuses 105.
Os repórteres, em não menores dificuldades, tiveram que abandonar seus veículos e fazer cerca de cinco quilômetros a pé, passando por chácaras e peraus, para alcançar o morro.
O acesso era feito pela estrada que ligava a Fazenda São Borja a Esteio. Ao chegarem ao local, encontraram enormes labaredas e muita fumaça.
Os trabalhos de remoção dos corpos e limpeza da área, levaram vários dias, devido à extensão da área em que foram espalhados os destroços.
Afonso Apolinário da Silva, hoje aposentado, tinha apenas 9 anos quando viu o avião cair nos fundos da sua casa. Como estava chovendo durante a noite, ele foi até o local apenas na manhã seguinte. “Era um cenário cheio de gente. Tinha gente lá embaixo do morro, mais de mil pessoas (trabalhando). Gente morta para todos os lados, notícias de 50 pessoas que morreram. Ficava nervoso”, relembra.
Ainda segundo a memória de Afonso, foram dois dias de chamas e um mês de trabalho para retirada dos corpos e dos destroços da aeronave. O acidente trouxe diversas mudanças para a aviação.
Dona Mary Lúcia Viezzer tinha 11 anos em 1950 e recorda bem do velório no Juvenil. À época, o pai, José Viezzer, era ecônomo do clube, e a família, completada pela mãe Cecília Florian Viezzer e pela irmã Vera, morava no prédio.
"O Balduíno D’Arrigo veio (do Rio de Janeiro) para assumir a presidência do clube. A Irma Valiera tinha ido visitar a dona Angelina (filha de Abramo Eberle e esposa de Caetano Pettinelli, que moravam no Rio à época). Os três foram velados lá dentro", conta.
À época do acidente, muitos voos eram direcionados para a Base Aérea de Canoas porque ela possuía pistas longas e pavimentadas, que comportavam aviões de grande porte como os Constellation, mas operava apenas em condições visuais. Em contraste, o Aeródromo de São João, localizado em Porto Alegre, contava com instrumentos para auxílio aos pousos, mas não possuía pistas pavimentadas.
A comoção gerada com o desastre foi tamanha, que o Aeródromo de São João seria rebatizado Aeroporto Salgado Filho, sendo reiniciadas obras de melhorias que haviam sido paralisadas durante o período da 2ª Guerra Mundial. Com isso o Aeroporto Salgado Filho foi dotado de um novo terminal de passageiros e de pistas pavimentadas, acabando com as dificuldades de operação de grandes aeronaves.
Dois dias depois do episódio, morreria, num outro acidente aéreo ocorrido no Rio Grande do Sul, o político Joaquim Pedro Salgado Filho, que não havia embarcado no voo 099 devido a falta de lugar.
Hoje mais conhecido como Morro Sapucaia, o Morro do Chapéu é, atualmente, local de esportes radicais e detem a condição de ponto culminante do município, com 295 metros de altitude.
Os compositores Fernando Lobo e Paulo Soledade escreveram a canção Zum-Zum, em homenagem ao Comandante Edu, interpretada por Dalva de Oliveira no carnaval de 1951. Foi considerado, então, o pior acidente aéreo do Brasil.
Quanto à Panair do Brasil, notabilizou-se como uma das empresas pioneiras na aviação comercial brasileira, a qual dominou durante décadas. Pertencente à companhia Pan American, aos poucos foi sendo vendida a empresários brasileiros. A Panair acabou durante o regime militar, aparentemente uma conspiração comercial capitaneada por figurões do regime e pele direção da concorrente Varig.
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