domingo, 24 de março de 2013

Guerra cultural na Turquia alcança céus

Uniformes propostos para as comissárias de bordo da Turkish Airlines, incluindo saias longas e chapéus no estilo Otomano, criou debate sobre costumes do país refletidos na companhia.

Em foto de arquivo, piloto e comissárias de bordo se preparam 
para embarcar em avião da Turkish Airlines em 1974

Quando comissárias de bordo embarcavam em um avião da Turkish Airlines no final de 1940, elas usavam blusas de algodão embaixo de ternos azuis sob medida para acentuar "os contornos do corpo", de acordo com relatos sobre a história da moda da companhia. Nos anos 1960 e 1970 a tendência continuou, com modelos que poderiam ter saído das passarelas de Paris, destinados a mostrar o toque europeu da Turquia. Agora, os costumes do país se refletem em uma nova proposta: vestidos longos, saias abaixo do joelho e chapéus no estilo Otomano.

Sendo a Turquia um país onde aparentemente atos insignificantes podem se tornar assuntos sérios a respeito de sua identidade, esboços que vazaram na imprensa causaram confusão, provocando reações apaixonadas e positivas dos seculares e daqueles que apoiam as tradições na moderna Turquia e outros que nutrem nostalgia pelos dias do Império Otomano.

No Twitter, alguns turcos zombaram dos novos uniformes, pois lembravam os trajes utilizados no "Século Magnífico", uma popular novela turca sobre o reinado decadente do sultão Suleiman, o Magnífico, no século 16. A disputa só aumentou depois que a companhia aérea disse ter proibido o consumo de bebidas alcoólicas em alguns voos domésticos e internacionais.

Outros acharam o novo visual muito conservador, um esforço transparente para agradar as raízes islâmicas do Partido da Justiça e Desenvolvimento, chefiado pelo primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. O partido, que está no poder há uma década, realizou mudanças na cultura tradicionalmente secular, como a aceitação de véus islâmicos em público e em universidades e restrições a bebidas alcoólicas em determinados lugares.

Em um comunicado para a imprensa local, a Turkish Airlines tentou silenciar o tumulto, dizendo que o projeto vazou prematuramente e que é apenas uma opção entre muitas consideradas. "Entre aquelas opções que reinterpretam modelos tradicionais turcos, também existem as que se destacam por sua abordagem modernista."

Alguns acreditam que a Turkish Airlines, cujo controle acionário é 50% estatal, está simplesmente tentando agradar Erdogan - que quando não é acusado por seus adversários de ser um islâmico rígido, é considerado um sultão moderno por sua competência no poder. Em uma declaração escrita, o presidente do conselho administrativo da Turkish Airlines não negou que a companhia tentava agradar ao governo. Na verdade, confirmou que sim. "A visão da Turkish Airlines corresponde com a visão do nosso governo", disse o presidente, Hamdi Topcu. "Não há diferença entre eles e nós. Foi o governo que nos elegeu."

E acrescentou: "O governo da República da Turquia, que chegou ao poder através de eleições democráticas e ganhou a confiança de seu povo, representa os valores deste país."


O alvoroço atraiu atenção para a designer turca Dilek Hanif, que foi contratada pela companhia aérea para redesenhar os uniformes (foto acima). Dilek parece encapsular a diferença e diversidade cultural da Turquia: Favorita da cena de alta-costura de Paris, suas roupas são muitas vezes inspiradas pela moda otomana e aparentemente ela é a designer favorita da primeira dama da Turquia, Hayrunnisa Gul.

Em uma entrevista, Dilek disse que o projeto dos uniformes que apareceram online não eram definitivos. Ela atribuiu a reação negativa - especialmente daqueles que não encontraram nenhum significado cultural mais profundo e simplesmente desprezaram os esboços - à insensibilidade da indústria da moda, aparentemente tão feroz em Istambul, quanto em Nova York, Milão e Paris.

"Ao contrário das fotos que vazaram", disse, " também estamos trabalhando em uma série de projetos modernos."

Dilek disse que seus projetos sempre foram uma "síntese entre o Oriente e Ocidente", e que não está contente por ter sido empurrada para as linhas de frente da guerra cultural da Turquia. "Eu ainda estou trabalhando em diferentes desenhos, cores e alternativas", disse. "Quando os projetos estiverem concluídos, serão apresentados para a Turquia e para o mundo."

Fonte: Tim Arango (The New York Times) via iG

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