Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em órgãos do sistema aéreo constatou falhas que podem comprometer a prevenção de desastres. Desencadeada após o colapso nos aeroportos e os acidentes com aviões da Gol (2006) e da TAM (2007), a fiscalização mostrou que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), ligado à Aeronáutica, exercem tarefas idênticas na coleta de informações sobre a segurança dos voos e, não raro, desenvolvem os mesmos projetos, numa espécie de competição. Nesta quarta-feira, os ministros votaram acórdão para que o Ministério da Defesa defina os papéis de cada agente.
Conforme o relatório dos auditores, o "bate-cabeça" leva a situações insólitas: os prestadores de serviços à aviação civil decidem, segundo seus interesses, a quem reportar dados sobre acidentes, incidentes, ocorrências de solo, anormalidades e situações de perigo. Os dois órgãos se sobrepõem nas ações contra o choque de pássaros com aviões, um dos principais fatores de risco. A Anac criou processo para recolher e avaliar relatos sobre as colisões, enquanto o Cenipa já tinha o seu Programa de Controle do Perigo Aviário no Brasil.Documento destaca risco de acidentes no Galeão
Com base nas estatísticas, o TCU considera elevadas as chances de um acidente por esse motivo. Entre janeiro e outubro do ano passado, 540 aves bateram em aeronaves no país, sendo que 140 atingiram os motores. Só no Aeroporto do Galeão, houve 68 casos (mais de 10%), o que preocupa as empresas aéreas e os pilotos. Reunida no terminal em março de 2009, a Comissão de Controle do Perigo Aviário no Brasil, ligada ao Cenipa, apontou o perigo iminente de uma ocorrência semelhante ao pouso de emergência de um avião A-320 no Rio Hudson, em Nova York, em janeiro do ano passado.
"Os dados estatísticos do Cenipa e as informações oriundas das duas maiores empresas de transporte aéreo do país - detentoras de mais de 80% do mercado nacional - não deixam dúvidas quanto à gravidade do risco de acidente, especialmente no aeroporto do Galeão", diz o relatório do TCU.
No Galeão, jatos da Gol colidiram 34 vezes com urubus e outras espécies entre janeiro e setembro do ano passado. No encontro, representante da empresa informou que setores da Gol estão sendo alertados sobre a proximidade de um acidente. A TAM estimou que os custos com o problema passariam de US$ 1,6 milhão, em 2008, para US$ 3,3 milhões, em 2009.
Pilotos relatam riscos por causa dos pássaros
Pilotos relatam que têm sido obrigados a manobrar em baixa altura para desviar dos animais. Em muitos os casos, eles tomam todas as cabeceiras. "Hoje em dia é comum a torre perguntar se é possível decolar, devido a bandos exatamente sobre o final da pista", escreveu um deles, em relatório enviado ao Cenipa, cobrando uma atitude urgente para melhorar a situação.
A auditoria do TCU concluiu que a participação da Anac na prevenção de acidentes pode ser seriamente limitada pelas atividades que ela mesma desenvolve. A agência coleta as informações sobre segurança de operadores da aviação civil, mas também os pune pelos problemas e irregularidades apontados. Como não há um sistema que garanta o sigilo da fonte, pilotos, operadores de voo e outros agentes se sentiriam intimidados.
- É como se eles estivessem jogando contra o próprio time - disse o ministro Benjamin Zymler, relator do caso no TCU.
No relatório, os auditores constataram que a Anac não tem divulgado os indicadores de eficiência das empresas aéreas. Não há transparência sobre cancelamentos e atrasos, o que serviria para orientar o consumidor na compra de passagens e forçaria melhorias no serviço.
- Isso criaria uma competição saudável entre as companhias - afirmou Zymler.
Além de sugerir que o Ministério da Defesa ajuste normas e defina as atividades da Anac e do Cenipa, os ministros recomendaram que a pasta adote medidas para evitar a punição de informantes e supervisione as ações para evitar acidentes provocados por pássaros. À agência, pediram que volte a publicar os índices e tome medidas para evitar atrasos e cancelamentos.
Fonte: Fábio Fabrini (O Globo) - Imagem: hsw
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